O estudo desta semana aborda Marcos 7 e a primeira metade de Marcos 8. No início do capítulo 7, Jesus despertou controvérsia ao rejeitar a tradição religiosa. No entanto, Ele fez isso de uma forma que, de maneira surpreendente, confirma uma verdade profundamente relevante para a vida cristã hoje.
Jesus então apresentou um enigma que abre a porta para uma verdadeira compreensão do que realmente é a fé.
Depois disso, Ele foi para Tiro e Sidom e Se encontrou com uma mulher que foi a única pessoa nos evangelhos a vencer, por assim dizer, uma discussão com Ele. Seu encontro com essa mulher foi incomum, e Jesus transmitiu, de maneira indireta, alguns conceitos que a mulher captou. Por causa da fé daquela mulher, Ele atendeu ao pedido dela.
Marcos 7, que relata outra cura, revela o importante fato de que, por mais impressionantes que sejam os milagres, muitas vezes eles não são suficientes para abrir os corações à verdade. Afinal, que benefício os milagres trouxeram aos líderes religiosos que estavam decididos a rejeitar Jesus?
O estudo de Marcos 8 analisa o significado do pão como símbolo de tradições e ensinos humanos. Essas histórias contêm importantes lições sobre o significado e a prática da vida religiosa.
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1. Que verdades relevantes são apresentadas em Marcos 7:1-13?
Podemos imaginar crianças estudando esse texto na classe da Escola Sabatina, voltando para casa e dizendo à mãe que não precisam mais lavar as mãos antes de comer porque Jesus disse isso. No entanto, essa história não fala sobre higiene.
Na época de Jesus, muitos judeus estavam preocupados com a pureza ritual. Segundo as normas do AT, os sacerdotes deveriam lavar as mãos para se manterem ritualmente puros (Êx 30:17-21), mas durante o período entre o AT e o NT, essa prática foi estendida ao povo em geral. Foi com base nesse conceito que os líderes religiosos se queixaram com Jesus sobre Seus discípulos.
Jesus não respondeu diretamente à pergunta que Lhe foi feita. Em vez disso, Ele defendeu os discípulos por meio de uma resposta dividida em duas partes. Primeiramente, Ele citou as palavras incisivas de Isaías que repreendiam uma nação que honrava a Deus com palavras, mas cujo coração estava longe Dele (Is 29:13). A citação de Isaías prossegue condenando o povo por colocar as tradições humanas no lugar dos mandamentos divinos.
A segunda parte da resposta de Jesus reproduziu a citação de Isaías. O Senhor citou o mandamento de Deus a respeito de honrar os pais (Êx 20:12), o que inclui cuidar deles na velhice, e o contrastou com uma tradição religiosa segundo a qual alguém poderia apresentar a Deus uma oferta (chamada “corbã”), e ainda usar o dinheiro para si mesmo, mas se recusar a usá-lo em favor dos pais idosos que estivessem em necessidade. Podemos imaginar a cena: “Desculpe-me, pai. Eu gostaria muito de ajudá-lo, mas dei o dinheiro para o templo.”
Jesus atacou esse tipo de hipocrisia de modo intransigente. Aquelas pessoas colocavam suas tradições acima da Palavra de Deus e, ao fazê-lo, estavam pecando.
Qual foi a resposta aos fariseus? Jesus mostrou que não ficou convencido diante da insistência deles em dizer que a purificação das mãos era necessária para estar em harmonia com Deus. Ele apoiou claramente os mandamentos da lei de Deus, opondo-os à tradição humana (veja também Mc 1:44; 7:10-13; 10:3-8; 12:26, 29-31).
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Essas palavras de Jesus têm sido um enigma para muitos, ao analisar sua relação com Levítico 11 sobre alimentos puros e impuros. Será que Jesus eliminou essas distinções? Estão os adventistas equivocados ao ensinar que as pessoas só podem consumir os tipos de carnes que fazem parte da lista de animais puros?
Primeiro, seria estranho que, em Marcos 7:14-19, Jesus rejeitasse subitamente as instruções de Moisés quando Ele tinha acabado de defender (nos v. 6 a 13) os ensinos de Moisés, opondo-os às tradições. Segundo, a tradição que os fariseus promoviam não tem base no AT; as leis alimentares, por outro lado, sim. Por último, o que Marcos 7:19 quer dizer ao explicar que Jesus purificou todos os alimentos não é que as leis alimentares foram abolidas, mas que as tradições a respeito da contaminação pelo toque eram inválidas. Essas tradições incluíam a ideia equivocada de que se um judeu poderia ser contaminado ao entrar em contato com gentios, então também poderia ser contaminado pelo contato com alimentos que eles haviam tocado.
3. O que realmente torna alguém contaminado? Mc 7:20-23
Em Marcos 7:19, Jesus observou que o alimento não vai para o coração, mas para o estômago, e depois é eliminado na digestão. Mas em Marcos 7:21-23, Ele explicou que o mal vem do coração, o centro de quem a pessoa é. Ele apresentou uma lista de pecados que começam com maus pensamentos, e terminam em más ações.
