O livro de Gênesis e, portanto, toda a Bíblia começa com os atos divinos da criação. Esse fato é muito importante, pois significa que nossa criação marca o início da história humana e bíblica. Isso também indica que o relato da criação contido em Gênesis tem a mesma veracidade histórica de outros eventos da história humana e bíblica.
Os dois textos sobre a criação, em Gênesis 1 e 2, contêm lições sobre Deus e a humanidade. Nesta semana, entenderemos melhor o profundo significado do sábado e refletiremos sobre o ato divino de criar o ser humano à Sua imagem a partir do pó da terra. Ficaremos fascinados com o propósito da árvore do conhecimento do bem e do mal e entenderemos sua conexão com a árvore da vida.
A lição mais importante das histórias bíblicas sobre as origens é acerca da graça. Nossa existência é puramente um ato da graça. Deus criou os céus e a Terra enquanto os seres humanos ainda não existiam. Assim como nossa criação, nossa redenção também é um presente divino. E o fato de ambos os conceitos, criação e redenção, coexistirem no mandamento do sábado do sétimo dia é algo muito profundo.
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1. Qual é a reação humana ao Deus da criação? Por quê? Sl 100:1-3
“Deus” está na primeira frase do relato da criação em Gênesis 1. Na tradução, lemos: “No princípio, Deus” (Gn 1:1). Na primeira linha, a palavra “Deus” está no meio do verso, e no canto litúrgico tradicional é pronunciada com maior entonação para enfatizar Sua importância. Sendo assim, o texto da criação começa dando ênfase a Deus, seu Autor.
O livro de Gênesis inicia com duas apresentações diferentes de Deus. O primeiro relato da criação (Gn 1:1–2:4) O apresenta como infinitamente distante do ser humano, o Deus transcendente, Elohim, cujo nome traduz a supremacia divina. O nome Elohim denota preeminência e força, e o uso da forma plural expressa a ideia de majestade e transcendência.
O segundo relato da criação (Gn 2:4-25) apresenta Deus como próximo e pessoal, o Deus imanente YHWH, cujo nome para muitos indica proximidade e relacionamento. Portanto, o texto da criação como um todo é um apelo implícito para adorarmos a Deus, estarmos cientes de Sua grandeza e de Seu poder infinitos em primeiro lugar e, ao mesmo tempo, reconhecermos nossa dependência Dele, pois Ele nos criou, “e não nós” (Sl 100:3, ARC). Por isso, com frequência, muitos salmos associam a adoração com a criação (Sl 95:1-6; 139:13, 14 [compare com Ap 14:7]).
Esse conceito duplo de um Deus que é majestoso, poderoso e que ao mesmo tempo é próximo, amoroso e Se relaciona conosco, contém um ponto importante sobre como devemos nos aproximar do Criador na adoração. Temor e reverência devem acompanhar a alegria e a certeza da familiaridade com Deus, bem como do perdão e do amor divinos (ver Sl 2:11). A sequência das duas apresentações sobre Deus contém uma mensagem: a experiência da proximidade divina e da intimidade de Sua presença segue a experiência de Seu distanciamento. Somente quando percebemos que Ele é grande, somos capazes de apreciar Sua graça e desfrutar, com reverência, de Sua presença maravilhosa e amorosa em nossa vida.
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2. Leia Gênesis 1:4, 10, 12, 18, 21, 25, 31; 2:1-3. Qual é o significado da expressão “era bom”? Qual é a lição implícita na conclusão da criação (Gn 2:1-3)?
Em cada etapa do relato da criação, Deus avaliou Seu trabalho como tov, “bom”. Em geral, por meio desse adjetivo entende-se que a obra divina da criação foi bem-sucedida e que a observação de que “era bom” indica que deu certo. A luz iluminava (Gn 1:4), as plantas davam frutos (Gn 1:12) e assim por diante.
Contudo, essa palavra indica mais do que eficiência. A palavra hebraica tov também é usada na Bíblia para expressar uma apreciação estética de algo belo (Gn 24:16). Também é usada em contraste com o mal (Gn 2:9), que está associado à morte (Gn 2:17).
