Lição 9
20 a 26 de novembro
Convertam o seu coração
Sábado à tarde
Ano Bíblico: Rm 14-16
Verso para memorizar: “De lá, vocês buscarão o Senhor, seu Deus, e O acharão, quando O buscarem de todo o coração e de toda a sua alma” (Dt 4:29).
Leituras da semana: Dt 5:22-29; 4:25-31; 30:1-10; Mt 3:1-8; Mc 1:15; At 2:37, 38

Todos somos pecadores. Isso é fato. Às vezes, ouve-se algum “estudioso” queixar-se da ideia cristã da corrupção humana, mas basta ler as notícias de um dia ou mais ou fazer um rápido levantamento da história humana, e a veracidade dessa doutrina cristã se torna aparente.

Ou, ainda mais fácil, basta se olhar no espelho. Quem tiver a coragem de examinar a fundo o próprio coração (que pode ser um lugar assustador) confirmará a veracidade de Romanos 3:9-23, que termina com as palavras: “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23).

As boas-novas estão no verso seguinte: “justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3:24). Algo crucial para essa boa notícia é o arrependimento: reconhecer nosso pecado, lamentar por ele, pedir perdão a Deus e, finalmente, afastar-se dele. Porque somos pecadores, o arrependimento deve ser a parte central da nossa existência cristã. Nesta semana, veremos a ideia de arrependimento expressa em Deuteronômio.

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Domingo, 21 de novembro
Ano Bíblico: 1Co 1-4
Mi-yitten (Quem dará?)

O hebraico bíblico, como a maioria dos idiomas, é repleto de expressões idiomáticas, que são palavras que assumem significado diferente do seu sentido original. Uma expressão idiomática do AT é Mi-yitten. Mi é a pergunta “quem?” e yitten significa “dará”. Então, literalmente, Mi-yitten quer dizer “Quem dará?”.

No AT, porém, a expressão revela um desejo, um anseio ou algo que se queira muito.

Por exemplo, após terem deixado o Egito, os filhos de Israel, enfrentando desafios no deserto, exclamaram: “Quem nos dera tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito!” (Êx 16:3). “Quem nos dera” é aqui uma expressão idiomática advinda de mi-yitten. No Salmo 14:7 Davi declarou: “Quem dera que de Sião viesse já a salvação de Israel!” Jó 6:8 afirma: “Quem dera que se cumprisse o meu pedido”. Novamente, “quem dera”, nesses versos, vêm do hebraico mi-yitten.

1. Leia Deuteronômio 5:22-29 e observe especialmente o verso 29. A palavra traduzida como “quem dera” se origina também da expressão mi- yitten. O que se subentende desse fato?

Eis o Senhor – o Deus Criador, Aquele que fez o espaço, o tempo e a matéria, que falou e o mundo veio à existência, que soprou em Adão o fôlego da vida – pronunciando a frase “quem dera”, geralmente associada às fraquezas e limitações da humanidade. Que exemplo da realidade do livre-arbítrio! Percebemos que há limites para o que Deus pode fazer em meio ao grande conflito. O uso de mi-yitten revela que nem mesmo Deus pode passar por cima do livre-arbítrio, pois, se o fizer, a ação não pode mais ser considerada livre.

E, assim como nós, humanos, somos livres para pecar, também somos livres para escolher o Senhor e estar abertos à Sua liderança a fim de que, em resposta ao toque do Seu Espírito, possamos nos arrepender de nossos pecados e segui-Lo. A escolha é nossa, e apenas nossa, e é uma escolha que devemos fazer dia a dia, momento a momento.

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Quais são algumas escolhas que você enfrentará nas próximas horas ou dias? Como você pode aprender a entregar sua vontade a Deus para que, com Seu poder, faça as escolhas certas?


Segunda-feira, 22 de novembro
Ano Bíblico: 1Co 5-7
Vocês Me buscarão e Me acharão

Na Bíblia, temos evidências da presciência de Deus. Ele sabe o que vai acontecer, seja a ascensão e queda de impérios mundiais (Dn 7) ou ações individuais, antes de ocorrerem (Mt 26:34). O Senhor conhece o fim desde o início. Esse conhecimento, mesmo de nossas escolhas livres, não tem influência sobre a liberdade dessas escolhas.

Assim, o Senhor sabia, mesmo antes de conduzir os filhos de Israel para a terra prometida, o que eles fariam quando estivessem ali.

2. Leia Deuteronômio 4:25-28. O que o Senhor disse que eles fariam depois de entrar na terra que lhes foi prometida?

Nos versos anteriores aos citados acima, o Senhor disse aos israelitas especificamente que não fizessem ídolos nem os adorassem (Dt 4:15-20). Porém, nos versos seguintes é declarado que eles fariam exatamente isso, apesar de todas as advertências.