Quando combinamos o quinto mandamento (Mc 7:10) com essa lista de pecados (Mc 7:21-23), percebemos que Jesus mencionou todos os mandamentos da segunda tábua do Decálogo. Além disso, em Marcos 7:7, Ele Se referiu à adoração vã, que diz respeito à essência dos primeiros quatro mandamentos do Decálogo. Assim, ao longo dessa passagem, Jesus Se posicionou como defensor da lei de Deus.
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4. Que lições importantes encontramos na história de Marcos 7:24-30?
Assim como a passagem desafiadora que estudamos na lição de ontem, a história desse texto também levanta questões interessantes. Por que Jesus respondeu de maneira tão dura àquela mulher, chamando-a, indiretamente, de cachorrinha?
Jesus não explicou, mas dois elementos de Sua resposta mostram o que Ele ensinou. Em Marcos 7:27, Ele disse que os filhos deveriam ser alimentados “primeiro”. Se existe um “primeiro”, parece lógico que exista um “segundo”. Outro ponto é que Jesus usou o diminutivo da palavra cachorro, que, nesse contexto, não significa filhotes, mas cachorros que ficavam na casa, em contraste com os cachorros de rua. Em sua resposta, a mulher retomou esses indicadores, sendo bastante incisiva.
Ela disse: “Senhor, os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem das migalhas das crianças” (Mc 7:28).
Por que a mulher deu essa resposta? O amor pela filha a impulsionou. Mas Jesus também a encorajou. Ele disse “primeiro”, o que significa que poderia haver um “segundo”. Além disso, deu a entender que ela era um cachorrinho debaixo da mesa. Os cachorrinhos ficavam debaixo da mesa; ela estava aos pés de Jesus, implorando pela filha. Desse modo, ela reivindicou o direito à comida que cai no chão.
A resposta da mulher revela a sua fé. Chamar de “migalha” o poderoso milagre de curar sua filha a distância indicava que o poder de Jesus era especialmente grande (se aquele milagre era uma migalha, o que seria um pão inteiro?). Além disso, a resposta mostrava que atender àquele pedido era uma questão pequena para Jesus. Ele ficou comovido com essa fé e atendeu ao pedido daquela mulher.
“Por Sua maneira de lidar com ela, [Jesus] mostrou que aquela que era considerada como uma rejeitada de Israel não era mais estranha, mas uma filha na família de Deus. E, como filha, tinha o privilégio de partilhar das dádivas do Pai” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 317).
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5. Leia Marcos 7:31-37. Quem foi levado a Jesus e o que Ele fez por aquela pessoa?
Jesus não percorreu a distância mais curta para retornar à Galileia, vindo da região de Tiro e Sidom. Parece que Ele saiu da região de Tiro em direção ao norte, subiu pela região de Sidom, depois para o interior e desceu pela região nordeste do mar da Galileia, chegando finalmente perto do mar. Foi um caminho tortuoso, provavelmente dando bastante tempo para que ensinasse Seus discípulos.
O texto não diz quem levou o homem a Jesus, mas o problema dele era claro: ele não conseguia ouvir e tinha dificuldade em falar. A perda de audição isola as pessoas da sociedade, e a surdez profunda pode tornar difícil o aprendizado da fala. Talvez aquele homem enfrentasse esse problema há vários anos.
Jesus compreendeu a situação difícil do homem e o chamou de lado, em particular. A maneira como o Senhor curou o homem é curiosa, especialmente para os leitores modernos. Ele colocou os dedos nos ouvidos do homem, cuspiu, tocou na língua dele e suspirou. É fácil perceber que Jesus tocou nas partes do corpo que iria curar, mas por que o suspiro? Ele “suspirou ao pensar nos ouvidos que se não abriam à verdade e nas línguas que se recusavam a reconhecê-Lo como o Redentor” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 320).
Jesus restaurou a audição do homem e o capacitou a falar. Esse suspiro ilustra os limites que Deus colocou sobre Si mesmo no que diz respeito ao livre-arbítrio da humanidade. Ele não força nossa escolha. Somos livres para escolher quem conduzirá nossa vida: o Príncipe da vida ou o príncipe das trevas. Jesus poderia abrir ouvidos surdos, mas não forçaria corações incrédulos a reconhecer que Ele era o Messias.
Essa breve história também ilustra o que Deus pode fazer por aqueles que se voltam para Ele de boa vontade. Talvez você tenha sido relutante em compartilhar sua fé, por não saber o que dizer. Esse milagre oferece encorajamento para que o Senhor Jesus possa abrir seus ouvidos para serem sensíveis às necessidades das outras pessoas e, assim, você leve uma palavra a fim de animá-las em sua jornada.
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6. Que atitude dos fariseus decepcionou Jesus? Mc 8:11-13
Por que Jesus não mostrou Seu poder para convencer aquelas pessoas? Essa questão nos leva ao final de Marcos 3, em que Jesus falou sobre o pecado contra o Espírito Santo. Se os ouvidos e os olhos estiverem fechados, milagres e sinais do Céu não serão capazes de convencer, mas seriam descartados como tudo o que aconteceu antes. Mesmo os milagres não são suficientes para convencer os incrédulos obstinados.
7. Leia Marcos 8:14-21. Do que os discípulos haviam se esquecido, e que verdade Jesus destacou?
Jesus aproveitou a oportunidade para alertar os discípulos contra o “fermento” dos fariseus e de Herodes (Mc 8:15), ou seja, os ensinos deles (Mt 16:12).