A frase “era muito bom” significa que a criação funcionava bem, era linda e perfeita. O mundo “ainda não” era como o nosso mundo, afetado pelo pecado e pela morte, como vemos na introdução ao segundo relato da criação (Gn 2:5).
Essa descrição da criação contradiz radicalmente as teorias da evolução, que declaram de forma dogmática que o mundo se formou progressivamente por acontecimentos acidentais, partindo de uma condição inferior para uma superior.
Em contraste, o autor bíblico afirma que Deus intencional e repentinamente criou o mundo (Gn 1:1). Não houve casualidade nem incerteza. O mundo não surgiu por si mesmo, mas apenas como resultado da vontade e da palavra divinas (Gn 1:3). Em Gênesis 1 está escrito: “No princípio, Deus criou os céus e a Terra”. O verbo bara’ foi traduzido como “criou” e ocorre apenas com Deus como sujeito, denotando algo repentino: Deus falou e aconteceu.
O texto da criação nos informa que “tudo” já havia sido feito e, segundo o próprio Criador, tudo que foi criado era “muito bom” (Gn 1:31). Gênesis 1:1 declara o evento, a criação do céu e da Terra; e Gênesis 2:1 declara que o evento foi encerrado. Toda a obra, incluindo o sábado, foi concluída em sete dias.
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3. Leia Gênesis 2:2, 3 e Êxodo 20:8-11. Por que o sábado está relacionado à criação? Como isso afeta nosso modo de observar esse dia?
Foi precisamente por ter concluído a criação que Deus instituiu o sábado, que é, portanto, a expressão de nossa fé, pois cremos que o Criador concluiu Sua obra e considerou tudo “muito bom”. Observar esse dia é unir-se ao Criador no reconhecimento do valor e da beleza de Sua criação.
Podemos descansar de nossas obras, assim como Deus descansou das Dele. A guarda do sábado significa concordar com o “muito bom”, o que inclui nosso corpo físico. Ao contrário de algumas crenças antigas (e modernas), nada nas Escrituras, Antigo Testamento (AT) ou Novo Testamento (NT), sugere que o corpo seja mau. Esse é um conceito pagão, não bíblico. Os observadores do sábado são gratos pela criação, que inclui seu próprio corpo. Por isso, desfrutam da criação e cuidam dela.
O sábado, que marca o primeiro “fim” da história humana, é também um sinal de esperança para a humanidade sofredora e para os lamentos do mundo. É interessante que a ideia de obra acabada reaparece no fim da construção do santuário (Êx 40:33) e no fim da construção do templo de Salomão (1Rs 7:40, 51) – ambos os lugares em que a lição do evangelho e da salvação foi ensinada.
Após a queda, o sábado apontou para o milagre da salvação, que acontecerá somente por meio do milagre de uma nova criação (Is 65:17; Ap 21:1). Esse dia é um sinal no fim da semana humana de que o sofrimento e as provações deste mundo também terão fim.
Por causa da esperança simbolizada no sábado, Jesus escolheu esse dia como o mais apropriado para curar os enfermos (Lc 13:13-16). Ao contrário das tradições às quais os líderes estavam presos, por meio das curas aos sábados Jesus indicava o tempo em que toda dor, sofrimento e morte acabariam, que é a conclusão do processo da salvação. Portanto, cada sábado nos aponta para a esperança da redenção.
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Os seres humanos são o clímax da criação, o propósito para o qual a Terra foi feita.
4. Leia Gênesis 1:26-29 e 2:7. Qual é a conexão entre as duas versões diferentes da criação da humanidade?
Somente o ser humano foi criado à imagem divina (Gn 1:25, 27). Com frequência, essa fórmula tem sido limitada à natureza espiritual dos humanos, ou seja, à ideia de que a “imagem de Deus” significa apenas a função administrativa de representá-Lo, ou a função espiritual de relacionamento com Ele ou com os outros.
Embora essas interpretações sejam corretas, não abrangem a importante realidade física da criação. Ambas as dimensões estão, de fato, incluídas nas duas palavras, “imagem” e “semelhança”, que descrevem esse processo em Gênesis 1:26. Enquanto a palavra hebraica tselem, “imagem”, se refere à forma concreta do corpo físico, a palavra demut, “semelhança”, se refere às qualidades abstratas que são comparáveis à Pessoa divina.
