Lição 9
23 a 29 de maio
A criação: Gênesis como fundamento (parte 2)
Sábado à tarde
Ano Bíblico: Ed 4-6
Verso para memorizar: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das Suas mãos” (Sl 19:1)
Leituras da semana: Jó 26:7-10; Gn 1; 2; 5; 11; 1Cr 1:18-27; Mt 19:4, 5; Jo 1:1-3

Muitos pensadores importantes foram inspirados pelas Escrituras a investigar o mundo criado por Deus. Como resultado, nasceu a ciência moderna. Johannes Kepler, Isaac Newton, John Ray, Robert Boyle e outros grandes cientistas acreditavam que seu trabalho revelava ainda mais sobre a criação das mãos de Deus.

Contudo, após a Revolução Francesa, a ciência do século 19 passou de uma cosmovisão teísta para uma cosmovisão fundamentada no naturalismo e no materialismo, frequentemente sem nenhum espaço para o sobrenatural. Essas ideias filosóficas foram popularizadas por Charles Darwin, em seu livro A Origem das Espécies (1859). Desde essa época, a ciência tem se distanciado cada vez mais de seu fundamento bíblico, resultando em uma reinterpretação radical da história do Gênesis.

Será que a Bíblia ensina uma visão antiquada e não científica da cosmologia? O relato bíblico simplesmente teria sido obtido das nações pagãs vizinhas? A Bíblia foi condicionada culturalmente por seu tempo e lugar, ou sua natureza inspirada nos eleva a uma visão das origens que é completa em sua estrutura divina?

Esses são alguns assuntos que estudaremos na lição desta semana.


Tente memorizar uma passagem bíblica hoje e medite nela ao longo do dia.

Domingo, 24 de maio
Ano Bíblico: Ed 7-10
Uma Terra plana?

É comum a crença de que muitos no mundo antigo pensavam que a Terra fosse plana. No entanto, a maioria das pessoas, por várias razões, entendia que a Terra era redonda. Mesmo assim, ainda hoje, alguns alegam que a Bíblia ensina que a Terra é plana.

1. Leia Apocalipse 7:1; 20:7, 8. Qual é o contexto desses versos? Eles ensinam o conceito de uma Terra plana?

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João, o autor desses textos, escreveu uma profecia do fim dos tempos, descrevendo os quatro anjos do Céu “em pé nos quatro cantos da Terra, conservando seguros os quatro ventos” (Ap 7:1). Ele repetiu a palavra “quatro” três vezes para ligar os anjos aos quatro pontos cardeais.

Em suma, ele apenas usou linguagem figurada, como fazemos hoje quando dizemos, por exemplo, que “o Sol está se pondo” ou que o vento “veio do oriente”. Insistir em uma interpretação literal de textos proféticos quando o contexto indica uma ideia figurativa de norte, sul, leste e oeste, é tirar essas passagens do contexto e fazê-las ensinar algo que não ensinam. Afinal, quando Jesus disse: “Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mt 15:19), Ele não estava falando sobre fisiologia, nem do coração humano literal. Jesus usou uma figura de linguagem para defender um argumento moral.

2. O que Jó 26:7-10 e Isaías 40:21, 22 ensinam sobre a natureza da Terra? Assinale a alternativa correta:

A.( ) A Terra é quadrada e plana.

B.( ) A Terra está suspensa no espaço e é redonda.

Em Jó 26:7, a Terra foi descrita como estando suspensa no espaço: “Ele estende o norte sobre o vazio e faz pairar a Terra sobre o nada.” A Terra é “um círculo” ou esfera (Jó 26:10). Isaías 40:22 declara: “Ele é o que está assentado sobre a redondeza da Terra, cujos moradores são como gafanhotos; é Ele quem estende os céus como cortina.”

Coloque-se no lugar dos que viveram há milhares de anos. Com base nas evidências, você estaria convencido de que a Terra se move ou de que ela permanece imóvel? Acreditaria que ela é plana ou redonda?


Segunda-feira, 25 de maio
Ano Bíblico: Ne 1-4
A criação na literatura antiga

A

rqueólogos descobriram textos do Egito antigo e do Oriente Próximo que contêm histórias primitivas da criação e do Dilúvio. Por isso, alguns indagaram se o relato de Gênesis foi obtido dessas culturas ou se ele dependeu delas. Mas será que é isso mesmo?

Veja estes trechos da Epopeia de Atra-asis: “Quando os deuses, em vez de homens/Fizeram a obra, suportaram as cargas, /A carga dos deuses foi grande demais, /A obra foi muito difícil, a dificuldade grande demais/ [...]. ‘Que a deusa do ventre gere descendência, /E o homem leve a carga dos deuses!” [...]. Geshtu-e, um deus que tinha inteligência, /eles mataram em sua assembleia. /Nintu misturou barro /Com sua carne e sangue” (Stephanie Dalley, Myths from Mesopotamia: Creation, the Flood, Gilgamesh and Others [Nova York: Oxford University Press, 1989], p. 9, 14, 15).

3. Quais são as diferenças entre Gênesis 1 e 2:1-4 com a Epopeia de Atra-Hasis?

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Embora existam semelhanças entre as histórias (por exemplo, os primeiros humanos foram feitos de argila), as diferenças são mais definidas.

