“São estas as palavras que Moisés falou” (Dt 1:1). Assim começa o livro de Deuteronômio. Embora a presença de Moisés domine o livro, desde essas palavras até sua morte na terra de Moabe (Dt 34:5), Deuteronômio (como toda a Bíblia) é sobre o Senhor Jesus. Ele é Aquele que nos criou (Gn 1; 2; Jo 1:1-3), nos sustenta (Cl 1:15-17, Hb 1:3) e nos redime (Is 41:14, Tt 2:14). Em um sentido mais amplo, esse livro revela como o Senhor continuou a criar, sustentar e redimir Seu povo nesse momento crucial da história da salvação.
Quando os filhos de Israel estavam prestes a entrar em Canaã, Moisés lhes deu uma lição de história, tema que se repete em toda a Bíblia: lembre- se do que o Senhor fez por você no passado.
Deveríamos atentar para esse conselho, considerando que estamos nas fronteiras de uma terra prometida melhor: “Ao recapitular nossa história, revendo cada passo de nosso progresso até o momento atual [...] encho- me de admiração por Cristo e de confiança Nele como Líder. Nada temos a temer em relação ao futuro, a menos que nos esqueçamos da maneira pela qual o Senhor tem nos conduzido e de Seus ensinos em nosso passado” (Ellen G. White, Eventos Finais, p. 72).
A presença de Moisés é sentida em toda a Bíblia. Embora não seja mencionado até Êxodo 2:2, ele escreveu o livro de Gênesis, a história oficial sobre quem somos, como chegamos aqui, por que as coisas estão tão ruins e, ainda, por que podemos ter esperança. A criação, a queda, a promessa de redenção, o dilúvio, Abraão, o evangelho – todos têm suas raízes em Gênesis, e seu autor foi o profeta Moisés. É difícil avaliar adequadamente a influência que esse homem, mesmo longe de ser perfeito, foi capaz de exercer em nome de Deus, por amar o Senhor e querer servi-Lo.
1. Leia Êxodo 32:29-32. O que aprendemos sobre o caráter de Moisés? Apesar das falhas dele, por que o Senhor pôde usá-lo poderosamente?
Embora Moisés não tivesse nada a ver com o pecado no episódio descrito no texto, ele buscou interceder pelo povo pecador e estava disposto a perder até sua própria salvação por ele. Em Êxodo 32:32, quando Moisés pediu a Deus que lhes perdoasse os pecados, o verbo utilizado significa “suportar”. O profeta, compreendendo a gravidade do pecado e o que era necessário para expiá-lo, pediu a Deus que “carregasse” seu pecado. Essa é a única maneira pela qual um pecado pode ser perdoado.
Portanto, no início da Bíblia temos uma demonstração poderosa de substituição, na qual o próprio Deus, na pessoa de Jesus, suporta em Si mesmo o peso e a penalidade do nosso pecado – o caminho predeterminado por Deus para a salvação da humanidade enquanto esta permanece fiel aos princípios de Seu governo e de Sua lei.
Séculos mais tarde, Pedro escreveria sobre Jesus: “carregando Ele mesmo, em Seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Pelas feridas Dele vocês foram sarados” (1Pe 2:24).
Ao mesmo tempo, na reação de Moisés diante do pecado do povo o vemos no papel de intercessor em favor de um povo caído e pecador, sendo precursor de Jesus, nosso Intercessor (ver Hb 7:25).
Apesar de alguns erros que a ciência moderna tenta promulgar como verdade (como o equívoco de que o universo surgiu de “absolutamente nada”, ou de que a vida na Terra surgiu do acaso), a ciência abriu caminhos para a compreensão do surpreendente poder criativo de Deus. A harmonia, o equilíbrio, a precisão de muitos aspectos do mundo natural, mesmo em seu estado decaído, continuam a surpreender.
Se Deus é tão preciso com as coisas físicas, certamente é perfeito com as espirituais. No início de Deuteronômio, podemos aprender mais da incrível precisão divina.
2. Qual é o significado profético do fato de Deuteronômio 1:3 falar sobre o “quadragésimo ano”? Dt 1:1-6
O que aconteceu depois que Moisés enviou espias de Cades-Barneia para verificar a terra, e o povo rejeitou o chamado para tomá-la? Foi-lhes dito que não entrariam na terra prometida como esperavam. Quanto tempo passaria até que pudessem entrar? “Segundo o número dos dias em que vocês espiaram a terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, vocês levarão sobre si as suas iniquidades durante quarenta anos e terão experiência do Meu desagrado” (Nm 14:34).
Em resultado disso, Deuteronômio começa no quadragésimo ano. Ou seja, a palavra profética de Deus é tão confiável quanto o próprio Senhor, e nos versos iniciais desse livro vemos evidência disso. Deus sempre cumpre Sua palavra.