Mas os discípulos entenderam mal e pensaram que Jesus estivesse falando sobre comprar o pão físico. Como geralmente acontecia quando os discípulos não entendiam alguma coisa, Jesus lhes deu instruções. O Senhor fez uma série de perguntas (sendo as primeiras questões retóricas), expressando Seu desapontamento por eles não terem compreendido Sua missão. As palavras de Jesus lembram o que Ele disse em Marcos 4:10-12, sobre pessoas de fora que não entendem. Suas palavras fortes tinham como objetivo despertar os discípulos de sua letargia espiritual.
Em Marcos 8:19 e 20, Jesus fez perguntas simples sobre quantos cestos de pedaços de pão eles tinham recolhido depois que Ele alimentou os 5 mil (Mc 6:30-44) e os 4 mil (Mc 8:1-10). Essas perguntas tinham o objetivo de ilustrar que eles já deveriam ter entendido que a limitação de recursos não era barreira para Jesus. Sua última pergunta também é retórica: “Vocês ainda não compreendem?” (Mc 8:21). Afinal, pense em tudo o que eles já tinham visto e vivenciado com Jesus.
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Leia, de Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações, p. 311-314 (“Tradições fatais”), p. 315-319 (“Barreiras demolidas”), e p. 320-325 (“O verdadeiro sinal”).
“Quantas vezes nosso trabalho para Cristo e nossa comunhão uns com os outros são manchados pelo desejo oculto de exaltar o próprio eu! Com que facilidade se manifestam o pensamento de exaltar a si mesmo e o desejo da aprovação humana! É o amor ao próprio eu, o desejo de um caminho mais fácil do que o que nos é designado por Deus, que leva à substituição dos preceitos divinos por teorias e tradições humanas. Aos Seus discípulos, dirige-se a advertência de Cristo [...] (Mt 16:6).
“A religião de Cristo é a própria sinceridade. Zelo pela glória de Deus: essa é a motivação implantada pelo Espírito Santo; e unicamente a eficaz operação do Espírito pode implantar esse motivo. Somente o poder de Deus pode expulsar o egoísmo e a hipocrisia. Essa mudança é o sinal de Sua atuação. Quando a fé que aceitamos destrói o egoísmo e o fingimento, quando nos leva a buscar a glória de Deus e não a nossa, podemos saber que é verdadeira. [...]” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 324, 325).
Perguntas para consideração
- Quais práticas cristãs ajudam a manter o coração puro?
- O que você pode fazer para atrair os incrédulos da comunidade para o evangelho?
- O que vocês podem fazer para pregar o evangelho de modo simples para as pessoas?
- Faz diferença o fato de que, na segunda multiplicação dos pães e peixes (Mc 8:1-10), a multidão provavelmente fosse formada por gentios?
- Como evitar o desejo natural que temos, como seres caídos, de nos exaltarmos?
Respostas e atividades da semana: 1. Estamos longe de Deus mesmo quando somos zelosos pelas tradições e rituais que contradizem os mandamentos de Deus; as tradições humanas podem tornar inútil a nossa adoração; pureza cerimonial e tradições humanas podem ser um disfarce para a impureza espiritual e para o egoísmo; a hipocrisia resulta na calúnia contra pessoas inocentes. 2. Ele quis dizer que um alimento legítimo, mesmo que ingerido sem o ritual da lavagem das mãos, não torna a pessoa contaminada moral ou espiritualmente, mas a pessoa é contaminada pelas palavras e atos pecaminosos que saem do seu coração para a prática. A pessoa é contaminada na mente e manifesta a impureza por meio do corpo. 3. Os pensamentos e sentimentos pecaminosos das pessoas, que vêm de dentro para fora, é que contaminam. Ou seja, nenhuma substância química alteraria a condição do coração humano, que já é naturalmente contaminado. 4. Uma mulher pagã teve mais fé do que os orgulhosos fariseus; Jesus testou a fé da mulher, mostrando a forma dura como os judeus a tratariam; no fim, diante da fé persistente, e por causa da Sua própria intenção original, Ele atendeu seu clamor. 5. Um surdo e gago. Jesus tocou nos ouvidos dele e pôs saliva em sua língua; orou e pronunciou palavras de cura; o homem foi curado. 6. A incredulidade que exigia sinais, mas, mesmo diante dos sinais, não acreditava. 7. Haviam se esquecido dos dois milagres de multiplicação de pães e peixes; Jesus mostrou que não há barreiras para o poder divino, desde que o ser humano tenha fé.
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TEXTOS-CHAVE: Marcos 7:6-8, 33-37
FOCO DO ESTUDO: Marcos 7
ESBOÇO
Introdução: Durante Seu ministério, Jesus exaltou as Escrituras como revelação divina, citando o AT com bastante frequência. Embora os mestres de Israel conhecessem bem as Escrituras hebraicas, a tradição humana era, para a maioria deles, mais relevante do que as instruções bíblicas. Com esse contexto em mente, nosso estudo examinará algumas discussões ocorridas entre Jesus e os fariseus.