A noção hebraica da “imagem de Deus” deve ser entendida no sentido integral da visão bíblica da natureza humana. O texto afirma que homens e mulheres foram criados à imagem de Deus física e espiritualmente. Ellen G. White escreveu: “Quando Adão saiu das mãos do Criador, trazia em sua natureza física, intelectual e espiritual, a semelhança de seu Criador” (Ellen G. White, Educação, p. 8 [15]).
Essa compreensão integral da imagem de Deus, incluindo o corpo físico, é reafirmada no outro relato da criação, o qual diz que “o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2:7), literalmente, “uma alma vivente” (nefesh), como resultado de duas operações divinas: Deus “formou” e Deus “soprou”. Observe que o “fôlego” muitas vezes se refere à dimensão espiritual, mas também está ligado estreitamente à capacidade biológica de respirar, a parte do homem formada “do pó da terra”. É o “fôlego de vida”, isto é fôlego (espiritual) e vida (física).
Deus fez mais tarde uma terceira operação, dessa vez para criar a mulher a partir do corpo do homem (Gn 2:21, 22), uma forma de enfatizar que ela é da mesma natureza do homem.
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Assim que Deus criou o primeiro homem, ofereceu-lhe três presentes: o jardim do Éden (Gn 2:8), o alimento (Gn 2:16) e a mulher (Gn 2:22).
5. Leia Gênesis 2:15-17. Qual é o dever do homem para com a criação e para com Deus? Como esses deveres se relacionam?
O primeiro dever do homem diz respeito ao ambiente natural em que Deus o colocou: cultivar e guardar (Gn 2:15). O verbo ‘avad, “cultivar”, refere-se a trabalhar. Não basta receber um dom, deve-se trabalhar nele e torná-lo frutífero, lição que Jesus repetiu na parábola dos talentos (Mt 25:14-30). O verbo shamar, “guardar”, implica a responsabilidade de preservar o que se recebeu.
O segundo dever diz respeito ao alimento. Deus o deu aos seres humanos (Gn 1:29) e disse: “você pode comer livremente” (Gn 2:16). Os seres humanos não criaram as árvores, nem seus frutos. Esses são dádivas, presentes da graça.
Mas há um mandamento aqui também: eles deveriam receber a oferta divina e desfrutar “de toda árvore”, porém Deus adicionou uma restrição: não deveriam comer de uma árvore em particular. Desfrutar sem qualquer restrição levaria à morte. Esse princípio estava correto no contexto do jardim do Éden e, em muitos aspectos, esse mesmo princípio existe no presente.
O terceiro dever do homem diz respeito à mulher, o terceiro dom de Deus: “o homem deixa pai e mãe e se une à sua mulher” (Gn 2:24). Essa declaração extraordinária destaca a responsabilidade humana para com a aliança conjugal e o propósito de ser “uma só carne”, ou seja, uma só pessoa (compare com Mt 19:7-9).
A razão pela qual é o homem (e não a mulher) que deve deixar seus pais pode ter a ver com o uso genérico do masculino na Bíblia; portanto, talvez o mandamento se aplique também à mulher. Seja como for, embora o vínculo do matrimônio seja um presente de Deus, uma vez que tenha sido recebido, envolve a responsabilidade que deve ser cumprida fielmente pelo homem e pela mulher.
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Textos de Ellen G. White: Educação, p. 89, 90 [128, 129] (“A Ciência e a Bíblia”); História da Redenção, p. 15, 16 [21, 22] (“A Criação”).
“Uma vez que o livro da natureza e o da revelação apresentam indícios da mesma mente superior, eles não podem deixar de estar em harmonia. Com diferentes métodos e linguagens, dão testemunho das mesmas grandes verdades. A ciência está sempre descobrindo novas maravilhas, mas nada traz de suas pesquisas que, corretamente compreendido, esteja em conflito com a revelação divina. O livro da natureza e a palavra escrita lançam luz um sobre o outro. Servem para nos familiarizar com Deus, ensinando- nos algo das leis por meio das quais Ele opera.