Esse não é o único período de tempo profético que se cumpriu conforme Deus disse. Encontramos em Daniel 9:24-27, por exemplo, o período de tempo para o ministério de Jesus. Vemos que “um tempo, tempos e metade de um tempo” (Dn 7:25; Ap 12:6, 14; 13:5) foi cumprido na história, bem como os 2.300 dias (Dn 8:14).
Além dos períodos precisos de tempo, as profecias de Daniel 2, 7, 8, que de forma tão certeira previram a história mundial, nos dão evidências esmagadoras da presciência, do controle e da confiabilidade divinos.
Após a longa jornada no deserto, o profeta Moisés (e podemos considerar que ele foi mais que um profeta) disse em nome do Senhor: “Eis aqui a terra que eu pus diante de vocês; entrem e tomem posse da terra que o Senhor, com juramento, deu a seus pais, a Abraão, Isaque e Jacó, a eles e à sua descendência depois deles” (Dt 1:8). Observe, entretanto, o que vem a seguir.
3. Leia Deuteronômio 1:9-11. Qual é o significado dessas palavras, à luz do fato de que os israelitas foram punidos pela rebelião em Cades-Barneia?
Em meio às peregrinações no deserto, eles foram abençoados pela graça: “Durante quarenta anos Tu os sustentaste no deserto, e nada lhes faltou; as roupas que eles usavam não envelheceram, e os seus pés não ficaram inchados” (Ne 9:21). E Moisés pediu a Deus que lhes multiplicasse mil vezes mais do que o Senhor já havia feito! 4. Leia Deuteronômio 1:12-17. Em resultado da bênção divina sobre eles, o que aconteceu e o que Moisés fez para lidar com a situação?
Mesmo quando o Senhor estava presente entre eles, havia a necessidade de organização, de um sistema de prestação de contas. Israel era um qahal, uma congregação organizada (Dt 31:30), precursora da ekklesia do NT, palavra grega para “igreja” (Mt 16:18). Apesar de trabalhar em um contexto diferente, Paulo nunca esteve longe de suas raízes judaicas. Em 1 Coríntios 12, ele delineou a necessidade de pessoas qualificadas para assumir papéis para o bom funcionamento do corpo, assim como vemos em Deuteronômio o qahal no deserto. A igreja no presente, assim como o qahal daquela época, precisa ser um corpo unificado com pessoas desempenhando vários papéis segundo seus dons.
Apesar dos protestos de algumas pessoas contra a religião “organizada” (prefeririam a religião “desorganizada”?), a Bíblia, em especial o NT, não reconhece outro tipo de igreja além da organizada.
Uma sombra paira sobre as primeiras partes de Deuteronômio: o relato de Cades-Barneia. Essa história infeliz definiu o primeiro cenário relatado no livro, e vale a pena recapitulá-la.
5. Leia Números 14. Como o povo reagiu ao relato dos espias e quais foram os resultados dessa reação? (Leia também Dt 1:20-46.)
Podemos tirar muitas lições importantes dessa história. Outra boa lição de Deuteronômio também pode ser encontrada em Números 14.
6. Leia Números 14:11-20. Embora Moisés intercedesse mais uma vez, qual foi seu argumento para que o Senhor não destruísse o povo?
Pense no que Moisés disse a Deus: se fizer isso, como aparecerá aos olhos dos egípcios e das outras nações? Esse ponto é importante, pois tudo o que Deus queria fazer com Israel não era apenas para o bem desse povo, mas da humanidade. A nação de Israel deveria ser uma luz para o mundo, testemunha sobre o amor, o poder e a salvação encontrados em Deus, não nos ídolos sem valor.
Porém, como Moisés disse, se o Senhor acabasse com esse povo, o que aconteceria? As nações diriam: “Visto que o Senhor não conseguiu fazer este povo entrar na terra que lhe prometeu com juramento, matou-os no deserto” (Nm 14:16).
O relato contém um tema encontrado na Bíblia: Deus deve ser glorificado em Seu povo. A glória, a bondade, o amor e o poder divinos devem ser revelados em Sua igreja, pelo que Ele faz por meio de Seu povo. Nem sempre as pessoas tornam isso fácil, mas no final das contas Deus quer ser glorificado por meio de suas ações.
Em Deuteronômio 2 e 3, Moisés continuou a recontar a história israelita e como, com a bênção divina, eles derrotaram seus inimigos. Quando foram fiéis, Deus lhes deu a vitória, mesmo sobre gigantes (Dt 2:11, 20; 3:13).
Isso traz à tona o incômodo assunto da destruição dessas pessoas. Embora os filhos de Israel muitas vezes falassem primeiro de paz a uma nação (Dt 20:10, 11), se aquele povo não aceitasse a oferta, algumas vezes os israelitas o destruía, incluindo mulheres e crianças. “E o Senhor, nosso Deus, o entregou em nossas mãos e nós o derrotamos, a ele, aos filhos dele e a todo o seu povo. Naquele tempo, tomamos todas as suas cidades e a cada uma destruímos com os seus homens, mulheres e crianças; não deixamos nenhum sobrevivente” (Dt 2:33, 34).