Temas da lição: O estudo desta semana inclui três componentes: os dois primeiros são descritos em Marcos 7:6 a 8, e o terceiro é revelado na narrativa da cura do surdo em Marcos 7:31 a 37. Os três componentes são os seguintes:
1. O primeiro componente examina o contexto do AT para Marcos 7:6 a 8 e analisa a referência a Isaías 29:13, conforme citado em Marcos.
2. O segundo componente considera as tradições. À luz de Marcos 7:6 a 8, vamos comparar e contrastar a tradição dos anciãos com as instruções divinas contidas nas Escrituras.
3. O terceiro componente diz respeito à narrativa da cura de um surdo. Vamos considerar as maneiras pelas quais certos elementos do tema da criação são abordados de modo implícito nessa cura específica.
COMENTÁRIO
Marcos 7:6 a 8 à luz do AT
O povo de Deus no 7o século a.C. estava enfrentando um momento crítico em sua experiência religiosa. Ela é descrita de maneira bastante vívida em Isaías 1: “Rejeitaram o Senhor, desprezaram o Santo de Israel, voltaram para trás” (Is 1:4). Por isso, o Senhor lhes perguntou: “De que Me serve a multidão dos sacrifícios que vocês oferecem?” (Is 1:11). Não faz sentido se aproximar de Deus e “adorá-Lo” sob a máscara da formalidade. Assim, o Senhor fala ao povo por meio de Seu profeta, que registra as palavras nestes versos poéticos:
“Não Me tragam mais ofertas vãs! O incenso é para Mim abominação, e também as festas da Lua Nova, os sábados e a convocação das assembleias. Não posso suportar iniquidade associada à reunião solene” (Is 1:13).
Será que esses versos estão dizendo que o Senhor era contra o sistema de sacrifícios, conforme ordenado por meio de Moisés à comunidade israelita? Claro que não! Deus estava Se opondo à religião superficial, cheia de aparências, mas que não tinha o verdadeiro temor do Senhor (compare com Is 1:16, 17). O contexto religioso de Isaías 29:13, ao qual Marcos faz alusão no capítulo 7 do seu evangelho, é estranhamente semelhante. Uma análise mais atenta de Isaías 29:13 revela um texto em forma de quiasma. Abaixo está a tradução do autor:
A. O povo se aproxima de Mim com a sua boca e com os seus lábios
B. Para Me honrar
C. Mas os seus corações estão longe de Mim
B1. A reverência deles para Comigo
A1. É como mandamentos repetidos de forma mecânica.
De acordo com esse verso, qual era o problema enfrentado pelos adoradores israe-litas? O problema deles não eram as palavras litúrgicas em si; em vez disso, essas palavras foram relegadas à mera repetição formal. Por que isso aconteceu? Porque o coração deles (isto é, a mente consciente) estava longe de ter uma verdadeira devoção ao Senhor. Portanto, as palavras deles não tinham sentido.
J. Alec Motyer explica: “À medida que o Soberano examina a adoração deles, tudo o que vê é conformidade com regras humanas. Não é que o Senhor menospreze o uso das palavras, mas palavras sem coração não têm sentido – e adoração não é adoração (Mc 7:6-8) a menos que se baseie na revelação de Deus e seja uma resposta a ela” (Isaiah: An Introduction and Commentary, Tyndale Old Testament Commentaries [Downers Grove, IL: InterVarsity, 1999], p. 215, 216).
Em resumo, o povo de Israel, o próprio povo de Deus, vivia uma incoerência religiosa: mantinha formalidade em termos de rituais e liturgia, mas não vivia em harmonia com os princípios bíblicos que lhes haviam sido ensinados e que tantas vezes eram repetidos entre eles. A adoração, incluindo todos seus elementos, não tem sentido sem obediência. Deus não era contra a celebração adequada de culto; Sua indignação era uma resposta ao pesado formalismo que caracterizava a adoração do povo (veja Teófilo Correa, “El Contexto Veterotestamentario de Marcos 7:6-7”, em Marcos: El Evangelista del Tiempo Cumplido – Leyendo el Evangelio de Marcos: Su Mensaje en el Pasado y en la Actualidad, ed. Merling Alomía, Joel Leiva e Juan Millanao [Lima: Ediciones Theologika, 2003], p. 129).
Tradições à luz de Marcos 7:6 a 8
Marcos, em sua alusão a Isaías, segue o texto da Septuaginta, uma tradução grega da Bíblia hebraica. Como o público de Marcos era composto por gentios, a versão grega seria mais familiar para eles. O evangelista, seguindo a Septuaginta, refere-se ao tema da adoração vã, com ênfase no conceito dos preceitos humanos. Marcos 7:6 e 7 cita Isaías: “Este povo Me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. E em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos humanos.”
A passagem apresenta o contexto para a narrativa de Marcos 7. A narrativa destaca um confronto entre os fariseus e os escribas; o tema discutido dizia respeito à lavagem das mãos. Marcos fornece detalhes narrativos nesse sentido: “Os fariseus e todos os judeus, observando a tradição dos anciãos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos” (Mc 7:3).