“Entretanto, conclusões equivocadas, tiradas dos fenômenos observados na natureza, têm dado lugar a supostas divergências entre a ciência e a revelação; e, nos esforços para restabelecer a harmonia, tem-se adotado interpretações das Escrituras que abalam e destroem a força da Palavra de Deus. Tem-se pensado que a geologia contradiz a interpretação literal do relato da criação feito por Moisés. Alega-se que milhões de anos tenham sido necessários para que a Terra evoluísse do caos; e, a fim de acomodar a Bíblia a essa suposta revelação da ciência, admite-se que os dias da criação tenham sido períodos longos, indefinidos, abrangendo milhares ou mesmo milhões de anos.
“Essa conclusão é absolutamente infundada. O relato bíblico está em harmonia consigo mesmo e com o ensino da natureza” (Ellen G. White, Educação, p. 89, 90 [128, 129]).
Perguntas para consideração
1. Nossa fé seria afetada se acreditássemos que os relatos das origens fossem lendas com lições espirituais, mas sem veracidade histórica? No texto bíblico, quais pistas sugerem que o autor sabia que esses relatos eram “históricos”? Qual é o testemunho de Jesus sobre a veracidade histórica desses relatos?
2. O que Gênesis ensina sobre a importância de cuidar da Terra? Como ser bons mordomos do planeta e, ao mesmo tempo, evitar adorar a criação? (Rm 1:25).
3. Apesar da devastação causada pelo pecado, as maravilhas da criação ainda se manifestam, falando sobre a bondade e o poder de Deus?
Respostas e atividades da semana: 1. Servir com alegria e adorar o Criador. 2. Tudo era perfeito; a criação não ocorreu em um longo período de tempo. 3. Porque nos relembra da criação e do seu Autor. Ao guardar o sábado, testificamos que cremos no Criador e que temos a esperança da restauração. 4. Deus formou o ser humano à Sua imagem, o criou do pó da terra e soprou-lhe o fôlego de vida. O ser humano foi criado à imagem de Deus tanto física quanto espiritualmente. 5. Cuidar do que foi criado por Deus e ser fiel a Ele como fiéis mordomos.
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TEXTO-CHAVE: Gn 1:1
FOCO DO ESTUDO: Gn 1–2; Sl 100:1-3; Êx 20:8-11; Mt 19:7-9; Jo 1:1-5
ESBOÇO
Introdução: É significativo que a Bíblia comece com a criação. Muitos livros bíblicos começam com uma evocação a esse evento. O livro de Crônicas inicia com a criação a fim de testemunhar que todos pertencemos à mesma raça humana, vinda do mesmo Pai (1Cr 1:1). Isaías começa com Gênesis 1:1, que é a primeira linha do relato da criação, para nos lembrar de que Deus é nosso Provedor e que devemos ouvi-Lo (Is 1:2). O primeiro testemunho de Daniel ao gentio chefe dos eunucos foi uma citação do relato da criação. As palavras de Daniel testificaram ao eunuco que Deus é o Criador, que lhes dava o alimento (Dn 1:12). Salomão introduziu sua reflexão meditando sobre a criação (Ec 1:1-11). Ele lamentou a vaidade da vida, entendendo que “não há nada de novo debaixo do sol” (Ec 1:9). O Evangelho de João inicia com um poema sobre a criação (Jo 1:1-14) para enfatizar a maravilha da encarnação: Jesus Cristo, que era Deus “no princípio”, criou o mundo e depois Se fez carne para salvá-lo. Seguindo o modelo desses autores bíblicos, estudaremos o texto bíblico da criação para aprender lições vitais sobre Deus, sobre nós mesmos como seres humanos e sobre a natureza e relevância da própria criação.
COMENTÁRIO
A beleza da criação
A primeira lição que aprendemos do texto bíblico sobre a criação é uma mensagem de beleza. Jogos de palavras, jogos de sons, paralelismos e estruturas bem equilibradas contribuem para produzir uma expressão poética poderosa. O ritmo de sete domina a passagem. A narrativa da criação não apenas cobre um período literal de sete dias, mas também vemos vários casos de repetição de sons, palavras ou mesmo frases específicas sete vezes. Esse ritmo de sete não é motivado apenas esteticamente. Essa característica estilística tem um significado profundo; ela testemunha a perfeição da criação divina.