Alguns tentam contornar isso dizendo que essas histórias não são verdadeiras. No entanto, por crermos que “toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3:16), essa não é uma opção viável para adventistas do sétimo dia.
7. Leia Gênesis 15:1-16. O que Deus disse a Abraão em Gênesis 15:16, e como isso esclarece esse assunto difícil?
Não há dúvida de que muitas dessas nações pagãs eram extremamente brutais e cruéis e, com razão, poderiam ter sofrido a ira e o castigo de Deus muito antes. Mesmo que Deus esperasse pacientemente que mudassem seus caminhos, e eles não mudassem, isso ainda não altera a dura realidade sobre a morte de todos, incluindo crianças.
Por enquanto, dadas as informações limitadas sobre o contexto dos acontecimentos, aceitamos a realidade e confiamos na bondade divina, revelada de tantas outras maneiras. Fé não é apenas amar a Deus quando tudo está bem, mas é confiar Nele, apesar do que não entendemos totalmente.
Um erudito busca responder às perguntas sobre o que ocorreu com essas nações:
“Como Criador [...], Deus pode fazer o que quiser com as pessoas e estar certo.
“Os caminhos de Deus são mistérios. Nunca O entenderemos completamente. Por isso, não devemos nos preocupar com isso. Isaías 55:8, 9 pode servir de consolo.
“De acordo com a descrição bíblica, os cananeus eram extremamente perversos, e sua aniquilação representou o juízo divino pelos seus pecados. Sua destruição não foi nem a primeira, nem a última que Deus consumou. As diferenças entre o destino dos cananeus e o destino da humanidade (exceto para a família de Noé), conforme descrito em Gênesis 6–9, envolvem proporção e mediação.
“Deus nunca pretendeu que os israelitas praticassem a política do herem (destruição total) como uma política geral para os de fora. Deuteronômio 7:1 identifica e, portanto, delimita os povos-alvo. Os israelitas não deviam seguir essas políticas contra os arameus, edomitas, egípcios nem qualquer outra nação (cf. Dt 20:10-18).
“Os cananeus sofreram o destino que todos os pecadores enfrentarão: o juízo.
“A eliminação dos cananeus foi um passo necessário na história da salvação.
“Embora os cananeus fossem alvos do juízo, tiveram pelo menos quarenta anos de advertência prévia (ver a confissão de Raabe em Josué 2:8-11)” (Daniel I. Block, The NIV Application Commentary: Deuteronomy [Zondervan, 2012], p. 98, 99).
Perguntas para consideração
1. No milênio, as perguntas serão respondidas. Isso nos ajuda a confiar em Deus?
2. O modo pelo qual Deus guiou você no passado o ajuda a confiar Nele quanto ao futuro?
3. Seria correto perder a vida para salvar o povo, sabendo do custo para resgatá-la?
Respostas e atividades da semana: 1. A atitude abnegada de Moisés revela amor e compaixão. Deus deseja líderes assim em Sua obra. 2. Foi o tempo determinado por Deus para que entrassem na terra prometida. 3. Deus não lhes reteve as bênçãos. 4. O povo era muito numeroso. Moisés indicou líderes e juízes. 5. Temeram, em vez de confiar em Deus. Por isso, vagaram durante 40 anos no deserto. 6. Que Deus devia ser glorificado em Seu povo. 7. Deus esperou por muito tempo o arrependimento dos amorreus, mas a medida da sua iniquidade se encheu, e eles foram punidos.
TEXTOS-CHAVES: 1Co 10:3, 4; Dt 1:30
FOCO DO ESTUDO: Dt 1–3; Êx 32:29-32; Nm 14; Ef 3:10; Gn 15:1-16; Jo 14:9
ESBOÇO
De acordo com a estrutura do livro (que segue a da aliança), o discurso de Moisés começa com um “prefácio” (Dt 1:1-5), que tem duas funções. Primeira: sinalizar a natureza do conteúdo do livro, conforme representado pela frase “são estas as palavras” (Dt 1:1). Estas “palavras” referem-se não apenas às palavras de Moisés como profeta e líder de Israel, mas também às “palavras” de Deus, Seus mandamentos (compare Nm 36:13), que Moisés explicou posteriormente (Dt 1:5), e à ação divina nos eventos da história da salvação. Segunda: indicar o lugar e o tempo do último testemunho de Moisés ao povo: “a leste do Jordão” (Dt 1:1), que é a Transjordânia, de frente para a terra prometida (Nm 36:13), “no quadragésimo ano” (Dt 1:3), isto é, o último ano da jornada de Israel no deserto.