Em Deuteronômio 4:25, Moisés deixou claro que isso não aconteceria de imediato. Depois de tudo o que experimentaram, era pouco provável que caíssem em idolatria. No entanto, após uma geração ou mais, devido à tendência de esquecer o que o Senhor tinha feito por eles, e pela rejeição das Suas advertências (Dt 4:9), seriam levados a se opor à vontade de Deus.

3. Leia Deuteronômio 4:29-31. O que o Senhor disse que faria por eles nessa situação específica?

A graça é incrível. Mesmo depois de caírem na terrível idolatria e receberem as consequências dos pecados, se eles voltassem para o Senhor, Ele os perdoaria e os restauraria. Se escolhessem se arrepender, Ele os aceitaria.

Em Deuteronômio 4:30 temos a palavra veshavta, muitas vezes traduzida como “converter”, mas que significa “voltar”. Ou seja, eles estão voltando para o Senhor, de quem não deveriam ter se afastado. A palavra hebraica teshuvah, da mesma raiz de “voltar”, significa “arrepender-se”.

Portanto, o que está envolvido no arrependimento é um retorno a Deus depois de termos sido separados Dele pelos nossos pecados.

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Terça-feira, 23 de novembro
Ano Bíblico: 1Co 8-10
Teshuvah (retorno)

Em Deuteronômio um tema-chave se evidencia: obedeça e seja abençoado, desobedeça e sofra as consequências. Não é diferente no NT. “Não se enganem: de Deus não se zomba. Pois aquilo que a pessoa semear, isso também colherá. Quem semeia para a sua própria carne, da carne colherá corrupção; mas quem semeia para o Espírito, do Espírito colherá vida eterna” (Gl 6:7, 8).

Infelizmente, após a queda, o pecado parece tão fácil e natural quanto respirar. E, apesar das advertências e promessas – “Porque este mandamento que hoje lhes ordeno não é demasiadamente difícil, nem está longe de vocês” (Dt 30:11) –, muitos fizeram exatamente isso: caíram nos pecados sobre os quais Deus os havia advertido. Mesmo assim, o Senhor estava disposto a aceitá-los de volta se, de livre escolha, se arrependessem e voltassem para Ele.

4. Leia novamente Deuteronômio 30:1-10. O que o Senhor disse que faria por Seu povo, apesar do mal que cometeram? Sob que condição?

A ideia é simples e direta: se você errar, haverá consequências terríveis para você e sua família. Isso é o que o pecado faz. No entanto, mesmo assim, você pode se arrepender, e o Senhor o receberá de volta e o abençoará.

Numerosas vezes a mesma raiz hebraica para teshuvah aparece nesses versos. O texto diz: “e voltarem para o Senhor, seu Deus” (Dt 30:2); Deuteronômio 30:8 é com frequência traduzido assim: “De novo vocês darão ouvidos à voz do Senhor”. O texto poderia ser traduzido literalmente assim: “E você volta para o Senhor e obedece à Sua voz”. Em Deuteronômio 30:10, onde se lê “se vocês se converterem ao Senhor, seu Deus, de todo o coração e de toda a alma”, a palavra “converter” significa “voltar”.

Israel quebrou a aliança. Apesar disso, o Senhor não destruiu o povo, e se eles não quisessem que isso ocorresse, poderiam manifestar esse desejo por meio do arrependimento e obediência.

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Embora falem da nação como um todo, se colocadas em um contexto diferente, essas passagens podem refletir a realidade de que o verdadeiro arrependimento é central para os crentes que, às vezes, violam a aliança que fizeram com Deus?


Quarta-feira, 24 de novembro
Ano Bíblico: 1Co 11-13
De todo o seu coração

Deuteronômio 30:1-10 revela a graça e a bondade de Deus para com os apóstatas e pecadores, mesmo quando tinham sido abençoados por Deus de maneira singular: “Pois que grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que O invocamos?” (Dt 4:7). Apesar do que Deus fez por eles e de que não tinham justificativa para os pecados, eles pecaram (podemos nos identificar com isso?).

5. Em Deuteronômio 30:1-10, observe o que estava incluído no arrependimento, no retorno (teshuvah) a Deus. O que foi requerido e o que isso deve nos ensinar hoje sobre o que envolve o verdadeiro arrependimento?

No fim das contas, os israelitas precisaram fazer a escolha de retornar a Deus e de obedecer-Lhe de todo o coração. Em certo sentido, a questão era o coração deles; se o coração fosse justo diante de Deus, as ações também seriam, ou seja, o povo seria obediente.