(1) Em Atra-Hasis, o homem trabalha para os deuses para que estes descansem. Em Gênesis, Deus cria a Terra e tudo o que nela há para os seres humanos, o ápice da criação, e descansa com eles. Em Gênesis, o ser humano é colocado no jardim e convidado à comunhão com Deus e ao cuidado da criação, um conceito ausente em Atra-asis.

(2) Em Atra-asis, um deus menor foi morto, e seu sangue foi misturado com argila para formar sete machos e sete fêmeas. Em Gênesis, primeiramente Adão foi formado de maneira íntima por Deus, que lhe deu o fôlego de vida, e a mulher foi feita posteriormente para ser sua auxiliadora. Deus não criou Adão e Eva a partir do sangue de um deus morto.

(3) Não há sinal de conflito nem de violência no relato de Gênesis, como encontramos na história de Atra-asis.

O relato bíblico é sublime ao descrever o Onipotente, que concede à humanidade propósito digno em um mundo perfeito. Essa diferença fez com que os estudiosos concluíssem que esses relatos são diferentes.

Alguns alegam que as histórias da criação e do Dilúvio foram transmitidas entre os povos, mas distorcidas com o tempo (daí algumas semelhanças entre esses relatos e o texto bíblico). Em contrapartida, Moisés, inspirado pelo Espírito Santo, revelou o que tinha acontecido. Por que essa explicação esclarece mais as poucas semelhanças do que a ideia de que Moisés obteve seu relato a partir das histórias pagãs?


Terça-feira, 26 de maio
Ano Bíblico: Ne 5-8
Gênesis versus paganismo

Longe de depender de antigos mitos pagãos da criação, o livro de Gênesis foi escrito de um modo que refuta esses mitos, fazendo com que Deus, como Criador, distancie-Se deles.

4. Leia Gênesis 1:14-19. Como foram descritas as entidades que aparecem no quarto dia e quais são as suas funções?

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Os termos “Sol” e “Lua” foram certamente evitados no relato porque seus nomes em hebraico eram os nomes (ou estavam intimamente relacionados aos nomes) dos deuses do Sol e da Lua do antigo Oriente Próximo e do Egito. O uso dos termos “luzeiro maior” e “luzeiro menor” mostra que eles foram criados para funções específicas, “para sinais, para estações, para dias e anos” e para “alumiar a Terra” (Gn 1:14, 15). Ou seja, o texto mostra muito claramente que o Sol e a Lua não eram deuses, mas objetos criados com funções naturais específicas, da maneira como os entendemos hoje.

5. Leia Gênesis 2:7, 18-24. Como Deus Se envolveu profundamente na criação de Adão e Eva? Assinale a alternativa correta:

A.( ) Suas palavras formaram o homem e a mulher.

B.( ) Suas mãos criaram, do barro, o homem, e do homem, a mulher.

Os antigos mitos do antigo Oriente Próximo descrevem unanimemente a criação do homem como algo que não estava nos planos originais, resultante de uma tentativa de aliviar os deuses do trabalho pesado. Essa noção mítica é contrariada pela ideia bíblica de que o homem deve governar o mundo como vice-regente de Deus. Nada na criação do ser humano foi um pensamento posterior. Ao contrário, o texto aponta para a humanidade como o clímax do relato da criação, mostrando ainda mais claramente quanto os relatos pagão e bíblico são diferentes.

Assim, Gênesis apresenta um corretivo contra os mitos antigos. Moisés usou certos termos e ideias incompatíveis com os conceitos pagãos, simplesmente expressando a compreensão bíblica da realidade e da função e propósito de Deus na criação.

Milhares de anos atrás, a história bíblica da criação estava em desacordo com a cultura predominante. Hoje, essa mesma narrativa sagrada está em conflito com os padrões prevalecentes na cultura. Por que não deveríamos nos surpreender?


Quarta-feira, 27 de maio
Ano Bíblico: Ne 9-11
A criação e o tempo

6. Leia Gênesis 5 e 11. Como a Bíblia traça a história da humanidade de Adão a Noé e de Noé até Abraão?

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Há um elemento que torna essas genealogias singulares na Bíblia: elas contêm o elemento do tempo, fazendo com que alguns estudiosos as chamem corretamente de “cronogenealogias”. Elas contêm um mecanismo de interligação de informações de descendência juntamente com períodos de tempo, de maneira que “quando a primeira pessoa tinha vivido uma quantidade determinada de anos, ela gerou a segunda pessoa. E a primeira pessoa, depois que gerou a segunda, viveu por mais certa quantidade de anos e gerou outros filhos e filhas”. Gênesis 5 acrescenta a frase padrão: “Todos os dias da primeira pessoa foram tantos anos”. Esse sistema interligado teria impedido a exclusão de certas gerações ou o acréscimo de outras. Gênesis 5 e 11 contêm uma linha contínua de descendência, como é confirmado por 1 Crônicas 1:18-27, em que não há acréscimo nem ausência de gerações. Dessa maneira, a Bíblia se interpreta.

Por quase 2.000 anos, especialistas judeus e cristãos têm interpretado que esses textos representam a história e uma forma precisa de determinar a data do Dilúvio e a idade da Terra, pelo menos a partir dos sete dias da criação, conforme descritos em Gênesis 1 e 2.