Após o “prefácio”, vem um prólogo histórico que analisa os eventos históricos dos quais Moisés tirou lições para o povo.
Temas da lição
• Lembre-se e espere.
• Deus luta por você.
• Deus cumpre Suas palavras.
• Graça e justiça.
COMENTÁRIO
A revisão histórica de Moisés abrange os três eventos principais da jornada dos israelitas: a aliança de Deus com Seu povo em Horebe (Dt 1:6-18), a rebelião do povo em Cades-Barneia (Dt 1:19-46) e finalmente a conquista de Gileade (Dt 2:1–3:29).
Deus fez uma aliança em Horebe (Dt 1:6-18)
Horebe é o lugar em que Deus Se manifestou. Horebe e Sinai referem-se ao mesmo lugar, a montanha onde Deus Se revelou a Israel, fez uma aliança com o povo e deu-lhe a Sua lei (Êx 3:1). Moisés enfatizou o estreito vínculo entre Israel e Deus, que é chamado de o “Senhor, nosso Deus” (Dt 1:6), um título usado com frequência no livro de Deuteronômio. Moisés lembrou ao povo o chamado divino para agir: “Vocês já ficaram bastante tempo neste monte” (Dt 1:6).
Por mais importante que fosse esse grande momento de adoração, Deus considerou que era hora de agir. O Deus de Israel não é o Deus dos mosteiros. Ele não é o Deusapenas de orações e meditação; Ele também é o Deus que exorta Seu povo a ir adiante e tomar posse da terra prometida aos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó (Dt 1:8; compare com Gn 12:7). É por isso que Deus é chamado de “o Senhor, Deus dos pais de vocês” (Dt 1:11). Esse evento é, portanto, apresentado como o cumprimento das palavras divinas. Isso se confirma com a referência de Moisés à natureza do povo, que então havia se multiplicado mil vezes e se tornado “como as estrelas do céu” (Dt 1:10), algo maravilhoso que também é resultado da promessa divina (compare com Gn 15:5; 22:17). Essa ação requer não apenas o árduo dever de se preparar para a guerra, mas também a necessidade de se organizar como nação; eles deveriam prover-se de juízes sábios (Dt 1:13) e justos (Dt 1:16).
Perguntas para discussão e reflexão: Por que Deus é chamado de “Deus de seus pais”? Quão importante é a lembrança dos patriarcas em nossa religião atual? Esse título sugere uma religião que se concentra apenas no passado? Por quê?
A rebelião do povo em Cades-Barneia (Dt 1:19-46)
Moisés descreveu essa região como o lugar “que o Senhor, nosso Deus, nos dá” (Dt 1:20). Observe o tempo verbal, o que enfatiza a realidade e a certeza do presente divino. Moisés lembra a Israel que, apesar do encorajamento de Deus (Dt 1:20, 21) e da garantia de que o Senhor lutaria por eles como tinha lutado no Egito (Dt 1:30; compare com Êx 14:14), o povo duvidou, teve medo e se recusou a correr riscos (Dt 1:32). O povo cometeu dois erros.
Primeiro, enviou espiões para avaliar o poder dos habitantes. Quando os espias viram que os nativos da terra eram fortes e gigantes, ficaram com medo e se recusaram a entrar. Em segundo lugar, quando Israel entendeu que Deus estava aborrecido por causa de sua falta de fé, ele decidiu ir sozinho e lutar presunçosamente contra os inimigos sem o apoio divino. Como resultado, não apenas perdeu a oportunidade de entrar na terra de imediato, sofrendo assim grande prejuízo, mas Deus lhe “havia jurado” que vagaria pelo deserto por 40 anos (Dt 2:14). A mesma frase é usada para se referir ao juramento que Deus fez a seus pais. A data “quadragésimo ano” é, ironicamente, outro lembrete de que o Senhor cumpre Sua palavra. Moisés usou todos esses eventos para fazer Israel se lembrar da promessa divina e também para alertar o povo, antes que cruzasse o Jordão, de que devia aprender uma lição do passado para que pudesse garantir seu futuro.
Perguntas para discussão e reflexão: Que lição de fé está contida nas repetidas palavras de Moisés: “Deus lutará por vocês”? Como essas palavras explicam o método de conquista que Deus tinha em mente para Seu povo? Por que os israelitas falharam quando foram lutar sozinhos?
A conquista da terra prometida (Dt 2:1–3:29)
Depois de ter passado muito tempo em Cades-Barneia, os israelitas voltaram-se novamente para o norte, na direção da terra prometida, mas não conquistaram a terra de imediato. É interessante que eles primeiro tiveram que passar por povos e terras não incluídas na promessa divina a eles, como Edom, Moabe e Amon, e, portanto, não os confrontaram. Em sua jornada de 40 anos andando por um “grande deserto”, viram o quanto Deus os protegeu e cuidou deles (Dt 2:7). Somente quando a “geração rebelde” havia morrido, Israel passou a possuir a terra. Um por um, os inimigos cananeus foram derrotados e expropriados de suas terras. Então os israelitas tomaram posse da terra e a distribuição foi organizada.