Foi por isso que receberam a promessa maravilhosa de que, se voltassem para o Senhor sinceramente, Ele trabalharia neles e lhes circuncidaria o coração. Eles deviam fazer a escolha, em meio ao cativeiro, de voltar para Deus, e Ele os conduziria de volta para Si e para a terra, e ali na terra os abençoaria. Parte da bênção é que Ele trabalharia neles para mudar- lhes o coração ainda mais em Sua direção, de modo que amassem “o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração e de toda a sua alma, para que” pudessem viver.

No fim, atendendo às sugestões divinas (ver Atos 5:31), eles deviam se arrepender verdadeiramente de seus pecados. Embora lidando com um contexto histórico diferente, Ellen G. White escreveu: “O povo lamentava porque seus pecados tinham trazido sofrimento, e não por terem desonrado a Deus transgredindo Sua santa lei. O verdadeiro arrependimento é mais que tristeza pelo pecado: é uma decidida renúncia ao mal” (Patriarcas e Profetas, p. 557). Essa é uma verdade que podemos ver em Deuteronômio 30:1-10.

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Como podemos identificar a diferença entre lamentar as consequências dos nossos pecados, o que qualquer um pode fazer, e lamentar os próprios pecados? Por que essa distinção é tão importante?


Quinta-feira, 25 de novembro
Ano Bíblico: 1Co 14-16
Arrependimento e conversão

O NT está repleto do conceito de arrependimento. João Batista começou seu ministério com o chamado ao arrependimento.

6. Leia Mateus 3:1-8. Como a ideia de “retorno” aparece nesses versos? O que João Batista lhes disse que fizessem e que reflete o que está em Deuteronômio? Por que suas palavras também teriam relevância especial para os fariseus e saduceus?

Jesus também começou Seu ministério com apelos ao arrependimento.

7. Leia Marcos 1:15. O que Jesus disse, e por que Ele relacionou o arrependimento com o evangelho?

Quer seja João Batista falando para os líderes religiosos ou Jesus para a nação, a ideia é a mesma. Somos pecadores e, embora Cristo tenha vindo para salvar pecadores, devemos nos arrepender dos pecados. E esse arrependimento – seja de alguém afastado de Deus ou de um cristão fiel que cai em pecado ou de um novo converso – inclui o abandono dos antigos caminhos pecaminosos. Devemos reconhecer nossa pecaminosidade, expressar arrependimento pelos pecados (e não apenas pelas consequências deles), fazer a escolha consciente de abandoná-los, confiar totalmente nos méritos de Jesus e ouvir atentamente a voz do Senhor, nosso Deus (Dt 15:5).

Alguns estudiosos veem no NT ecos da ideia de arrependimento expressa em Deuteronômio. Por exemplo, quando Pedro acusou a nação de ter crucificado Jesus, vários “ficaram muito comovidos e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: ‘Que faremos, irmãos?’” (At 2:37). Ou seja, cientes de seu pecado, eles se arrependeram e quiseram saber o que deviam fazer para estar bem com o Deus a quem haviam ofendido.

Não ocorre a mesma situação conosco, consideramos que somos pecadores que ofenderam a Deus?

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Leia Atos 2:38. Como Pedro respondeu à pergunta deles, e como esse episódio revela o princípio por trás do verdadeiro arrependimento?


Sexta-feira, 26 de novembro
Ano Bíblico: 2Co 1-4
Estudo adicional

“A cada avanço na experiência cristã nosso arrependimento se aprofundará. Justamente àqueles a quem Deus perdoou e reconhece como Seu povo, diz Ele: ‘Então vocês se lembrarão dos seus maus caminhos e das suas ações que não foram boas, e terão nojo de vocês mesmos por causa das suas iniquidades e das suas abominações’ (Ez 36:31). Outra vez, diz: ‘Estabelecerei a Minha aliança com você, e você saberá que Eu sou o Senhor, para que você se lembre e fique envergonhada, e nunca mais abra a sua boca por causa da sua humilhação, quando Eu lhe houver perdoado tudo o que você fez, diz o Senhor Deus’ (Ez 16:62, 63). Então nossos lábios não se abrirão para nos gloriarmos. Saberemos que só em Cristo temos suficiência. Faremos nossa a confissão do apóstolo: ‘Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum’ (Rm 7:18). ‘Longe de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim, e eu estou crucificado para o mundo’ (Gl 6:14; Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 160, 161).