Nas últimas décadas, tem havido tentativas de reinterpretar Gênesis 5 e 11 para acomodar períodos mais longos, o que é sugerido na maneira em que alguns dados arqueológicos e históricos são interpretados por seres humanos falíveis. Apesar disso, podemos comprovar a confiabilidade do registro bíblico.

Se quisermos entender o conceito divino de tempo e seu progresso ao longo da História, devemos reconhecer que esses dois capítulos são “tanto históricos quanto teológicos, ligando Adão ao restante da humanidade e Deus ao homem no domínio dos limites do espaço e do tempo. Gênesis 5 e 11:10-26 apresentam a estrutura de tempo e a cadeia humana que liga o povo de Deus ao homem que Ele criou como o clímax do evento da criação de seis dias deste planeta” (Gerhard F. Hasel, “The Meaning of the Chronogenealogies of Genesis 5 e 11”, Origins 7/2 [1980], p. 69).

Embora esses textos do Antigo Testamento estejam ali por boas e importantes razões, o que Paulo disse em 1 Timóteo 1:4 e Tito 3:9? Por que devemos dar atenção às palavras do apóstolo quando falamos sobre esses textos de Gênesis?


Quinta-feira, 28 de maio
Ano Bíblico: Ne 12, 13
A criação nas Escrituras

7. Leia as seguintes passagens das Escrituras e descreva como cada um desses autores se referiu aos capítulos 1 a 11 de Gênesis:

Mt 19:4, 5: ____________________________________

Mc 10:6-9: _____________________________________

Lc 11:50, 51: ____________________________________

Jo 1:1-3: _______________________________________

At 14:15: _______________________________________

Rm 1:20: _______________________________________

2Co 4:6: ______________________________________

Ef 3:9: ________________________________________

1Tm 2:12-15: ____________________________________

Tg 3:9: ________________________________________

1Pe 3:20: ______________________________________

Jd 11, 14: ______________________________________

Ap 2:7; 3:14; 22:2, 3: _______________________________

Jesus e todos os escritores do Novo Testamento se referiram a Gênesis 1 a 11 como história fidedigna. Em Mateus 19:4, Jesus Se referiu aos escritos de Moisés e à criação do homem e da mulher. Paulo usou repetidamente o relato da criação para fundamentar os argumentos teológicos que ele defendeu em suas epístolas. Ele declarou aos sábios de Atenas:
“O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo Ele Senhor do Céu e da Terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas” (At 17:24). Assim, os escritores do Novo Testamento desenvolveram suas mensagens com base na natureza fundamental do Gênesis para mostrar ao leitor moderno a importância dos seus eventos literais.

Leia, por exemplo, Romanos 5. Paulo fez uma ligação direta entre Adão e Jesus (veja Rm 5:12, 14-19) por mais de seis vezes. Isto é, ele admitiu a existência literal de um Adão histórico, um conceito que se torna fatalmente comprometida quando um modelo evolutivo das origens substitui uma leitura literal dos textos.

Se os escritores do Novo Testamento, inspirados pelo Espírito Santo, e o próprio Jesus consideravam o relato da criação uma história fidedigna, por que seria insensatez, com base em alegações de homens caídos e falíveis, não fazermos o mesmo?

Decida viver de modo simples, de acordo com seu padrão de vida.

Sexta-feira, 29 de maio
Ano Bíblico: Et 1-4
Estudo adicional

Leia, de Gerald A. Klingbeil, The Genesis Creation Account and Its Reverberations in the Old Testament (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2015).

“A Bíblia é a mais vasta e mais instrutiva história que os homens possuem. Ela veio pura da fonte da verdade eterna, e a mão divina preservou sua pureza através dos séculos [...]. Somente aí podemos encontrar a história da humanidade, não contaminada pelo preconceito ou o orgulho humano” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 5, p. 25).

“Foi-me mostrado que, sem a história bíblica, a geologia não pode provar nada. As relíquias encontradas na Terra de fato evidenciam um estado de coisas que diferem em muitos aspectos do presente. Mas o tempo de sua existência, e por quanto tempo essas coisas estiveram na terra, só devem ser entendidas pela história bíblica. Pode ser inocente conjecturar além da história bíblica se nossas suposições não contradizem os fatos encontrados nas Sagradas Escrituras. Mas, quando os homens deixam a Palavra de Deus em relação à história da criação e buscam explicar as obras criativas de Deus com base em princípios naturais, estão em um oceano ilimitado de incertezas. Deus nunca revelou aos mortais como exatamente realizou a obra da criação em seis dias literais. Suas obras criativas são tão incompreensíveis quanto Sua existência” (Ellen G. White, Spiritual Gifts [“Dons Espirituais”], livro 3, p. 93).

Perguntas para consideração

1. Se explicações científicas sobre a realidade são controversas, por que as pessoas aceitam teorias acerca de eventos que supostamente ocorreram há bilhões de anos?

2. A ciência supõe que não se pode usar meios sobrenaturais para explicar eventos naturais. Por exemplo, não poderíamos explicar uma fome alegando que uma bruxa lançou uma maldição na terra. No entanto, se excluímos o sobrenatural como causa da criação, por que qualquer outro modelo que elaborarmos estará inevitavelmente errado?