Os problemas da conquista
A narrativa bíblica sobre a conquista da terra concentra-se nas vitórias, sem tratar diretamente dos delicados e complexos problemas éticos associados a esse processo. O texto bíblico apresenta, no entanto, uma série de pistas e princípios que ajudam a resolver esses problemas:
• Deus dá. Deus é o dono e doador da terra. Esse princípio é afirmado várias vezes (Dt 1:8, 20, 25, 35). Portanto, nem toda a terra foi dada aos israelitas. Deus deu algumas partes a Edom, como descendente de Esaú (Dt 2:5), e a Moabe e Amon, como descendentes de Ló (Dt 2:9, 19).
• Deus tira. Deus não deu a terra à geração rebelde de israelitas, que vagou pelo deserto durante 40 anos. Observe que nem Moisés pôde desfrutar da terra porque também falhou em confiar no Senhor (Dt 3:27). Deus tirou a terra dos amorreus porque haviam atingido o limite da sua iniquidade (Gn 15:16). O impedimento da entrada da primeira geração de israelitas na terra e sua morte no deserto devem ser entendidos como resultados do juízo divino, assim como a destruição ou expulsão dos cananeus.
• Deus luta. Esse princípio, que é repetido novamente a Josué (Dt 3:22), sugere que Deus foi o autor do juízo. Observe que o juízo, que implica a erradicação do mal, também é um ato de graça em favor do povo de Deus.
Perspectiva escatológica
Observe a aplicação escatológica e messiânica de Ellen G. White sobre a visão profética de Abraão acerca da conquista da terra prometida em Gênesis 15:16-18: “Então, a voz de Deus foi ouvida, ordenando-lhe que não esperasse a posse imediata da terra prometida e indicando no futuro os sofrimentos de sua posteridade antes de seu estabelecimento em Canaã. O plano da redenção foi-lhe desvendado, em relação tanto à morte de Cristo, o grande sacrifício, quanto à Sua vinda em glória. Abraão viu também a Terra restabelecida à sua beleza edênica, para lhe ser dada em possessão eterna, como o cumprimento final e completo da promessa” (Patriarcas e Profetas, p. 137, grifo nosso).
Perguntas para discussão e reflexão: Por que foi necessário para o plano mais amplo da salvação que os israelitas possuíssem a terra de Canaã? Por que a terra de Canaã é descrita em termos que lembram o jardim do Éden? Por que a santidade ideal requer a erradicação total do mal?
APLICAÇÃO PARA A VIDA
Um homem sábio disse: “A maior parte das minhas preocupações nunca aconteceram.” Por que essa reflexão é particularmente verdadeira para o cristão? Suponha que você esteja lidando com uma situação difícil e se sinta preocupado com isso. Como a promessa de que “Deus lutará por você” o ajuda a administrar as preocupações? Por que a fé no Senhor, de fato, alivia o estresse e facilita a vitória?
Verdade perfeita
Qual é a ano mais importante do Ensino Médio? Na Mongólia, é o último ano do Ensino Médio. Nesse período, os alunos, além da graduação, precisam fazer uma prova importante para determinar se podem ir à universidade ou não.
Para Boonoo, o último ano do Ensino Médio teve um extra especial, porque foi o ano em que ele foi batizado. Dois missionários chegaram à a sua pequena cidade e realizaram um curso para deixar de fumar na escola de Ensino Médio local. Boonoo não fumava, mas ela assistiu às as aulas porque não havia nada mais interessante para fazer. Ela gostou dos missionários e, alegremente, aceitou o convite para estudar a Bíblia em sua casa. Em pouco tempo, começou a amar a Jesus e foi batizada.
Depois do batismo, Boonoo levou a sério a preparação para o vestibular. Se ela conseguisse uma nota alta, poderia escolher a universidade. Muitos colegas contrataram professores particulares a fim de se prepararem para o exame. Os estudantes que se interessavam no curso de História estudavam para o exame dessa matéria. Aqueles que queriam cursar Enfermagem, estudavam para o exame médico. Boonoo gostava muito de Matemática, mas não tinha condições financeiras para pagar um professor particular. Então, ela orou: “Querido Deus, irei estudar por minha conta, e me prepararei solucionando cinco problemas de matemática diariamente. Por favor, me ajude.”
Finalmente, o dia da prova chegou. Todos os formandos do Ensino Médio de toda a província se reuniram na principal escola da cidade. Aproximadamente 600 alunos se uniram a Boonoo para a prova de Matemática. Quem conseguisse a nota mais alta poderia escolher a universidade primeiro. Boonoo orou: “Deus, esteja comigo.”