“‘A bondade de Deus é que leva você ao arrependimento’ (Rm 2:4). Uma cadeia dourada, a graça e a compaixão do amor divino são atadas ao redor de toda pessoa em perigo. O Senhor declara: ‘Com amor eterno Eu a amei; por isso, com bondade a atraí’” (Jr 31:3; Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 202).

Perguntas para consideração

1. Como evitar a armadilha de tornar o arrependimento meritório, como se o ato de se arrepender nos tornasse justos? Qual é a única forma de estar justo perante Deus?

2. Em Mateus 27:3-5, Judas lamentou o que fez a Jesus (afinal, ele se matou). Entretanto, por que suas atitudes não são consideradas verdadeiro arrependimento?

3. Como a realidade da pecaminosidade humana deve nos manter humildes diante dos outros (no sentido de não os julgarmos) e diante de Deus? Foi necessária a morte de Cristo na cruz para nos salvar. Esse fato nos mostra quanto o pecado é mau?

Respostas e atividades da semana: 1. Expressa o profundo desejo do Criador de que Seus filhos escolham segui- Lo. 2. Cairiam em idolatria. 3. Deus não os abandonaria e os salvaria. 4. Se dessem ouvidos à voz do Senhor, Ele os restauraria e abençoaria abundantemente. 5. Voltar-se para Deus de todo o coração e entregar-se totalmente a Ele. 6. No chamado ao arrependimento. Os saduceus e fariseus deviam produzir fruto digno de arrependimento. 7. Arrependam-se e creiam no evangelho, isto é, no sacrifício de Cristo. A morte de Cristo é o que nos livra dos pecados.

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Resumo da Lição 9
Convertam o seu coração

TEXTO-CHAVE: Dt 4:29

FOCO DO ESTUDO: Dt 30:1-10; 4:25-31; Mt 3:1-8; At 2:37, 38

ESBOÇO

Quando os israelitas estavam para entrar na terra prometida, Moisés profetizou que um dia, por causa da infidelidade, eles seriam “vomitados” da terra (compare com Lv 18:25, 28). A metáfora sugere, ou ensina, que o povo de Deus tem uma necessidade constante de arrependimento. Assim como a terra se arrependeria e devolveria seus habitantes, eles teriam que se arrepender para retornar à terra. A tentação de Israel ao se estabelecer na terra seria pensar que tinha chegado ao seu destino e não precisava mais ser cuidadoso. Pouco a pouco, poderia perder o contato com Deus e com as exigências de Sua lei. Assim, pensando que tinha chegado ao seu destino, o povo iria se aventurar fora das veredas antigas. Isso foi exatamente o que aconteceu com Israel, que foi enganado por seus falsos profetas, que lhe deram a ilusão de paz, “dizendo: ‘Paz, paz ’, quando não [havia] paz” (Jr 6:14). O profeta Jeremias exortou-os a acordar e se arrepender: “Perguntem pelas veredas antigas” (Jr 6:16). Há uma ironia na ideia bíblica de arrependimento: avançar significa voltar.

Temas da lição

Nesta lição, estudaremos a estrutura do arrependimento, “voltar para Deus”, um princípio importante do livro de Deuteronômio, que nos confronta com os seguintes temas:

• Buscar a Deus.

• Perdão de Deus.

• O retorno.

• O cumprimento da profecia.

COMENTÁRIO

No limiar da terra prometida, Moisés repetiu suas advertências. O fato de Deus ter levado Israel para lá não significava que permaneceriam na terra para sempre. Moisés viu os prováveis fracassos de Israel e, portanto, seus exilados no futuro, e desejou encorajá- los. Quando se extraviassem e se angustiassem, devido ao juízo, Israel deveria buscar seu Senhor, que então os perdoaria. Assim, retornariam à sua caminhada com Deus nas “veredas antigas”. O Senhor, então, os traria de volta à terra.

Buscando a Deus

Esse primeiro passo para as “veredas antigas” na direção de Deus se deu devido a uma situação de angústia. Quando o povo entendeu que estava numa situação desesperadora, resultado de sua infidelidade e idolatria, a única solução era voltar-se para Deus “de todo o coração” (Dt 4:29). Eles não deveriam ter medo de se voltar para Deus e confiar totalmente Nele. Por quê? Precisamente porque o Senhor estava pronto para recebê-los. O principal argumento de Moisés para convencer seu povo da prontidão divina em responder consistiu em descrever o pensamento profundo de Deus.

