Sábado
30 de março
O ribeiro que transborda
A fonte da sabedoria é um ribeiro que transborda. Provérbios 18:4?

Sentada à beira do meu ribeiro, ouço seu murmúrio falando a mim de memórias e metáforas. Eu o vi pela primeira vez aos 3 anos de idade quando nos mudamos da cidade para o campo. Durante um mês inteiro, usamos sua água para lavar roupas até que meu pai encanou água de uma nascente. O ribeiro era tão raso e arenoso naquela época que meu pai conseguia passar por ele dirigindo um trator ou carro. 

Uma árvore de salgueiro-chorão balançava por cima daquele ribeiro no qual meus primos e eu brincavam – construindo castelos, barragens, fortalezas e cidades a partir daquela areia grossa e marrom. O ribeiro foi meu parque de diversão durante minha infância. Íamos descalços para o ribeiro, mas os adultos precisavam de uma ponte. Então meu pai construiu uma de concreto por cima da parte mais funda do ribeiro onde alevinos nadavam próximos a sapos, lagostas e insetos aquáticos. De vez em quando, uma criatura assustadora saía de seu esconderijo debaixo da ponte e logo se arrastava para ele novamente. Como a serpente no Jardim do Éden, ela invadia nosso território. 

Quando os barrancos do ribeiro começaram a sofrer erosão, mudando seu curso, meu pai deslocou rochas de um rio para fazer uma barreira e proteger nosso quintal. Certa vez, tempestades de verão acabaram derrubando aquele belo salgueiro-chorão próximo ao ribeiro. 

Anos se passaram; saí de casa, e meu pai faleceu. Meu esposo e eu retornamos a esse lugar para morar ali. Ele continuou fortificando os barrancos do ribeiro, mas a água insistia em mudar seu curso. Depois, construímos uma barragem de rochas e concreto nos barrancos disformes; um tanque profundo de água se formava toda vez que havia uma tempestade forte. Tempestades acontecem com mais frequência atualmente, e elas já quebraram parte da parede de concreto e rochas. Durante uma determinada tempestade, temíamos que o sicômoro próximo à casa fosse derrubado, mas uma avalanche de areia desceu pelo ribeiro, formando uma praia e fortalecendo aquela árvore. No barranco oposto, a erosão destruiu a grama, formando barrancos muito altos. Fico imaginando quanto o ribeiro se moverá naquela direção. 

Eu contemplo a história dos movimentos do ribeiro ao longo dos anos. Penso que ele é como a minha vida, que também vagueia e muda seu curso. O ribeiro não é o mesmo que era na minha infância, mas ele reflete memórias da minha família. Ele testemunhou felicidade e tragédia. O ribeiro corre pelos meus pensamentos deste lugar. A chácara, os galpões, o trator – eles todos permanecem aqui. 

Já faz décadas que voltei a residir aqui, mas, como o ribeiro, continuo em constante mudança, continuamente mudando meu corpo e alma, embora eu permaneça a mes- ma. Não preciso simplesmente de rochas, mas da Rocha Eterna para me sustentar. 

Ella M. Rydzewski