Respostas e atividades da semana: 1. Uma profecia simbólica. Não há quatro cantos literais no mundo. A Terra não é plana nem quadrada. 2. B. 3. Comente com a classe. 4. Como “luzeiros”, um maior e outro menor, com a função de fazer separação entre o dia e a noite. 5. B. 6. Por meio de genealogias e cronologias. 7. Há referências à criação do homem e da mulher; é mencionado o sangue de Abel, que foi derramado; João sugeriu que Jesus participou da criação; Deus aparece como Aquele que fez o Céu, a Terra, o mar e tudo quanto há neles; Paulo enfatizou que as coisas criadas manifestam os atributos divinos e que o Senhor fez resplandecer a luz das trevas; o apóstolo apresentou Jesus como Criador e confirmou que Adão foi criado primeiro do que Eva; Tiago afirmou que fomos feitos à semelhança de Deus; Pedro fez referência ao Dilúvio; Judas falou sobre o caminho de Caim, a transgressão escolhida por ele; João mencionou o paraíso de Deus e a árvore da vida, bem como Aquele que é o princípio da criação, o Cordeiro.



Resumo da Lição 9
A criação: Gênesis como fundamento (parte 2)

Textos-chave: Jó 26:7-10; Gn 1; 2; 5; 11; 1Cr 1:18-27; Mt 19:4, 5; Jo 1:1-3

Esboço

Em 1872, enquanto conduzia pesquisas no subsolo do Museu Britânico, George Smith traduziu uma antiga tabuleta babilônica que continha referências a Utnapishtim, o sobrevivente do Dilúvio mundial, e a Gilgamesh, que procurava obter dele o segredo da vida eterna. Jornais em todo o mundo relataram a surpreendente descoberta do Épico de Gilgamesh e da primeira referência ao Dilúvio fora das Escrituras. Desde então, estudiosos têm documentado em todo o mundo histórias do Dilúvio de diferentes culturas. Também foram encontrados relatos da criação. Visto que essas novas descobertas arqueológicas dos últimos 150 anos revelaram essas evidências, surgiram novas questões sobre a origem e a natureza dos relatos bíblicos da criação e do Dilúvio. O relato de Gênesis 1 a 11 foi simplesmente tomado emprestado do antigo Oriente Próximo? Ele contém elementos míticos comuns aos outros relatos? Se o relato de Gênesis depende de alguma forma dos relatos anteriores da Mesopotâmia ou do Egito, quais são as implicações históricas e teológicas? Como explicar as semelhanças e diferenças encontradas nos diferentes relatos? Como essas narrativas abordam a questão da cosmologia, ou da origem e estrutura do Universo? A Bíblia também deve ser considerada um texto mitológico como os do Egito e da Mesopotâmia? Essas e outras perguntas serão o tema do estudo desta semana, ao examinarmos a Bíblia em comparação com o contexto do Oriente Próximo e do Egito.

Comentário

Ilustração

Galileu Galilei concluiu que o Sol era o centro do sistema solar, sendo que a Terra e os outros planetas giravam em torno dele (cosmovisão heliocêntrica), ao passo que a Igreja Católica ensinava que a Terra era o centro do Universo (visão geocêntrica). Isso fez com que ele fosse julgado pela Inquisição. Como resultado disso, Galileu foi forçado a se retratar e colocado em prisão domiciliar até sua morte, em 1642. O caso de Galileu é frequentemente citado como um exemplo de que a Bíblia contém ciência, porém isso levanta várias questões. A interpretação da Igreja, usada para condenar Galileu, realmente derivava da Bíblia? Galileu se opôs à Bíblia em favor da ciência? De fato, a Igreja Católica havia adotado uma cosmovisão baseada na filosofia aristotélica grega e na matemática de Ptolomeu, a qual ela tentava defender com base na Bíblia. Galileu respondeu defendendo sua interpretação também com base nas Escrituras. Primeiro, ele afirmou que Deus é o Autor da natureza e do livro sagrado, os quais se bem compreendidos, estariam em harmonia. Segundo, Galileu apontou que intérpretes podem errar. Então afirmou que a linguagem usada na Bíblia é adaptada à pessoa comum e nem sempre deve ser tomada de maneira literal. Finalmente, argumentou que se Josué insistiu que o Sol permanecesse parado em Gibeão (Js 10:12), então a visão ptolomaica de que a Terra sempre estava parada no centro do Universo não faria sentido (Richard J. Blackwell, Galileo, Ballermine, and the Bible [Galileu, Belarmino e a Bíblia], South Bend, IN: Notre Dame University Press, 1991, p. 68, 69). Hoje não há dúvida de que a interpretação estava correta, contudo, a Igreja Católica levou mais de 350 anos para absolver Galileu, o que aconteceu em 1992.

A lição é que o intérprete da Bíblia não deve ler a Palavra de Deus através das lentes das cosmovisões do antigo Oriente Próximo, Egito, Grécia ou da visão de mundo mais moderna. Quando há dificuldades de compreensão, é importante considerar cuidadosamente o contexto, os padrões de linguagem e o sentido da passagem bíblica.