A expressão hebraica mi yitten, traduzida como “Quem dera” (NAA) é uma expressão idiomática, que significa literalmente “quem dera” (ou “quem fará acontecer”), que muitas vezes é usada para introduzir um desejo profundo, algum tipo de pergunta retórica para um resultado impossível. Deus desejava do fundo do coração que sempre tivessem tal disposição, e sempre O temessem (Dt 5:29). Ao revelar o desejo secreto de Deus, mostrando Sua boa disposição e, portanto, Seu amor por eles, Moisés encorajou o povo a buscar a Deus e se arrepender. O problema de Israel é que eles perceberam a gravidade de seu pecado e, portanto, temiam ir ao Juiz divino, que tinha acabado de esmagá-lo. O caso de Jó ilustra perfeitamente esse processo misterioso. Depois de ter reconhecido a mão pesada de Deus sobre ele, Jó fez uma incrível confissão de fé: “Ainda que Ele me mate, Nele esperarei” (Jó 13:15, ARC). Jó sabia que Deus era a única saída para sua condição trágica. Paradoxalmente, Jó fugiu de Deus para Deus. Moisés encorajou seu povo a fazer o mesmo.

Perguntas para discussão e reflexão: Que aspecto do caráter divino é revelado por meio da expressão idiomática mi yitten? O que a impossibilidade de esse desejo se tornar realidade lhe ensina sobre Deus? Qual é a condição que faz com que Israel se mova em busca do Senhor e por quê? O que significa buscar a Deus? Por que Israel precisava fazer isso?

Perdão de Deus

Israel seria perdoado, não por causa de seus méritos, mas por causa do caráter misericordioso de Deus. Não há razão que justifique o perdão divino. Ainda assim, Ele os perdoaria de maneira excepcional. Para provar esse ponto, Moisés lembrou ao povo como Deus o tinha poupado e como sobreviveu diante Dele, apesar de sua natureza pecaminosa (Dt 5:24, 25). No capítulo anterior, o profeta havia usado o mesmo raciocínio: “Algum povo ouviu a voz de algum deus [...] como vocês ouviram, e ficaram vivos?” (Dt 4:33). A convicção da graça divina ajudaria os israelitas a ousarem se aproximar de Deus, apesar da natureza pecaminosa do povo.

Reflita sobre esse relato verídico: Simon Wiesenthal, o caçador de nazistas, conta a história de seu encontro com um ex-oficial nazista que estava morrendo em um hospital. O nazista pediu perdão a Wiesenthal pelos horríveis crimes que havia cometido contra civis judeus, sem o qual, segundo ele, não poderia morrer em paz. Wiesenthal, que manteve silêncio durante todo o encontro, foi embora sem responder ao pedido do nazista. Wiesenthal concluiu a história com uma pergunta: “O que você teria feito?” (Simon Wiesenthal, The Sunflower, Londres: W. H. Allen, 1970).

Perguntas para reflexão: Era possível para Wiesenthal perdoar? “O que você teria feito?” Discuta a dimensão da graça no perdão da vítima. Por que o pecado só é perdoado quando é imperdoável?

O retorno

Observe que o movimento de retorno começou somente depois que Israel encontrou a Deus ou, melhor, depois que Deus lhe respondeu. O verbo hebraico shuv, “retornar”, consiste em ouvir a voz de Deus e obedecer aos Seus mandamentos (Dt 30:2, 8) e em “circuncidar”, ou mudar, o coração (Dt 10:16). Curiosamente, a raiz shuv combina os requisitos deixar o mal e voltar-se para Deus, a quem o povo encontraria novamente nas “veredas antigas”.

Esse movimento paralelo implica uma visão profunda: a melhor maneira de resistir ao mal é fazer o bem. Visto que Israel se mostrou incapaz de circuncidar seu coração, seria o próprio Deus que faria essa obra (Dt 30:6). Ele é quem muda o coração do Seu povo e, assim, cria as condições para que se volte para Ele, ouça a Sua voz e Lhe obedeça “de todo o seu coração e de toda a sua alma” (Dt 30:2). É esse arrependimento profundo e conversão total que traz alegria a Deus: “O Senhor voltará a Se alegrar em vocês, para lhes fazer bem, como Se alegrou nos pais de vocês” (Dt 30:9). Essas passagens de Deuteronômio inspiraram a mensagem de profetas posteriores de que o povo de Israel era incapaz de se arrepender por si mesmo (ver Jr 4:22; 13:23; Os 5:4; etc.).

Perguntas para discussão e reflexão: Por que era impossível que os israelitas mudassem seu próprio coração e realizassem eles próprios a circuncisão do seu coração? Com base em que Moisés poderia dizer que era impossível para Israel se arrepender? Se de fato Moisés pensava assim, por que ele os exortou ao arrependimento? A situação é diferente para os cristãos? Explique. Ao olhar para a história da igreja e para si mesmo, você acredita que os cristãos eram (são) mais capazes de se arrepender? Por quê?