Então, o exame começou. O professor fechou a porta e disse que os alunos não poderiam sair até terminarem e as provas serem corrigidas. Depois de terminarem a prova, permaneceram na sala de aula. E esperaram muito tempo. Alguns pais passavam algum alimento através da janela.
Finalmente, o professor reapareceu e anunciou que o resultado só seria anunciado no dia seguinte. Então, despediu os alunos, permitindo que fossem para casa naquela noite. Ao acordar na manhã seguinte, Boonoo viu que havia chovido. Tudo estava limpo e o sol estava brilhando. Em seu coração, ouviu as palavras de uma música que os adventistas mongoles costumam cantar: “Seu amor é maior que o céu. Seu amor é mais profundo que o mar.” Boonoo não estava preocupada com a prova, e simplesmente louvou a Deus.
Ao chegar à escola, ela viu que os alunos se aglomeravam ao redor do quadro de avisos com a lista de notas. Não conseguindo se aproximar, pediu ajuda a um rapaz: “Você pode ver meu nome?”, ela perguntou. “Meu nome está entre os dez primeiros nomes?” Seu coração entristeceu quando o garoto respondeu: “Não.”
Mas, quando ele mesma se aproximou, viu seu nome em quinto lugar. Boonoo mal podia acreditar! Em seguida, o professor devolveu as provas e ela notou que só errara uma das 40 equações matemáticas. Em seguida, olhou com mais cuidado e percebeu que o professor cometera um erro. Ela havia respondido corretamente. Boonoo mostrou o erro para o professor, mas ele recusou a mudar a nota. Ele disse que se mudasse, teria que verificar todos os testes. Boonoo ficou chateada. Ela queria uma nota perfeita. Porém, lembrou-se de que havia orado e que Deus lhe ajudaria. A nota final estava em Suas mãos.
Então, chegou o momento de os alunos escolherem suas universidades. O aluno que havia tirado a nota mais alta escolheu uma universidade. Em seguida, o segundo lugar. Finalmente, chegou a vez de Boonoo. Ninguém havia escolhido a Universidade Nacional da Mongólia, então ela escolheu essa instituição. “Essa foi a vontade de Deus”, disse Boonoo. “Ele sabia que eu não tinha a nota mais alta para matricular na universidade. Eu só precisava confiar perfeitamente Nele.”
Atualmente, Boonoo tem 29 anos e usa seu conhecimento matemático como contadora-chefe da ADRA da Mongólia. Ela e seu esposo formaram o único Clube de Desbravadores da Mongólia. A igreja se reúne em sua casa, um tradicional yurt mongol.
Muito agradecemos pelas ofertas trimestrais doadas há três anos, que ajudaram a abrir a primeira adventista de Ensino Médio na Mongólia. As ofertas do trimestre ajudarão a abrir um Centro de Estilo de Vida Adventista na capital da Mongólia, Ulaanbaatar.
Informações adicionais
• Pronúncia de Boonoo: .
• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.
• Para mais notícias do Informativo Mundial das Missões e outras informações
da Divisão do Pacífico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.
Essa história ilustra os seguintes componentes do plano estratégico "I will go" da Igreja Adventista do Sétimo Dia: Objetivo de Crescimento Espiritual No. 6 – "aumentar a adesão, retenção, recuperação e participação de crianças, jovens e adultos jovens", e Objetivo de Crescimento Espiritual No. 7 – "ajudar jovens e adultos jovens a colocar Deus em primeiro lugar e exemplificar uma visão de mundo bíblica". Saiba mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021
Tema Geral: A verdade presente em Deuteronômio
Lição 2 – 2 a 8 de outubro de 2021
A lição da história de Moisés
Autor: Sérgio H. S. Monteiro
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega
Como dito na Introdução Geral a Deuteronômio, é importante manter sempre em mente que o livro é constituído de discursos de despedida e rememoração do grande líder, Moisés. Os primeiros capítulos já apresentam de forma direta o primeiro discurso de Moisés, cujo objetivo, como dito na introdução, era lembrar o povo de quem ele era e como havia chegado até ali. Não obstante, a emotiva introdução também nos apresenta os resultados das ações do povo sobre Moisés.
Um ponto importante da história bíblica é a posição de destaque que Moisés ocupa. Ele será lembrado como o servo do Senhor (Js 2:2), e de tal modo se confunde com a Lei que seu nome passou a significar todo o sistema de leis que ele legou a Israel, mesmo não sendo ele mesmo a origem da Lei. Esse fenômeno, por um lado positivo, demonstra a grandiosidade do líder que foi Moisés e o impacto que sua personalidade deixou sobre Israel, não apenas naquela geração no deserto, mas também nas gerações posteriores. Por outro lado, essa centralização na figura de Moisés – e dos próprios patriarcas em outro plano – foi uma das razões sempre presentes e subjacentes às rebeliões e apostasias posteriores do povo.