Escrituras

A Bíblia contém uma visão antiquada de cosmologia? Durante séculos, estudiosos críticos pensavam que Gênesis 1 refletia as ideias dos antigos babilônios. Assim, eles insistiam em dizer que o termo t?hôm, “abismo”, derivava do nome Tiamat, deus do oceano primitivo no épico de Enuma Elish. O épico mostra o deus babilônico Marduk matando Tiamat num combate mortal. Hoje, reconhece-se que t?hôm é simplesmente um termo para uma grande massa de água que é completamente real, não mítica. De fato, é “impossível concluir que t?hôm, ‘oceano’, foi emprestado de Tiamat” (David Toshio Tsumura, “Genesis and Ancient Near Eastern Stories of Genesis and the Flood: An Introduction” [Gênesis e as Histórias do Antigo Oriente Próximo sobre Gênesis e o Dilúvio], em I Studied Inscriptions From Before the Flood: Ancient Near Eastern, Literary, and Linguistic Approaches to Genesis 1–11 [Eu Estudei Inscrições Anteriores ao Dilúvio: Abordagens Literárias e Linguísticas do Antigo Oriente Próximo sobre Gênesis 1–11], ed. Richard S. Hess and David Toshio Tsumura. Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1994, p. 31). Sugerir que Gênesis 1 reflete um conflito pagão entre os deuses é, na verdade, ler no texto algo que o texto combate. A descrição do estado passivo, impotente e desorganizado do “abismo” em Gênesis 1:2 revela que o termo não é mítico no conteúdo e é antimítico em propósito.

O termo r?qîa‘ às vezes é traduzido como “firmamento”, a partir do termo firmamentum da tradução latina do Antigo Testamento, chamada Vulgata, que dá uma falsa impressão de que o firmamento é uma cúpula de metal sólido. No entanto, o termo r?qîaé traduzido de modo mais apropriado como “expansão”, como pode ser visto no Salmo 19:1 e em Daniel 12:3, em algumas versões em inglês. Da mesma forma, a chuva literalmente cai pelas “janelas do céu”? (Gn 7:11; 8:2, NTLH). Em outras passagens, farinha e cevada (2Rs 7:1, 2), cova e laço (Is 24:18,19) ou bênçãos (Ml 3:10) passam pelas “janelas do céu”. Evidentemente essas expressões não são literais e servem como metáforas da mesma forma que a expressão “janelas da alma” é usada hoje. Se a Bíblia é lida e interpretada em seus próprios termos, em geral não é difícil detectar e reconhecer essa linguagem. Tentativas de ler nas Escrituras algum tipo de Universo de três andares com uma cúpula de metal contendo janelas sustentadas por pilares com um submundo por baixo é considerar aquilo que não contém significado literal no contexto dessas passagens e interpretar o texto literalmente. De fato, os escritores da Bíblia se apartaram intencionalmente de ideias míticas que misturavam o reino dos deuses e os humanos. Podemos nos referir a essa intenção como uma abordagem polêmica dos mitos do Antigo Oriente Próximo e do Egito.

Criação pela Palavra. “Disse Deus: Haja luz; e houve luz” (Gn 1:3). Esse modo de criação contrasta diretamente com os mitos antigos. No épico de Enuma Elish, o ato criativo de Marduk se dá por meio de uma terrível divisão de Tiamat. No épico Atra-?asis, a humanidade é criada a partir da carne e do sangue de um deus massacrado misturados com argila. No Egito, a criação do homem se dá como resultado da autogeração ou emanação dos deuses. Mas em Gênesis não há indício de divindade na própria humanidade. Os seres humanos são criaturas separadas de Deus.

Criaturas marinhas. No quinto dia da criação (Gn 1:20-23), Deus criou os “grandes animais marinhos” [“grandes baleias”, Bíblia KJV], ou “grandes monstros do mar”, como é traduzido o termo hebraico em traduções mais recentes. Nos textos ugaríticos, um termo relacionado aparece como um monstro personificado, ou dragão, que foi vencido pela deusa Anath, o deus criador. Mas a criação dessas grandes criaturas aquáticas, que se dá sem grande esforço da parte de Deus, conforme o relato bíblico, como é expresso pelo verbo “criar”, sempre enfatiza a criação sem grandes esforços e exibe um argumento deliberado contra o conceito mítico de criação por meio de batalha ou combate.

Semana de sete dias. “No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou” (Gn 2:2, NVI). Nas cosmologias egípcias a criação não é concluída. Em vez disso, o ciclo de criação recorrente do deus sol Amun-Re acontece diariamente. Esse conceito de vida e morte é tão intrínseco ao pensamento egípcio que a própria morte é vista como parte da ordem normal da criação. Um papiro de um funeral da Vigésima Primeira Dinastia mostra uma serpente alada com a legenda “morte, o grande deus, que fez deuses e homens” – uma “personificação da morte como um deus criador e uma impressionante percepção visual da ideia de que a morte é característica necessária do mundo da criação” (Erik Hornung, Conceptions of God in Ancient Egypt [Concepções de Deus no Egito Antigo]. Ithica, NY: Cornell University Press, 1982, p. 81).