O cumprimento da profecia

As promessas de Deuteronômio são profecias messiânicas que se referem à vinda de Jesus Cristo, a encarnação de Deus, que desceria para iniciar o movimento de arrependimento que traria a nova aliança ao coração do povo de Deus. Somente esse acontecimento permitiria o milagre da circuncisão do coração, como explica Paulo: “Nele também vocês foram circuncidados, não com uma circuncisão feita por mãos humanas, mas pela remoção do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo” (Cl 2:11). Somente a cruz, que manifesta “o poder de Deus” (Cl 2:12), por meio da graça, tornaria possível o impossível. O desejo de Deus implícito na expressão idiomática mi yitten seria então realizado.

Perguntas para discussão e reflexão: Como essas promessas do livro de Deuteronômio se aplicam à primeira vinda de Jesus e/ou à Sua segunda vinda? Por que é necessário que o povo de Deus se arrependa antes da segunda vinda de Cristo? Como a ideia hebraica de arrependimento, que implica retorno às “veredas antigas”, retrata a noção de arrependimento do povo de Deus no tempo do fim? Considerando as lições de Deuteronômio, como será realizada a circuncisão do coração?

APLICAÇÃO PARA A VIDA

Teste o verdadeiro arrependimento. Pense na sua experiência de arrependimento. Quantas vezes você pediu perdão a alguém a quem você magoou e explicou os motivos por que se comportou mal? Quando diz “desculpe” você adiciona um “mas”, acusando a pessoa a quem feriu?

Teste sua busca por Deus. Reflita sobre a seguinte orientação pedagógica: Se você busca e não encontra, você não crê; se você não busca e encontra, não crê; você crê somente se buscar e encontrar. Como essa observação paradoxal se aplica à experiência de buscar e encontrar a Deus? Quanto de verdade há nisso? Por que algumas pessoas parecem encontrar a Deus enquanto O procuram, ao passo que outras parecem encontrá-Lo, embora não O tenham buscado?

Pratique o arrependimento

• Exercício de equipe: Encontre um parceiro (cônjuge, filho, filha ou amigo). Escolha um dia específico no calendário religioso (Natal, Páscoa, Ceia do Senhor, sábado). Nos sete dias anteriores a esse dia, registre suas falhas, seus arrependimentos e suas vitórias. No último dia, antes da hora marcada, informe seu parceiro. Tente ser o mais honesto possível e responda às seguintes perguntas: Como suas experiências de arrependimento mudaram você? Quantas vezes você repetiu o mesmo erro?

Exercício pessoal. Leia o Salmo 51, a oração de arrependimento de Davi, e então:

• Ore por misericórdia (Sl 51:1);

• Reconheça sua transgressão (Sl 51:3);

• Preste contas Àquele contra quem você pecou (Sl 51:4);

• Peça a Deus um novo coração (Sl 51:7-12).


Ajuda do Céu

David dirigiu seu Toyota Camry para fora da rodovia e entrou em um trecho remoto da estrada. Ele estava seguindo seu navegador GPS para uma importante palestra em uma igreja no estado de Utah, nos Estados Unidos. De repente, uma mensagem de alerta apareceu em seu dispositivo móvel. A estrada à frente era perigosa. Somente veículos com tração de quatro rodas poderiam arriscar andar nessa estrada. David havia dirigido metade da distância em seu carro de médio porte e não poderia simplesmente dar a volta. Quão perigosa a estrada poderia ser? Ele pisou no acelerador com determinação.

Após alguns minutos, o alerta acendeu novamente, mas, ele ignorou. Então a pista de asfalto acabou e ele começou a dirigir na estrada de terra. Depois de subir por uma curta distância, o motor do carro parou. Ele girou a chave para ligar o motor, mas não houve resposta. Girou a chave novamente. Nada. Nenhuma resposta. Ao olhar a paisagem, ele via um vasto planalto de areia e arbustos. Seu celular estava fora de área e não havia carros à vista. David sentiu amedrontado e sozinho no meio do nada. Ele era um programador de computador da Coreia do Sul encalhado na encosta de uma colina arenosa dos Estados Unidos.

“E se eu encontrar animais selvagens?”, pensou, antes de ajoelhar-se e orar: “Meu Senhor, por favor, me perdoe por ignorar os alertas e decidir continuar a viagem nesta estrada de terra. Não sabia que isso aconteceria. Mas eu tenho um seminário a realizar neste sábado. O que fiz de errado?” Seu coração estava cheio de sentimentos de tristeza, medo e irritação. Ele havia se esquecido de como Deus o protegeu enquanto viajava três vezes por mês, palestrando em seminários que ensinavam como evangelizar através da internet e mídias sociais.