A história da criação
É importante observar que a beleza literária do texto não sugere que o relato da criação deva ser entendido meramente como uma representação poética da imaginação. As formas verbais, que são as mesmas usadas em textos narrativos, o estilo de genealogia, que caracteriza a forma desse texto, e sua estrutura literária, que conecta os dois primeiros capítulos de Gênesis, todos são testamentos gramaticais e literários da intenção histórica do texto. O texto do primeiro relato da criação é explicitamente identificado, por seu Autor, como uma genealogia (Gn 2:4). Além disso, também mostra de fato todas as características literárias do formato de genealogia. A razão de o texto bíblico da criação ter sido escrito dessa forma é a intenção de conectar o leitor com as outras genealogias do livro do Gênesis e alertá-lo de que esse relato sobre o evento da criação pertence à história humana da mesma forma que a vida dos patriarcas.
Ademais, as correspondências linguísticas e temáticas entre o primeiro relato da criação (Gn 1:1–2:4) e o segundo que se segue (Gn 2:4-25) indicam um paralelismo entre os dois textos: a mesma estrutura em sete etapas no primeiro relato da criação (Gn 1:1–2:4) também se encontra no segundo (Gn 2:4-25). O relato da criação em Gênesis 1:1-2:4 está conectado à narrativa histórica em Gênesis 2:4-25. Isso sugere a intenção do autor de comunicar seu relato sobre a criação dos céus e da Terra como um evento pertencente à mesma narrativa histórica da formação do ser humano.
Ao conectar os dois relatos da criação, o autor também sugere que o mesmo fator “tempo”, que atuou na criação do ser humano, também atuou na criação dos céus e da Terra. O mundo e tudo que nele existe não levaram milhões de anos para atingir um estágio de maturidade que permitisse que tudo funcionasse corretamente. Por outro lado, o relato da criação de Gênesis não se apresenta como uma análise científica do evento da criação. Fosse esse o caso, o relato da criação teria sido escrito como uma fórmula muito complicada e infinitamente longa, que seria inacessível aos humanos. O autor bíblico escreveu, sob inspiração, o relato da criação como um evento histórico. Tudo o que ele disse sobre o evento da criação é verdade e não deveria conflitar com a ciência.
No entanto, sugeriu-se muitas vezes que a intenção do relato da criação não era histórica, mas essencialmente teológica ou filosófica. Além disso, argumentou-se que o texto de Gênesis 1 pretendia apenas edificar espiritualmente, não informar historicamente. Na verdade, esse método de leitura das Escrituras deriva de uma pressuposição crítica fundamentada no estudo da literatura grega clássica. De fato, nessa tradição, a mensagem espiritual tem primazia, e o evento histórico é secundário e irrelevante para o pensamento filosófico. Ao ser aplicado às Escrituras, esse método de leitura tem levado muitos estudiosos da Bíblia a rejeitar a intenção histórica do texto bíblico. Assim, no caso da ressurreição de Jesus, por exemplo, sua historicidade foi ignorada, e até questionada, enquanto os estudiosos se concentravam somente na mensagem espiritual de Sua vida. Mas a verdadeira visão bíblica opera inversamente a isso. A mensagem teológica procede do evento histórico. Visto que a ressurreição de Jesus é um evento histórico, podemos crer em Deus e pensar nossa teologia. Como o relato da criação em Gênesis é histórico, ele contém importantes lições espirituais e teológicas sobre Deus e os seres humanos.
A primeira frase da criação No princípio. A expressão hebraica bere´shit, “no princípio”, é enfatizada. Ela está no início da frase de abertura em Gênesis. Além disso, recebeu um acento enfático, o qual a destaca e a separa do restante da frase. De acordo com essa acentuação, a frase deve ser pontuada e lida assim: “No princípio; Deus criou os céus e a Terra.” A frase bere’shit é, na verdade, uma expressão técnica especificamente associada ao relato da criação. É de fato significativo que essa expressão seja muito raramente usada na Bíblia hebraica. Fora de Gênesis 1:1, bere’shit ocorre apenas quatro vezes, e apenas em Jeremias. Nesse livro, bere’shit pertence a uma fórmula estilística regular, aludindo às palavras introdutórias do relato da criação (Jr 26:1; 27:1; 28:1; 49:34, 35), embora as mensagens em si não tenham referência direta a esse relato.