A nobre concepção do relato de Gênesis sobre a criação apresenta, em seu centro, um Deus transcendente que, como Criador supremo e único, faz com que o mundo exista. O centro de toda a criação é a humanidade como homem e mulher. A cosmologia do Gênesis revela de maneira mais abrangente os fundamentos sobre os quais repousam a realidade e a cosmovisão bíblicas. Gênesis nos dá uma imagem da harmonia que define o tom do restante das Escrituras. As Escrituras são aptas a falar sobre os eventos do fim, porque Aquele que fez todas as coisas no começo ainda é soberano sobre Sua criação (ver Gerhard F. Hasel and Michael G. Hasel, “The Unique Cosmology of Genesis 1 against Ancient Near Eastern and Egyptian Parallels” [“A Cosmologia Singular de Gênesis 1 em Comparação com os Paralelos do Antigo Oriente Próximo e do Egito], em The Genesis Creation Account and Its Reverberations in the Old Testament [O Relato da Criação em Gênesis e Sua Repercussão no Antigo Testamento), ed. Gerald A. Klingbeil. Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 2015, p. 9-29.

Aplicação para a vida

Prevalece em nossa cultura hoje a ideia de que a Bíblia é um livro antiquado, com pouca relevância para as principais questões do século 21. A visão evolucionista de mundo deriva, em grande parte, do conceito mítico de que não há limites distintos entre os seres humanos, o mundo natural e o mundo do divino, pois eles são um. No hinduísmo, quando morremos evoluímos por meio da reencarnação para outra forma de vida. Deus está em tudo e é tudo. Segundo o hinduísmo, existem 33 milhões de deuses personificados pela natureza. Esse conceito remonta ao Egito antigo, onde havia 22.000 deuses e onde morte e vida eram vistas como parte do grande ciclo da vida.

1. Por que é importante para nós, cristãos, entendermos que fomos criados em um estado perfeito e sem pecado, numa época em que a morte não existia? Por que a escolha, conforme descrita em Gênesis 3, é importante? Como a escolha errada de um homem, Adão, foi transformada em escolha correta do Filho do Homem, Jesus Cristo?

2. Uma teoria evolucionista de milhões de anos de morte, e da morte de uma espécie após outra em um holocausto de dor oferece alguma esperança para o futuro? Se a morte sempre foi o outro lado da vida neste Universo, poderia haver uma existência sem morte?

3. Como o ensino da Bíblia sobre vida e morte é completamente diferente do que ensinam outras grandes religiões do mundo? De que maneira a morte física de Cristo e a Sua ressurreição corporal fazem toda a diferença? Compartilhe seus motivos para ter esperança nas promessas encontradas nas Escrituras.


A CAMISETA EVANGELISTA

Glenn Lie vestiu sua camisa polo favorita, de cor verde, e embarcou no metrô em Oslo, Noruega. O professor de 55 anos esperava chamar atenção das pessoas, e não precisou esperar por muito tempo. Glenn sentou-se diante de uma mulher elegantemente vestida que aparentava estar na faixa etária de 60 anos. A mulher olhava para ele e para sua camisa. Seus olhos permaneceram na camisa, que tinha bordadas no peito esquerdo as palavras: “Advent Airlines, Comissário Gleen Lie” e a imagem de um avião a jato. Entendendo que a mulher estava pensativa sobre a frase estranha, ele nada falou.

Depois de encará-lo por cinco minutos, a mulher tomou a iniciativa: “Desculpe-me. Eu nunca ouvi sobre essa companhia aérea. Você trabalha lá?”

“Sim”, Glenn disse.

“Oh!”, ela disse.

“Para onde você voa?”

“Só temos um destino.”

“Mesmo?”, ela disse com surpresa, mas nada mais perguntou sobre esse destino, e Glenn não quis apressar as coisas. Após uma pausa, a mulher perguntou: “É muito caro?” “Não, as passagens são gratuitas”, foi a resposta. Agora a mulher ficou ainda mais surpresa! “O que?!”, ela exclamou. “Por que as passagens são gratuitas?” Foi a vez de Glenn fazer uma pausa. A curiosidade da mulher aumentou. Finalmente, Glenn falou. “As passagens são gratuitas porque foram pagas há dois mil anos.”

A princípio, a mulher pareceu confusa. De repente, entendeu o que ele quis dizer. “Entendi”, ela disse, fez uma pausa e continuou: “Mas, para mim, é difícil acreditar no Céu.” “Por que?”, Glenn perguntou. “Eu tive experiências ruins com a religião na minha criação”, ela respondeu. Essa era uma história que Glenn ouviu muitas vezes: as pessoas rejeitavam o cristianismo por causa dos maus exemplos de cristãos. A Noruega é uma sociedade altamente secularizada e, durante décadas, os membros das igrejas diminuíram em muitas denominações. A Igreja Adventista do Sétimo Dia não é uma exceção. Seus 4.500 membros se esforçam para progredir no país escandinavo de 5.3 milhões de pessoas.

Enquanto estava no metrô, Glenn percebeu que a senhora ansiava por algo melhor. “Talvez possamos encontrar seu caminho para explorar a Bíblia com um novo olhar”, disse ele. Ao ouvir essas palavras, a mulher relaxou visivelmente no vagão quase vazio do metrô. Ela falou abertamente com Glenn sobre suas dúvidas e questionamentos pelos 20 minutos seguintes. Então se levantou. “Preciso descer”, disse, “muito obrigada pela conversa. Tenho muito para pensar e pesquisar.” Glenn respondeu: “Tenho certeza que você encontrará seu caminho. Vou pensar em você.” Ele foi sincero. A mulher era o motivo de ter usado a camisa polo no metrô.