Parece que as instruções sobre a lavagem minuciosa das mãos, que o AT prescreve aos sacerdotes que estivessem no serviço do santuário, foram impostas pelos anciãos a todo o povo, o qual foi obrigado a respeitar essa tradição. Como C. S. Mann menciona: “O que está em discussão nesse texto não é a Lei de Moisés, mas a tradição oral ou escrita recebida desde a antiguidade e honrada por causa de sua antiguidade” (Mark: A New Translation With Introduction and Commentary, Anchor Bible [Nova York: Doubleday, 1986], p. 312). Jesus condenou essa imposição feita ao povo. Por isso, Ele chamou de hipócritas os fariseus e os escribas (Mc 7:6). Contudo, a narrativa de Marcos mostra que Jesus vai além de simplesmente rejeitar uma tradição humana: Ele repreendeu os mestres de Israel com a acusação de que aquelas tradições acabaram ofuscando a Palavra escrita de Deus. Jesus repreendeu os mestres religiosos porque “rejeitando o mandamento de Deus”, eles guardavam “a tradição humana” (Mc 7:8). Então foi além: “Vocês sempre encontram uma maneira de rejeitar o mandamento de Deus para guardarem a própria tradição” (Mc 7:9). Em Marcos 7:13, Jesus lamentou essa prática equivocada que era resultado direto do trabalho dos mestres de Israel. Assim, lançou contra eles esta acusação: “Invalidando a palavra de Deus por meio da tradição que vocês mesmos passam de pai para filho” (grifo nosso).
Em resumo, tanto na época de Isaías, no 7o século a.C., quanto na época de Marcos, no primeiro século d.C., a adoração do povo de Deus era vã devido à ênfase errada e à atitude hipócrita do coração. Em certo sentido, os fariseus e os escribas eram responsáveis por essa condição porque, como líderes, usavam a considerável influência que tinham sobre o povo para colocar as tradições humanas acima da revelação divina e, com isso, elevar as regras humanas acima dos mandamentos de Deus. Nessa ocasião, Cristo estava convidando Seu povo a retornar às Escrituras e ao caminho de justiça e misericórdia que elas apresentam. Ele também proclamou uma espiritualidade que transcende a mera religiosidade externa e formal. Em vez disso, defendeu uma experiência espiritual que está fundamentada em uma decisão consciente e consagrada de servir a Deus com um coração sincero, à luz do que o Senhor revelou.
A obra de curar um surdo
Os autores bíblicos com frequência faziam alusão a outros textos das Escrituras. Essas alusões podiam incluir citações diretas, como no caso de Marcos 1:2 e 3, em que o evangelho cita Isaías 40:3, ou como no caso de Marcos 7:6 e 7, que cita Isaías 29:13. É evidente que Marcos tinha interesse especial nos escritos de Isaías. Além de citações diretas, os escritores bíblicos também fazem alusão a outros escritos, sem, no entanto, mencionar textos exatos. Em outros casos, é possível inferir certas influências (em nível temático) de uma fonte anterior. Assim, podemos identificar certas alusões ao tema da criação, que podem ser vistas na narrativa sobre a cura do surdo em Marcos 7:31 a 37.
Para explorar mais essa ideia, vamos considerar Gênesis 2:7, que diz: “Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem se tornou um ser vivente” (compare com Is 43:7).
Gênesis descreve a criação do primeiro ser humano em nosso planeta. A palavra “formou” é traduzida do verbo hebraico ys. r, que também significa “modelar, criar, moldar” (veja David Clines, ed., The Dictionary of Classical Hebrew [Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998], v. 4, p. 269). O autor de Gênesis usa esse verbo para descrever a obra de um Criador que forma, ou de um Oleiro que molda Sua criação. É inegável em Gênesis a imagem bastante concreta Daquele que põe as mãos sobre a matéria para formar, a partir dela, o primeiro ser humano. Além disso, outra expressão em Gênesis 2:7 descreve a parte do processo em que materiais inertes são transformados em matéria viva e consciente. O Senhor dá o sopro de vida ao barro, isto é, Ele “lhe soprou nas narinas” (Gn 2:7).
Da mesma forma, em Marcos 7 encontramos alusões à formação de Adão. No caso do surdo, que falava com dificuldade (Mc 7:32), Jesus interveio usando as próprias mãos e boca como veículo de cura. Dessa forma, Ele procurou “remodelar”, por assim dizer, a Sua criação, o que fez colocando os dedos nos ouvidos do homem. Em seguida, cuspiu e tocou na língua do homem com a saliva e, ao comando de Sua palavra, o homem foi recriado. Nesse instante, o homem se tornou uma nova pessoa. “E logo os ouvidos do homem se abriram, e o empecilho da língua se soltou, e ele falava sem dificuldade” (Mc 7:35).
No entanto, essas descrições não são as únicas razões pelas quais podemos inferir uma conexão entre o ato de Jesus de curar o surdo e o tema da criação. Outras evidências vêm de Marcos 7:37: as pessoas ficaram surpresas com Jesus porque “tudo Ele tem feito muito bem; faz até os surdos ouvirem e os mudos falarem”. Nesse único verso, Marcos usa duas vezes o verbo grego poie?, que pode ser traduzido como “criar, fazer”. É interessante observar que esse é o mesmo verbo que a Septuaginta usa para traduzir o verbo hebraico bara’ (“criar”) em Gênesis 1.