Primeiro, é preciso pensar e refletir por que o fenômeno negativo ocorreu. E isso não é difícil de explicar, uma vez que o fenômeno religioso, dentro das Escrituras, não é a centralização no homem, seja ele um líder, sacerdote ou rei. Na verdade, no próprio Deuteronômio encontramos, não apenas uma, mas duas vezes em textos-chaves , declarações sobre a centralidade de Deus para a fé israelita (Dt. 6:4-10;26:1-10). Se Deus ocupava a centralidade, como poderia Moisés ocupá-la? Não é possível haver dois senhores. Flávio Josefo, em seu Antiguidades Judaicas 4, parágrafo 424, percebendo o paradoxo, afirmou que a ascensão de Moisés foi registrada como morte em Deuteronômio, por causa de sua humildade e pelo temor de que o povo o adorasse. O próprio Deus, em Deuteronômio 31:16, 17 prediz a apostasia após a morte de Moisés, indiretamente dizendo também que a fidelidade do povo não era para com o Senhor, mas para com Moisés. Outro evento que nos fortalece essa convicção é a história do bezerro de ouro relatada em Êxodo 32, quando o povo afirma que Moisés os havia tirado “da terra do Egito”. Em suma, temos um quadro completo de transferência da centralidade de Deus para Moisés, um quadro que continuou no período da monarquia, durante o tempo do NT e chegou aos nossos dias.
No espectro positivo, salta aos olhos a capacidade de Moisés influenciar aquele povo. Seu testemunho histórico e de fé possui um poder quase inigualável na história de Israel, e, eu diria, da humanidade. Ele suportou a perda da corte egípcia, a vida de privações no deserto de Midiã, enfrentou o faraó, então rei do maior império da Terra, aos 80 anos iniciou uma jornada guiando dois milhões de pessoas, uma multidão heterogênea, composta não mais apenas pelos descendentes de Jacó, mas por multidões que, por fé ou medo, se haviam unido àquele povo, carregando ainda, contudo, pensamentos, ideias e concepções de mundo anteriores que influenciariam sua visão da promessa e de Deus, e teriam também impacto sobre o povo ao qual eles se uniram. E quem tinha sobre si a responsabilidade de filtrar a influência dessa multidão de estrangeiros e moldar positivamente os descendentes de Jacó era Moisés. Por mais que tenhamos como resultado da apostasia constante de Israel, em vários períodos, a sensação de que o povo falhou e, portanto, Moisés também falhou, muito dessa sensação, não passa de uma visão substitucionista necessária à construção de uma narrativa de oposição entre “eles” (Israel natural) e “nós” (Israel espiritual), quando a mensagem bíblica é da inexistência dessa dicotomia e da união entre todos os que aceitam a mensagem de um Único Deus, numa fé única é unificadora, a fé do Messias.
Essa mensagem bíblica deveria ser o âmago do nosso discurso, pois é a clara mensagem identificada tanto no Pentateuco, na promessa de que as famílias da Terra seriam benditas em Abrão (Gn 12), quanto nos profetas, como Jeremias (31:34ss) e Daniel (9:27) e reverberada por Paulo em Romanos 9 a 11. Jeremias, no mesmo contexto da proclamação da renovação da aliança, por exemplo, fala da continuidade da nação de Israel diante de Deus, em uma clara referência à sua condição de povo de Deus. Já Daniel afirma que o Messias iria fortalecer uma aliança com muitos (rabbim). O termo hebraico rabbim possui forte conotação universal, indicando que a aliança não se restringiria mais ao povo judeu, mas seria universalizada através do Messias. E esse é o coração da mensagem paulina em Romanos 9-11: Longe de excluir Israel para adquirir outro povo, Deus expandiu as bênçãos da aliança para outros povos, transformando todos em uma única nação, o todo Israel. Não é preciso, nem necessário, diz Paulo acentuar as falhas de Israel, ou mesmo a rejeição do Messias por parte dos judeus. A mensagem deve ser de esperança, acentuando e anunciando que, mesmo na falha e apesar dela ou delas, há ainda redenção para o povo judeu, pois Deus sempre salva pessoas.
Na verdade, Moisés não falhou. Ele imprimiu no povo de Israel uma parte do que se chama nefesh yehud, ou alma judaica, cujas características incluem um amor inamovível por Deus, obediência completa à Lei, como expressão da vontade do Deus da aliança. Essas características aumentaram com o tempo, mas acabaram por mesclar-se com as influências externas que pressionaram Israel durante sua formação. O produto dessa junção, não Moisés, foi a causa principal do papel central que o próprio Moisés alcançou, em muitos casos, sendo posto acima da Lei que ele transmitiu e do Deus sobre o qual ele ensinou e representou.