Glenn usa aquela camiseta sempre que pode durante os meses de verão. Ela chama a atenção. Algumas vezes, os olhares levam a conversas. “Não sou muito extrovertido”, Glenn explicou em uma entrevista. “Não saio batendo nas portas das casas. Isso é um pouco desconfortável.” Porém, ele ama a Jesus e deseja envolver-se na disseminação do evangelho. Ele também gosta muito de aviões. Por isso, encomendou uma camisa polo de boa qualidade em uma confecção na Alemanha. A empresa customizou o símbolo e o nome de acordo com seu pedido. 

“Se eu pudesse ser um instrumento para ajudar pessoas a se reconectarem com Deus seria fantástico”, diz. Glenn não sabe se alguém foi atraído a Jesus ou mensagem adventista através da camisa. Mas está convencido de que o Espirito Santo pode usar a camisa para começar o diálogo. “Vamos até onde as pessoas estão”, ele diz. “Meu trabalho não é converter ninguém à igreja adventista. Esse é o trabalho do Espirito Santo. Nosso trabalho é semear e Deus cuidará da colheita.”

Glenn Lie, 55 anos, é professor na Escola Adventista de Østmarka, com aproximadamente 100 alunos do primeiro até o nono ano, em Oslo, Noruega. Ele é também membro e ex-pastor dos jovens da Igreja Adventista do Setimo Dia Betel, que, em 2017, recebeu parte da oferta trimestral que ajudou a construir um centro comunitário para os jovens no porão.

 

Dicas da história

• O sobrenome de Glenn Lie é pronunciado como “Lee”.
• Glenn compara a igreja a um avião que tem Jesus como piloto e os irmãos adventistas servindo como comissários de bordo. Aqui estão algumas perguntas que ele sugere à sua classe da Escola Sabatina: Se nossa igreja fosse uma companhia aérea, como seria? Por que as pessoas optam por voar conosco e não por concorrentes como a “Materialismo Airlines” ou “Ateus Airlines”? O que podemos oferecer que eles não podem encontrar em outro lugar?
• Assista ao vídeo sobreGlenn no YouTube: bit.ly/Glenn-Lie.
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Comentário da Lição da Escola Sabatina – 2º Trimestre de 2020
Tema Geral: Como interpretar as Escrituras

Lição 9 – 23 a 30 de maio

A criação: Gênesis como fundamento: parte 2
Autor: Isaac Malheiros
*Neste comentário, o autor contou com a colaboração de Bruno Ribeiro Nascimento, Doutorando em Filosofia pela UFRN, pesquisador do grupo de estudo da UFPB da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²) e membro da Associação Brasileira de Filosofia da Religião (ABFR).
Editor: André Oliveira Santos
Revisora: Rosemara Santos

A Bíblia ensina que a Terra é plana?

Como a lição desta semana mostra, a Bíblia não ensina que a Terra é plana. No entanto, de fato, há textos que podem dar a impressão de que a Terra tenha formatos diferentes. Ou seja, a Bíblia não parece conter uma “doutrina” sobre o formato exato da Terra.

Mas é preciso destacar que quase todo texto bíblico que se refere a algum formato da Terra está em livros sapienciais, poéticos e proféticos – literaturas com muita figura de linguagem e expressões idiomáticas. Além disso, o objetivo da maioria desses textos (se não de todos eles) não é necessariamente ensinar sobre o formato da Terra.

Precisamos reconhecer que, além da linguagem poética e metafórica, a Bíblia usa muitas vezes uma linguagem “fenomenológica”, “observacional” ou “de percepção”. Todos nós usamos esse tipo de linguagem até hoje, quando falamos em “pôr do sol” (literalmente, o Sol não se põe), nos “quatro cantos” da Terra (literalmente, o planeta não tem quatro cantos). Porém, isso não implica uma cosmologia geocêntrica ou uma Terra plana.

Referindo-se à chuva, Gênesis 7:11 afirma que “as comportas dos céus se abriram”, e Deus promete abrir “as janelas do céu” para abençoar os fiéis (Ml 3:10, ACF). Mas isso não significa que haja literalmente comportas ou janelas no céu. Ao ler que Deus levaria Israel para uma “terra que mana leite e mel” (Lv 20:24), não imagine literalmente rios de leite e de mel em Canaã. Tudo isso é um modo de falar, uma figura de linguagem ou expressão idiomática.

O poeta Fernando Pessoa afirmou, lamentando: “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal!” Ao ler isso, você jamais levaria água do mar ao laboratório para confirmar se, de fato, ela é composta por lágrimas portuguesas!

Portanto, a Terra é um geoide, com formato arredondado, superfície irregular, um leve achatamento nos polos, e a Bíblia não contradiz isso. No entanto, em nosso estudo da Palavra, esse não é um tema que deveria nos ocupar mais do que o necessário.

O mito de que cristãos acreditavam na Terra plana

Certamente você já ouviu que “o cristianismo ensinava que a Terra era plana!” Ou: “Cristóvão Colombo desmentiu a igreja e sua teoria de uma Terra plana ao navegar para a América em 1492”. Essas afirmações são um equívoco já fartamente comprovado e refutado.