Deus. A ênfase nesse “princípio” é reforçada pela ênfase no nome hebraico ‘Elohim (“Deus”) para designar Deus no relato da criação (Gn 1:1–2:4). Esse nome é derivado da raiz ‘alah, que transmite a ideia de força e preeminência. A forma plural confirma essa ênfase, uma vez que é uma expressão literária de intensidade e majestade, em vez de uma indicação de um plural numérico “deuses”. Tal forma plural implicaria em uma crença politeísta não israelita em vários deuses. ‘Elohim se refere ao grande Deus, que transcende o Universo. O ritmo de Gênesis 1:1 ecoa a mensagem da preeminência de ‘Elohim. Essa palavra aparece no meio do verso. Além disso, no texto hebraico, o acento (. disjuntivo [^]) que separa o verso em duas partes iguais é anexado à palavra ‘Elohim, “Deus”, que, no canto tradicional na sinagoga, marca a pausa e o clímax do verso. “Deus” é a palavra mais importante do verso, não apenas porque Ele é o sujeito da frase, mas também por causa do ritmo dela.
Criou. A palavra bara’, “criar”, ocorre sete vezes no relato da criação (Gn 1:1, 21, 27 [três vezes nesse verso]; 2:3, 4), indicando assim seu pertencimento inerente a esse evento particular. Além disso, na Bíblia hebraica, esse verbo é sempre e exclusivamente usado em conexão com Deus como seu sujeito.
Os céus e a Terra. A primeira frase da Bíblia, “Deus criou os céus e a Terra”, estabelece desde o início que Deus e a criação Dele são duas coisas distintas que não derivam uma da outra. A frase “os céus e a Terra” é um merisma (duas partes contrastantes que se referem ao todo) em que a combinação dos dois elementos contrastantes da frase se refere à totalidade do Universo, implicando que tudo foi criado por Deus. O uso da mesma frase no fim do relato da criação, referindo-se à semana da criação (Gn 2:1, 4), sugere que a formação dos céus e da Terra se refere especificamente ao mundo humano que foi gerado durante aquela semana. Ao mesmo tempo, essa frase não exclui a possibilidade de outras criações fora da semana da criação.
APLICAÇÃO PARA A VIDA
No princípio, Deus. O evento da criação é o fundamento principal para a fé humana em Deus. Acreditar na criação, acreditar que devo minha existência e a realidade do mundo a Alguém que não vejo e que era antes de eu ser é o primeiro ato de fé. É digno de nota que a única definição bíblica de fé está relacionada à criação, de acordo com o que Paulo, o autor da Epístola aos Hebreus, descreveu: “Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se veem” (Hb 11:1). A criação é um evento na história que ocorreu quando os seres humanos ainda não estavam presentes para vê-lo e atestá-lo. Trata-se, portanto, de um evento por excelência que requer fé e, por implicação, é uma revelação de cima. Também é significativo que Paulo tenha começado sua lista de atos de fé com a criação: “Pela fé, entendemos que o universo foi formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não são visíveis” (Hb 11:3). O pensamento teológico, como a fé, deve primeiro começar com o reconhecimento da criação.
Perguntas para discussão e reflexão:
1. Como o fato de que a fé começa com a crença na criação afeta minha vida e minhas escolhas?
2. Que lição aprendemos com o fato de que não estivemos presentes para testemunhar a criação realizada pelas mãos divinas? O que aprendemos com a observância do descanso no sábado para celebrar o trabalho de Deus por nós?