Depois de orar por cinco minutos, ele viu uma caminhonete subindo a colina. Um casal de idosos saiu do carro quando o viram. “O que aconteceu?”, o homem perguntou. David contou sobre o motor que não funcionava. O senhor entrou no carro e girou a chave. Nenhuma resposta. Ele devolveu a chave ao David e ofereceu carona até um local onde o celular pudesse funcionar. Um sentimento de gratidão preencheu o coração de David. Finalmente, ele poderia chamar um caminhão guincho para ajudar.

Porém, de repente, o senhor pediu a chave do carro novamente. Gesticulando para que David se sentasse ao lado dele no banco do passageiro, ele girou a chave. David tinha certeza de que estava perdendo tempo. Os dois homens já haviam tentado ligar o motor e falharam. Então, “vruum, vruum”! O ruído do carro parecia música para os ouvidos. A máquina voltou à vida. O senhor colocou o pé no acelerador e o carro se morreu lentamente. Ela mal podia acreditar no que os olhos viam. “Obrigado! Obrigado!” ele exclamou.

Acenando, ele deu meia-volta com o carro e voltou para a estrada principal, louvando a Deus ao longo de todo o caminho. Mesmo que ele tenha desconsiderado as advertências, Deus providenciou ajuda celestial para que ele pudesse chegar a seu compromisso da palestra.

David Kim está entre os muitos adventistas do sétimo dia da Coreia do Sul que servem como missionários em todo o mundo. Neste trimestre, a Igreja em todo o mundo tem a oportunidade de ajudar com dois projetos missionários nesse país: um centro de atendimento para crianças imigrantes na cidade de Ansan e um centro de evangelismo missionário na cidade de Daegu.

Informações adicionais

• David trabalha com dois websites, 3AMS.com, que disponibiliza os escritos de Ellen White em coreano, chinês, espanhol, português, francês, alemão, russo, romeno, japonês e inglês; e sabbathtruth.or.kr, que reúne verdades sobre o sábado.

• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.

• Para mais notícias sobre o Informativo Mundial e outras informações sobre a Divisão do Pacífico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.

 

 

Esta história ilustra os componentes seguintes do plano estratégico do “I Will Go”, da Igreja Adventista: Objetivo de Crescimento Espiritual nº 1 – “reavivar o conceito de missão mundial e sacrifício pela missão como um estilo de vida envolvendo não apenas pastores, mas todos os membros da igreja, jovens e idosos, na alegria de testemunhar por Cristo e fazer discípulos”. Conheça mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.


Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: A verdade presente em Deuteronômio

Lição 9 – 20 a 26 de novembro de 2021

Convertam o seu coração

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Adriana Seratto

A mensagem central para o ser humano no processo chamado salvação não é que ele deve obedecer à lei, nem que tudo vai dar certo porque ele é bom, mas que ele deve se converter, pois sua natureza é ruim. A lição desta semana mostra como essa mensagem é apresentada em Deuteronômio.

Ao enfatizar a conversão, o Eterno declara algumas coisas a nosso respeito. De forma clara e direta, Ele afirma que estamos errando no caminho que tomamos em algum ponto do passado. Ou seja, Ele sabe de nosso passado e conhece nosso presente. Ele sabe como as decisões do passado influenciam as atitudes e ações do presente. Por isso, Ele nos chama à conversão. Não podemos mudar o passado, mas podemos transformar o presente em algo diferente, de modo que, no futuro, tenhamos um passado diferente, e o futuro se torne um presente vivo. Isso é conversão. É tomar uma nova via quando a via em que estamos se mostra, ou nos é mostrada, como ruim em seu percurso ou em seu resultado potencial, em seu destino.

Além disso, Adonai, o Deus que tudo sabe, declara que não apenas andamos pelo caminho errado, mas que estamos ali porque somos errantes e naturalmente pendentes ao mal. E a solução é a conversão. Não mais o tomar um novo caminho, mas viver uma nova vida, mudar não apenas atitudes, mas o conjunto do ser, emoções e razões aí incluídas, que me tornam o que sou e me levam a tomar os caminhos que tomei. Afinal, o que “fazemos é definido pelo que cremos” (D. A. Carson). Logo, minha natureza, meu conjunto de emoções, vivências e crenças influenciam tremenda e definitivamente as atitudes que eu tomo. Nesse binômio, encontramos outra preciosa lição de Deuteronômio e das Escrituras: Não é apenas o coração que importa. A religiosidade não pode ser confinada a um conjunto intangível de emoções, guardadas no coração e expostas quando certos tipos de músicas, sermões e palavras que me agradam as ativem como um gatilho. Ao contrário, religiosidade bíblica é um conjunto harmônico de atitudes e crenças que não podem ser separadas. O amor a Deus em Deuteronômio é demonstrado, por exemplo, em afixar a lei nas portas, ensinar aos filhos e gerações futuras e também colocá-las no braço e na fronte (Dt 6:5-10). Essa mesma ênfase é encontrada no Novo Testamento, quando Paulo, uma e outra vez, afirma que a fé não pode ser apenas declarada, mas deve ser praticada (1Co 7:19; Gl 5:6). De igual teor é a conhecida declaração de Tiago, a qual diz explicitamente que a fé sem obras é morta (Tg 2:17, 18). Em resumo, inexiste fé ou religião que seja apenas interna, oculta em um coração cheio de algo etéreo que não se manifesta na vida nem causa transformação do mundo e de si mesmo.