A origem desse mito está na “tese Draper-White” (também conhecida como “Tese do Conflito”): a ideia de que há um conflito histórico inevitável entre ciência e religião, em que a ciência é o bem, a iluminação; e a religião é sempre o mal, a ignorância, oposta aos avanços científicos. Esses mitos surgiram no século 19 com a publicação das obras de John William Draper e Andrew Dickson White, que criaram essa narrativa com o objetivo de difamar a religião. Trata-se de uma campanha difamatória, uma propaganda antiteísta e antirreligiosa.

Nunca houve um período em que o cristianismo ensinasse que a Terra era plana. Esse nunca foi um conteúdo do ensino cristão. Resumidamente: os poucos cristãos que falaram que a Terra era plana eram figuras irrelevantes ou de menor importância (como Lactâncio, Cosme Indicopleustes e Severiano de Gabala), e não vozes representativas da posição cristã. Na verdade, pouca gente dava atenção para a teoria da Terra plana na época de Colombo. Isso não era ensino cristão, e os poucos defensores da ideia eram ignorados ou ridicularizados.

Jeffrey Burton Russell, um especialista em história medieval, escreveu sobre o assunto no livro “Inventing the Flat Earth”, e é injustificável a insistência em jogar o mito da Terra plana na conta do cristianismo. No livro “Galileu na prisão”, Ronald Numbers (um agnóstico), especialista em história da ciência, também aborda esse e outros mitos. Incrivelmente, universitários e pesquisadores brasileiros continuam fazendo eco a tais acusações sem nenhum fundamento, nenhuma evidência.

O premiado físico Marcelo Gleiser, por exemplo, lamentavelmente faz eco ao mito da Terra plana: “A situação se tornou tão terrível que, por aproximadamente setecentos anos, de 300 d.C. (santo Lactâncio) até o ano 1000 (papa Silvestre II), se acreditava novamente que a Terra era plana!” (A Dança do Universo, p. 84).

O fato é que, nesse período, praticamente todos os grandes eruditos cristãos acreditavam que a Terra era esférica. Macróbio (séc. 5), Basílio de Cesaréia (séc. 4), Agostinho de Hipona (séc. 4 e 5), João Damasceno (séc. 7 e 8), o bispo Virgílio de Salzburg (séc. 8), John Scotus (séc. 9), Tomás de Aquino (séc. 13), Dante Alighieri (séc. 13 e 14), Francis Bacon (séc. 16), todos defendiam uma Terra esférica.

O Venerável Beda, na obra De Temporum Ratione (séc. 7 e 8) já ensinava que a Terra era uma esfera. No século 5, autoridades civis e religiosas usavam o globus cruciger, que é uma cruz sobre um globo, simbolizando o domínio de Cristo (a cruz) sobre o mundo (o orbe). Isidoro de Sevilha (séc. 7) fez uma estimativa da circunferência terrestre; além disso, mais de mil mapas da Terra produzidos do século 8 ao século 15, consideram uma Terra esférica.

Marcelo Gleiser citou indevidamente o papa Silvestre II, pois esse papa foi um grande estudioso de astronomia que acreditava numa Terra esférica, que também gostava de pintar mapas da Terra sobre esferas de madeira, e fabricar esferas armilares (para mais informações, veja o vídeo < https://bit.ly/2SyIXqT >).

Moisés plagiou outros mitos da criação?

Moisés copiou mitos sumerianos ao escrever o Gênesis? O Gênesis é apenas mais uma versão da “Epopeia de Gilgamesh”, e outros mitos? As evidências mostram que não. Apesar de haver muitos elementos semelhantes, o relato bíblico é de outra ordem. Basta ler para perceber que o Gênesis é uma literatura diferente, que descreve um Deus único, onipotente, preexistente, que cria a humanidade com um propósito digno. Não há nada disso nos antigos mitos.

Apesar de ter algumas semelhanças nas narrativas, em seu cerne, o Gênesis entra em conflito com as teorias cosmogônicas da época. Ou seja, a história bíblica da criação bateu de frente com a cultura predominante e a refutou. A semelhança entre as narrativas é melhor explicada pela provável origem comum desses relatos. Os povos registraram a memória desses fatos, o que, com o tempo, foi dando origem a várias versões dessas histórias ancestrais. Ou seja: a criação, a expulsão do paraíso e o dilúvio são acontecimentos históricos que, com o tempo, foram sendo contados de maneiras diferentes por várias civilizações. E se houve uma interação entre a Bíblia e tais textos, foi no sentido de corrigi-los. Pois a Bíblia traz diferenças marcantes.

A grande lição que fica é a seguinte: Deus não fez nenhum esforço para Se acomodar às crenças cosmogônicas da época de Moisés. Não houve nenhum tipo de negociação com as teorias mais populares do Antigo Oriente Próximo em busca de uma síntese que pudesse agradar ao maior número de pessoas. Sendo assim, por que deveríamos tentar fazer essa acomodação hoje?

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: Isaac Malheiros é pastor, casado com a professora Vanessa Meira, e pai da pequena Nina Meira, de 8 anos. Tem atuado por 16 anos como pastor na área educacional, como capelão e professor, e ama ensinar a ler e interpretar a Bíblia. Atualmente, é pastor dos universitários e professor do Instituto Adventista Paranaense (IAP). É doutor em teologia (Novo Testamento), mestre em teologia (Estudos de texto e contexto bíblicos) e especialista em Ensino Religioso e Teologia Comparada.