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Comentário da Lição da Escola Sabatina – 2º Trimestre de 2022
Tema Geral: Gênesis
Lição 1 – 26 de março a 1 de abril de 2022
A criação
Autor: Wilian S. Cardoso
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega
O livro de Gênesis narra a criação do mundo – o Universo, a Terra, a humanidade e todas as outras formas de vida. Como o livro dos primórdios, ele revela o plano eterno dentro do coração de Deus de ter um povo próprio, separado para adorá-Lo. Gênesis é o livro de abertura da Bíblia e o primeiro dos cinco livros do Pentateuco. Na Bíblia Hebraica, Gênesis pertence à Torá, um termo hebraico que significa “lei”, ou, literalmente, “ensinamento”. Gênesis é chamado de livro dos começos ou livro das origens, pois a palavra grega génesis significa “origem” ou “nascimento”. Os antigos hebreus, no entanto, nomeavam seus documentos a partir da(s) palavra(s) mais significativa(s) na abertura do texto, por isso Gênesis é chamado de b’reshit, cuja tradução é “no princípio”, que é a expressão de abertura desse livro.
Ambos os títulos são bastante propícios, pois é o tema da criação que, de fato, prepara o cenário para o restante das Escrituras. Na verdade, a criação é o tópico pelo qual a Bíblia inicia e termina ao falar sobre a revelação de Deus. Sem o fundamento descritos nesse livro, o restante da Bíblia não teria sentido. Portanto, o tema principal em Gênesis é, obviamente, o começo – a criação. A obra relata as origens dos Céus e da Terra, de todas as coisas criadas, da família humana, do relacionamento de aliança de Deus com os humanos, do pecado, da redenção, das nações, das línguas e do povo escolhido de Deus. Em especial, Gênesis nos ensina sobre o problema do pecado e o plano da salvação de Deus. Revela o caráter de Deus e Sua busca incansável para restaurar a comunhão interrompida entre os seres humanos e Ele mesmo. As histórias em Gênesis revelam: a natureza de Deus como Criador, mas também como Redentor; o valor da vida do ser humano (criado à imagem de Deus); as terríveis consequências da desobediência e do pecado (separando o homem de Deus); e a maravilhosa promessa da salvação e do perdão através do Messias vindouro.
O tema da criação é tão significativo que está revelado não somente nas histórias de Gênesis como também na própria estrutura literária do livro. Gênesis é estruturado por 10 usos da palavra hebraica toldot, uma expressão que pode ter diferentes significados dependendo do contexto, mas que essencialmente se refere aos eventos que aconteceram a partir do advento do céu e da Terra – ou seja, toda a história humana, daí ela é traduzida como “gerações” ou “histórias”. E precisamente esse termo foi usado para abrir as várias seções dentro de todo o livro. Então, quando Gênesis 2:4 declara: “esta é a gênese [toldot] dos céus e da Terra”, e daí passa a contar a criação de Adão e Eva, devemos entender que o primeiro casal humano é uma geração fruto da história do céu e da Terra. Do mesmo modo, as toldot de Terá contêm as histórias de Abraão (11:27–25:11), e as toldot de Isaque é a longa história de Jacó (25:18–35:29). Nessa perspectiva, a história de vida de alguém é vista como algo “gerado” por um pai. Terá, por exemplo, não foi apenas pai de um filho chamado Abrão, mas gerou uma história que é representada na vida dele – um peregrino de fé, que deixou Ur e Harã, foi para o Egito, libertou Ló, gerou Ismael, intercedeu por Sodoma, etc. Ou seja, Terá “gerou” Abraão com sua história de vida. Da mesma forma, Deus gera os céus e a Terra para serem criadores de vida, os quais, por sua vez “geram” os seres humanos que interrompem essa história de vida pela inserção de um elemento novo – a morte, que surge pela geração do pecado. E, como consequência disso, uma nova geração de restauração é formada.
É interessante perceber o padrão bem estruturado de composição do livro que segue uma sequência entre narrativa e genealogia. Isso porque algumas dessas toldot são genealogias, enquanto outras introduzem longas seções narrativas (histórias). É curioso observar também que nas primeiras cinco gerações, o padrão genealogia e narrativa estão combinados, ou seja, a genealogia provê os atores da história que é narrada a seguir; porém, a partir de Terá essa inter-relação desaparece, pois enquanto Isaque e Jacó geram histórias sem genealogias explícitas, Ismael e Esaú, gerações de Abraão e Isaque, geram somente genealogias, sem histórias.