Assim, o Criador do Universo veio à Terra para restaurar a criação que havia sido deteriorada por Satanás. De acordo com Marcos, Jesus veio para iniciar Sua obra de recriação fazendo “tudo [...] muito bem”. Não há dúvida de que essa obra é o cumprimento da profecia messiânica, também de Isaías: “Digam aos desalentados de coração: ‘Sejam fortes, não tenham medo. Eis aí está o Deus de vocês. A vingança vem, a retribuição de Deus; Ele vem para salvar vocês.’ Então se abrirão os olhos dos cegos, E se desimpedirão os ouvidos dos surdos; Os coxos saltarão como as corças, E a língua dos mudos cantará” (Is 35:4-6, grifo nosso).
APLICAÇÃO PARA A VIDA
- Por que Jesus pedia a certas pessoas que havia curado que não contassem a ninguém sobre Sua obra e Seu ministério de cura? “Jesus lhes ordenou que não contassem isso a ninguém; porém, quanto mais recomendava, tanto mais eles o divulgavam” (Mc 7:36; compare com Mc 8:30; 5:43; 1:44, 45). Por que você acha que as pessoas faziam o oposto do que Jesus pedia?
- Quanto à tradição humana, você consegue identificar alguma “tradição” que toma o lugar das Sagradas Escrituras em sua comunidade? A Palavra de Deus ainda é o nosso guia enquanto lideramos nossa comunidade de fé nos tempos atuais? O que significa que “o seu coração está longe de Mim” (Mc 7:6)?
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Carro roubado
Trinidade e Tobago | Beverly
Quando Beverly saiu de seu carro por volta das 11:30 da noite, alguém a empurrou de volta para dentro. Ele a empurrou pelo banco do motorista para o banco do passageiro. Ao mesmo tempo, alguém entrou no banco traseiro e colocou uma arma no pescoço de Beverly.
“Agora vamos dar uma volta”, disse o homem no banco do motorista.
Ele deu ré no carro para fora do quintal de Beverly, na ilha caribenha de Trinidade, e os três prosseguiram em silêncio.
Então Beverly falou: “Vocês vão me matar?”
“Se você não nos vir, não será morta”, disse o motorista.
Beverly tinha notado que o motorista estava usando um moletom com capuz. Ela não olhou para ele novamente.
“Você sabe há quanto tempo estamos seguindo você?”, perguntou o motorista.
Beverly não respondeu. Duas horas e meia haviam passado desde que ela saíra da Universidade do Sul do Caribe, a instituição adventista do sétimo dia onde ela trabalhava e que, ao mesmo tempo, fazia mestrado em Psicologia. Ela havia levado uma amiga da universidade para casa e as duas pararam para comer no caminho. Depois de deixar a amiga em casa, ela dirigiu até sua casa.
“Quem era aquela garota que você deixou em casa?”, disse o motorista.
“Uma colega de sala”, disse Beverly.
“Estamos seguindo você há muito tempo”, disse o motorista.
O homem no banco de trás puxou a mão de Beverly para trás do assento e tentou tirar a aliança dela.
“Deixe”, disse o motorista.
O homem soltou a mão de Beverly.
O motorista perguntou a Beverly se ela tinha ouvido falar de uma série recente de assassinatos na ilha. Ele disse que um amigo havia sido morto, e ele planejava usar o carro de Beverly para se vingar.
“Você pode me deixar sair do carro?”, perguntou Beverly.
“Não, você vai conosco”, disse ele.
Mas um momento depois ele pareceu mudar de ideia.
“Você tem alguém para quem possamos ligar?”, perguntou ele.
“Meu esposo”.
“Ligue para ele e veja se ele pode vir buscá-la”.
De alguma maneira, o homem no banco de trás havia conseguido pegar a bolsa de Beverly. Ele abriu, tirou o celular de Beverly e o entregou a ela.
Beverly ligou para o esposo, mas ninguém atendeu.
O homem que estava no banco de trás pegou o celular e duvidou que ela tivesse telefonado para o marido. “Ela nem sequer tem esse número salvo na discagem rápida”, disse ele.
A viagem noturna continuou.
“Estou me sentindo assustada”, Beverly disse. “Posso colocar um CD para tocar?”
Quando ela apertou o play, não havia um CD no aparelho. Ela não conseguia entender o motivo. Naquela manhã, ela havia ouvido uma música cristã enquanto dirigia para a universidade. Ela havia cantado a música: “Jesus, take the wheel” (Jesus, tome o volante).
Agora Beverly se perguntava se o disco havia caído no chão. Ela apalpou com a mão e encontrou um disco. “Está aqui no chão”, disse ela. “Deixe-me colocar”.
Uma música começou a tocar. Não era o disco que Beverly queria. Ela não sabia de onde esse disco tinha vindo. Alguém cantava: “Jeová, eu confio em ti”.
O homem no banco de trás gemeu.
O motorista estava todo preocupado. Ele disse: “Vamos trocar a placa do seu carro e amanhã a polícia vai encontrá-lo”.
Ele queria deixar Beverly ir embora. Mas Beverly não queria ser deixada sem dinheiro no escuro. “Eu não tenho dinheiro”, ela disse. “Como vou chegar em casa?”
O motorista disse ao seu colega que desse algum dinheiro a Beverly.