De igual forma, não existe conversão apenas do coração. Conversão interna que não gere uma transformação de atitudes. Por isso, a ideia do verbo hebraico shuv, o verbo de predileção para descrever a conversão, não se refere a um conceito abstrato, mas ao sentido concreto de “voltar”, “retornar”. Essa mesma ideia é coberta pelo verbo grego metamelomai, enquanto o grego metamorfeo e o hebraico naham descrevem muito mais o processo interno que leva à mudança externa. Nenhum deles, entretanto, se refere apenas a uma mudança de conceitos ou emoções, mas a ações com resultados concretos nas mudanças de ações, palavras e atitudes. Isso é conversão verdadeira e concreta. Não é demais enfatizar que a fonte de toda conversão não é o próprio ser humano. A fonte primária é Deus. Ele é o Autor e Consumador de nossa fé (Hb 12:2). E de igual maneira é o Autor e Consumador de nossa conversão. É pela revelação de Sua bondade, amor e justiça infinitas que o ser humano é confrontado com seu próprio yetzer hará (caráter pecador) e levado ao processo racional de conversão duradoura. Veja as experiências de Jacó no vale do Jaboque (Gn 32) e de Isaías (Is 6). Do seu encontro com Deus, Jacó teve seu nome mudado completamente, para indicar a morte de seu velho ser, que não deveria ser o pai da nação de Deus. Esse encontro é descrito de maneira a indicar ao leitor que a luta primária foi de Jacó consigo mesmo. Aquele que lutou com Jacó é descrito apenas como um ish, ou seja, um Homem, e a própria luta é descrita com um jogo de palavras entre o nome hebraico de Jacó (yaakov) e o termo para lutar (yeavek). A intenção do Espírito Santo é demonstrar que no encontro entre Jacó e Deus, a luta foi realmente entre o Jacó do passado e o Jacó do futuro. Essa diferença entre os dois é a conversão.

Encontramos na experiência de Isaías o mesmo processo. Deus Se apresentou majestosamente a Isaías, causando no profeta a completa consciência de sua pequenez e pecaminosidade comparada à santidade e grandiosidade de Deus. O fruto desse encontro foi a conversão.

Dessa forma, toda conversão é uma luta entre o homem e o homem, causada pelo encontro com Deus e a demonstração de Sua grandiosidade, poder e misericórdia. O encontro com Deus causa medo, mas Suas palavras de graça causam conversão, porque a conversão não é jamais obtida pelo medo, seja da presença divina, seja da perdição eterna. Para ser verdadeira, ela deve surgir na presença do amor absoluto que lança fora o medo absoluto diante da grandiosidade de um Deus cujo poder é maior que todo o Universo e suas forças combinadas, mas que Se torna pequeno e próximo o suficiente para habitar com aqueles que O temem, O buscam e permitem que Ele opere a obra de conversão que Ele deseja (mi-ytten) fazer em cada um de nós. Essa conversão não será apenas de caminho ou percurso (externa), mas de natureza, emoções, sentimentos e razão (interna). E, por iniciar-se no íntimo do ser e ser baseada na grandiosidade do encontro com Deus, ela é duradoura, transformadora e redentora.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O pastor Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: Deuteronômio

Introdução a Deuteronômio

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Rosemara Santos

Nome do livro

O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).

Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.

Autoria e data

De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.

A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.

Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.

Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.

Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.

Crítica textual

Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.

O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.

Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.

O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).

A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.

A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.

Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.

Estrutura

O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:

I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43

II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19

III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20

IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30

V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43

VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29

VII. A Morte de Moisés, 34:1-12

Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.

Temas

São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.

Deus

Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!

Israel

É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.

Aliança

É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.

Lendo Deuteronômio

Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.

Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:

1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;

2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.

3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.

O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.

E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.

Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.