Introdução |
1:1 – 2:3 |
narrativa |
Toldot dos céus e da terra |
2:3 – 4:26 |
narrativa |
Toldot de Adão e Eva |
5:1 – 6:8 |
genealogia |
Toldot de Noé |
6:9 – 9:29 |
narrativa |
Toldot dos filhos de Noé |
10:1-31 |
genealogia |
Toldot de Sem |
11:10 – 11:26 |
genealogia |
Toldot de Terá |
11:27 – 25:11 |
narrativa |
Toldot de Ismael |
25:12-18 |
genealogia |
Toldot de Isaque |
25:19 – 35:29 |
narrativa |
Toldot de Esaú |
36:1 – 37:1 |
genealogia |
Toldot de Jacó |
37:2 – 50:26 |
narrativa |
Além disso, as narrativas se mantêm em um ciclo de personagem-queda-redenção, exceto, obviamente, a primeira, por ser a história-mor da criação, anterior a qualquer falha. Porém, assim como a história da criação termina com descanso, representado pelo sábado, os relatos pós-queda seguem o mesmo ciclo findando com uma perspectiva redentiva. De Adão surge Noé, o redentor do dilúvio; no fim do dilúvio, a aliança de Deus; a torre de Babel termina com Abraão, o fiel de Deus, e assim por diante. Em outras palavras, o sábado como final da primeira narrativa, o relato da criação em si, é um símbolo e vislumbre do que é a realidade criada por Deus. E essa realidade deve não apenas ser gerada na história de vida de Seus filhos como deve ser o objetivo dela. Não é por acaso que cada genealogia com narrativa traça um crescendo no propósito da história: Noé é um novo Adão; Abraão, um novo Noé; Jacó, um Abraão, etc. E cada uma das seções narrativas remonta à narrativa original do céu e da Terra. São novos Adãos e Evas, iniciando o projeto de desfazer a maldição e trazer de volta a história original da Terra. Porém, o retorno dessa história depende do povo de Deus. Ou seja, todo o mundo gera algo, mas é o povo de Deus que gera a história que pode recriar a realidade da primeira história. Porque história é aquilo que Deus gera e a criação é o princípio de toda a história.
Essa observação por si só nos ajuda a entender muito sobre o livro. Na criação dos céus e da Terra (Gn 1) e na criação dos seres humanos (Gn 2), Gênesis usa dois nomes distintos para se referir a Deus a fim de descrever Suas diferentes características. A razão para as diferenças de nomes tem a ver com a ênfase que o autor está dando. Elohim (Gn 1) é o nome geral para “Deus” e é usado no contexto de Deus como Criador. Enfatiza que Deus é distante e poderoso, e é usado para descrever Deus como Criador impressionante e majestoso. YHWH (“SENHOR”) é o nome pessoal de Deus e é usado no contexto de Deus em relacionamento com Seu povo, quando o Senhor está pessoalmente envolvido com a humanidade. Assim, embora Gênesis 1 apresente os céus e a Terra como geradores dos seres humanos, é Elohim o princípio de tudo. Ele não tem geração nem história, pois é o Gerador delas por meio daquilo que Ele cria. Os céus-Terra só têm existência por Sua vontade, e a partir deles Ele gerou a humanidade de forma pessoal e íntima, pois mesmo gerados da Terra, os seres humanos têm um Pai real, cuja história deveria ser representada pela existência de Seus filhos.
Enfim, entre muitas lições de Gênesis, ele nos lembra que somos histórias vivas de Deus. E que esse mundo é criação Dele, que, embora contaminado pelo pecado, somos gerados para, em nossa vida, restaurar a história original dos céus e da Terra, para finalmente descansar na geração original de Deus, o princípio da criação... a história final.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: Wilian Cardoso é casado com Carem Cardoso. É pai de Sarah Cardoso, Noah Cardoso e de Shai Cardoso. É bacharel em Teologia e Filosofia, mestre em Interpretação Bíblica e em Estudos do Antigo Oriente Médio. Trabalhou como pastor da Comunidade Judaico-Adventista de Manaus por 8 anos e também como professor de Filosofia e Sociologia. Atualmente trabalha como professor para Israel Institute of Biblical Studies filiado à Universidade Hebraica de Jerusalém e se dedica à família e à vida acadêmica.