“Quanto? 20 dólares?”, disse o parceiro.
“Eu tenho mil dólares na minha bolsa, lá atrás”, disse Beverly.
Naquele dia, ela havia sacado suas economias do banco e estava levando para casa para fazer uma compra importante. Ela tinha certeza de que o homem no banco de trás tinha encontrado o dinheiro, e ela queria que o motorista soubesse disso.
“Dê 100 dólares a ela”, disse o motorista.
Beverly recebeu o dinheiro, o carro parou e ela foi forçada a sair. Então, cruzou a estrada e chamou um táxi, que a levou para casa.
Até hoje Beverly não sabe por que Deus permitiu essa provação terrível. Mas quando ela relembra o que aconteceu, parece que Deus estava tentando chamar sua atenção, dizendo: “Confie sua vida a Mim”.
Até hoje Beverly não sabe por que Deus permitiu essa provação terrível. Mas quando ela relembra o que aconteceu, parece que Deus estava tentando chamar sua atenção, dizendo: “Confie sua vida a Mim”.
Essa era também a terceira vez que ela perdia um carro. A primeira vez, seu carro foi roubado em frente à sua casa. A segunda vez, seu carro foi destruído em um acidente.
Parecia mais do que uma coincidência que, voltando para sua casa, de táxi após o roubo do carro, uma música tivesse tocado no som do táxi com estas palavras: “Quantas vezes devo passar pelas mesmas coisas para mostrar o quanto eu te amo?”
A polícia nunca encontrou o carro de Beverly. Mas ela não está reclamando. Ela disse que o roubo do carro foi o ponto de virada em sua vida. Agora ela decidiu confiar em Deus em todas as áreas de sua vida. “Muitas pessoas que são roubadas são mortas”, disse ela. “Eu não sei por que eu estou viva. Como cristãos, precisamos confiar em Deus em todas as circunstâncias”.
Essa história missionária mostra uma visão interna da vida em Trinidade e na Universidade do Sul do Caribe, que recebeu parte das ofertas de 2018 para construir uma igreja na universidade. A universidade, onde Beverly trabalha hoje, também recebeu parte da oferta do 13º Sábado de 2021 para abrir um centro de influência para treinar missionários. Obrigado por sua oferta do 13º Sábado que ajudará a ensinar as pessoas a confiarem em Deus em Trinidade e ao redor do mundo.
Por Andrew McChesney
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Comentário da Lição da Escola Sabatina – 3º Trimestre de 2024
Tema geral: O Evangelho de Marcos
Lição 6 – 3 a 10 de agosto
De dentro para fora
Autor: Natal Gardino
Editor: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Rosemara Santos
É tendência do ser humano não convertido aumentar as práticas religiosas e torná-las apenas um amontoado de demonstrações exteriores de um coração vazio. A fé verdadeira confia plenamente em Jesus, é transformada por Ele e O obedece conforme a Sua Palavra.
Tradições humanas versus mandamentos divinos (Mc 7:1-23)
Os judeus mantinham uma tradição na qual uma pessoa ficava impura se não lavasse as mãos religiosamente várias vezes antes de comer. Jesus lhes citou Isaías 29:13, lembrando que os que O adoram por meio de preceitos humanos fazem isso em vão (Mc 7:6, 7). Depois, Ele explicou que “a contaminação não vem do exterior, mas do interior. Pureza e impureza pertencem ao coração. É o ato perverso, a palavra ou pensamento mau e a transgressão da lei de Deus, não a negligência de cerimônias externas criadas pelo homem, que o contamina” (Ellen G. White, O Desejado de Todas as Nações [CPB, 2021], p. 313).
Nas instruções dadas por Deus, as impurezas cerimoniais não tinham o peso de pecado. A mulher em seu período menstrual, por exemplo, estava “impura” apenas cerimonialmente, mas não estava em pecado por causa disso (Lv 15:19-24). Uma pessoa que tivesse que tocar em um cadáver de humano ou de animal também ficava impura cerimonialmente, mas isso não equivalia a pecado moral (Lv 11:39,40; 21:1-3). Assim também acontecia com quem havia tido emissão de algumas secreções específicas como pus, catarro ou até mesmo com um casal que havia tido suas devidas relações íntimas (Lv 15:2,16-18).
Nenhum desses estaria “em pecado” por estar contaminado cerimonialmente. Essa prática era apenas um lembrete constante, dentro do ritual do santuário, de que o ser humano está sempre sujo e necessita da purificação oferecida pelo sangue do Cordeiro. Era também uma proteção da saúde, pois eles só ficavam efetivamente limpos se tomassem um banho (Lv 15:16-18).
Ao contrário disso, no ritual de lavar as mãos, inventado pelos anciãos e mantido pela tradição, a pessoa adquiria impureza equivalente à culpa moral se fosse contaminada pelo alimento não purificado. Porém, “Jesus considerou puros todos os alimentos” (Mc 7:19). Isso não quer dizer que Ele “liberou” as pessoas para se alimentarem com morcego, jacaré, cachorro ou porco. Esses animais continuam impróprios para o consumo humano, como apontado por Deus (Lv 11; Dt 14). “Todos os alimentos” que Jesus considerou puros nesse versículo eram os que estavam sobre aquela mesa na ocasião. Naquela mesa não havia alimentos impróprios para o consumo humano, pois os que comiam dela eram todos judeus religiosos, obedientes às instruções reveladas.