Entender, portanto, quem foi Moisés é importante em nossa busca para compreender o Deuteronômio em primeira instância, mas, em uma visão mais ampla, na compreensão da própria fé de Israel. Ajuda-nos também a compreender o impacto da construção de uma história de comunhão com Deus, que torna o povo consciente de seu papel como instrumento: não é ele quem irá julgar, pois o juízo é de Deus, mas ele irá ouvir (Dt 1:17c), assim como eles deveriam ouvir a todos em juízo (Dt 1:17a). É pelo seu exemplo que eles deveriam ser convencidos a servir a Deus, não apenas por sua ordem. E exemplos são a face testemunhal de uma história.
Por fim, resta-nos refletir sobre a diferença do relato do envio dos espias no discurso de Moisés, nos versos 19 e seguintes e o que foi escrito no capítulo 13 de Números, pelo próprio Moisés. Ali, em Números, a iniciativa de envio dos espias parece ser de Deus, enquanto aqui em Deuteronômio 1:22, Moisés afirma que esse foi um pedido do povo, que agradou a Moisés. Afinal, donde se originou a ideia dos espias? Do povo ou de Deus? Ademais, a motivação do seu envio em Números parece estar associada com preparativos de invasão, enquanto no discurso de Moisés, o objetivo é menos guerreiro. Ademais, os espias incitaram a rebelião e dela participaram, como parece claro em Números 13:27-29, ou foi o povo quem se recusou a subir, como dito em Deuteronômio 1:26?
Uma forma de compreender essas aparentes contradições é prestar a tenção em detalhes de cada texto e nas interações entre os participantes de cada narrativa:
1. Não há contradição real entre a declaração inicial de Números 13, que afirma haver sido de Deus a iniciativa de enviar os espias, e a de Deuteronômio 1:22, que indica que foi uma solicitação do povo. O texto de Números dá indicativos de que Deus está respondendo a uma ação por parte de Moisés, ou do povo, através de Moisés. Em hebraico, a expressão “envia”, em Números 13:2, é literalmente “envia para ti” (shelach lechah), o que pode ser tomado como indicativo de uma permissão ou concordância divina com a ideia proposta pelo povo e trazida a Deus por Moisés.
2. Tampouco é preciso enxergar qualquer contradição na motivação do povo, uma vez que, como vimos em Números, Deus está respondendo à iniciativa do povo. Assim, Sua permissão inclui uma correção da motivação do povo. Ademais, não é correto pensar que em Números haja qualquer motivação beligerante. De fato, o termo tur, utilizado para o ato de espiar, não possui conotação militar, mas está mais associado com a ideia de “considerar cuidadosamente”, “reconhecer”, e em línguas irmãs do hebraico, o sentido de “compreender”. A ideia, portanto, pode ser vista como uma forma de matar a curiosidade do povo, permitir que eles compreendessem a veracidade da promessa, o que, de fato, é a raison d’etré subjacente ao discurso de Moisés em Deuteronômio 1. A razão dada pelo povo é justamente a necessidade de possuir comprovação material do que haviam vivido pela fé até ali. Eles queriam que alguém, de seu próprio meio, a eles mostrasse o caminho para a terra.
3. De fato, o próprio texto de Deuteronômio responde informando que a recusa do povo em subir foi causada pelo relatório trazido pelos espias. Esse relatório incluía a presença de nações poderosas (v. 28). Ao mesmo tempo, há uma concordância essencial entre os discursos de ambos os livros, uma vez que em Números 13, é dito que Calebe silenciou o povo, não os espias, indicando, logicamente, que o povo havia se rebelado e murmurado, ao mesmo tempo em que ouviam os espias (Nm 13:30).
Em suma, é possível entender as ditas contradições a partir da compreensão do ponto de vista de cada narrativa. Não obstante, um aspecto brota de ambos igualmente: o povo deixou de olhar para Deus e passou a observar a si mesmo. Diferente do exemplo de seu líder, Moisés, eles perderam de vista o poder e a bondade demonstrada por Deus em todos os eventos passados. Haviam andado com Deus, mas não construíram uma história com Ele. E por isso, a geração que ali estava escutando Moisés, não era aquela que saiu do Egito. A essa nova geração foi dada a oportunidade de construir uma nova história.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021
Tema Geral: Deuteronômio
Introdução a Deuteronômio
Autor: Sérgio H. S. Monteiro
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Rosemara Santos
Nome do livro
O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).
Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.
Autoria e data
De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.
A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.
Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.
Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.
Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.
Crítica textual
Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.
O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.
Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.
O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).
A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.
A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.
Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.
Estrutura
O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:
I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43
II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19
III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20
IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30
V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43
VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29
VII. A Morte de Moisés, 34:1-12
Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.
Temas
São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.
Deus
Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!
Israel
É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.
Aliança
É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.
Lendo Deuteronômio
Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.
Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:
1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;
2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.
3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.
O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.
E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.
Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.