Esse é um ponto em que chegamos quando o coração não é convertido: aumentamos as práticas religiosas, mas não a piedade. Nesse caso, sem um coração transformado, até mesmo as práticas do que Deus ordenou perdem o sentido: “Ao ímpio Deus diz: ‘De que lhe serve repetir os Meus preceitos e ter nos lábios a Minha aliança, se você odeia a disciplina e rejeita as Minhas palavras?’” (Sl 50:16, 17).
Além da hipocrisia de manter uma religião formal sem a essência da espiritualidade promovida pela verdadeira caminhada ao lado de Deus, os judeus foram mais longe em sua falsa religiosidade, criando tradições que não tinham fundamento nas Escrituras e, muitas vezes, contrariavam o espírito das Escrituras, trazendo sobre a vida do povo judeu um fardo que Deus não idealizou. O problema deles não era simplesmente a religião, mas a falsa religião, que os afastava da verdade bíblica, do amor e da graça de Deus.
As migalhas do poder de Deus (7:24-30)
Muitas pessoas se perguntam por que Jesus testou tanto a fé da mulher siro-fenícia a ponto de compará-la aos cachorrinhos. Mas Ele sabia até que ponto poderia ir e sabe quanto cada pessoa pode suportar. Ele sabia que se tivesse feito isso com outras pessoas, elas iriam embora chorando, humilhadas e sem esperança. Mas Ele sabia que a mulher siro-fenícia suportaria o teste. Ela venceu a prova e recebeu um elogio de Jesus. A fé daquela mulher estrangeira é impressionante: para ela, Jesus poderia libertar sua filha não com uma grande manifestação de poder, mas simplesmente com “migalhas” desse poder. Que fé!
O surdo com impedimento na língua (7:31-37)
Jesus realizou a cura desse homem de um modo muito diferente. O texto original pode ser traduzido assim: “Tendo colocado os dedos nos ouvidos dele e tendo cuspido, tocou na língua dele”; ou: “Após haver colocado os dedos nos ouvidos dele e após haver cuspido, tocou na língua dele”. É possível que Ele tenha realizado essa performance para ilustrar Sua capacidade de recriar através do poder de Sua palavra, representada por Sua saliva. Ou ainda que Ele tenha dado ao homem uma pequenina porção de Si mesmo, representada na saliva com a qual apenas tocou na língua do homem, para curá-lo da enfermidade. De qualquer forma, foi um milagre extraordinário que fez com que o homem curado e as pessoas que o trouxeram louvassem a Deus com muita intensidade e por muito tempo.
É curioso o modo pelo qual várias versões traduzem a palavra moggilalos como “gago”. A Almeida Revista e Corrigida traduz como “um surdo que falava dificilmente”; A Nova Versão Internacional diz que ele “era surdo e mal podia falar”. Essas duas traduções se aproximam mais do sentido pretendido pelo autor inspirado, pois a palavra moggilalos é formada pela junção de outras duas: mogis, um advérbio que significa “difícil”, e laleo, que significa “falar”. Como resultado, o seu significado é “de fala difícil”, ou “que fala com dificuldade”.
É natural que os surdos que conseguem falar o façam com muita dificuldade, pois não conseguem ouvir a pronúncia das palavras para reproduzi-las corretamente. Além disso, talvez esse homem tivesse alguma má formação na língua, ou algum tipo de problema na sua fala, pois o texto diz que, com o milagre, “o empecilho da língua se soltou, e ele falava sem dificuldade” (Mc 7:35).
Um detalhe que só Marcos registra é o fato de que Jesus “suspirou” antes de curar esse homem (Mc 7:34). Não sabemos se essa atitude tinha algum significado relacionado à cura, ou se Jesus estava demonstrando cansaço, empolgação, emoção, ou decepção com as pessoas ao redor que não conseguiam enxergar o propósito de Sua missão. Marcos é o evangelista que mais enfatiza características da natureza humana de Jesus.
Conclusão
O que contamina uma pessoa é o que está no coração. São os pensamentos e atitudes, não coisas. Só Jesus pode purificar nosso coração para sermos verdadeiramente puros, confiarmos plenamente Nele e vivermos conforme a Sua Palavra. Só a presença de Jesus em nosso coração pode fazer com que as práticas religiosas, até mesmo as bíblicas, tenham sentido. Só Ele pode transformar nosso coração de forma a eliminar os possíveis preconceitos contra certas pessoas que, se conhecessem a verdade como conhecemos, demonstrariam ter mais fé nas “migalhas” do poder de Deus do que nós em toda a majestade de Sua glória revelada nas Escrituras.
Conheça o autor dos comentários deste trimestre: Natal Gardino é mestre em Novo Testamento e doutor em Ministério pela Andrews University. Iniciou seu ministério em 2003 como pastor distrital e atuou em quatro diferentes regiões. Desde 2022 é professor de Novo Testamento no Seminário Adventista de Teologia na FAP (antigo IAP), no Paraná. É casado com Irineide Gardino, psicóloga clínica. O casal tem dois filhos: Kaléo e Nicholas.