Chegamos ao centro do livro de Gênesis. A seção central (Gn 12–22) contempla a jornada de Abraão, desde o primeiro chamado divino, “Vá!” [lekh lekha] (Gn 12:1), o que fez com que deixasse seu passado, até o segundo chamado divino, “Vá!” [lekh lekha] (Gn 22:2), o que o levou a deixar seu futuro (como esse futuro existiria em seu filho). Como resultado, Abraão esteve sempre em movimento, sendo sempre um migrante, razão pela qual também foi chamado de “estrangeiro” (Gn 17:8).
Em sua jornada, esteve suspenso no vazio, sem seu passado, que ele havia perdido, e sem seu futuro, que ele ainda não via. Entre esses dois chamados, que estruturam sua jornada de fé, Abraão ouvia a voz divina, que o tranquilizava: “Não tenha medo” (Gn 15:1). Essas três palavras marcam as três seções da jornada abraâmica, que serão estudadas nas semanas 6, 7 e 8.
Abraão exemplifica a fé (Gn 15:6) e é lembrado nas Escrituras hebraicas como o homem de fé (Ne 9:7, 8). No NT, ele é uma das figuras mais citadas do AT, e nesta semana começaremos a entender o porquê.
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1. Leia Gênesis 12:1-9. Por que Deus chamou Abrão para deixar seu país e sua família? Como ele reagiu?
A última vez que Deus havia falado com alguém, conforme as Escrituras, foi com Noé depois do dilúvio, para tranquilizá-lo com a promessa de que Ele estabeleceria uma aliança com toda a carne (Gn 9:15-17) e de que jamais haveria outra inundação mundial. A nova palavra de Deus, então para Abrão, se reconecta a esta promessa: todas as nações da Terra seriam abençoadas por meio do patriarca.
O cumprimento dessa profecia começa com o abandono do passado. Abrão deixou tudo o que era familiar para ele, seus parentes e seu país, e até uma parte de si mesmo. A intensidade dessa partida se reflete na repetição da palavra-chave “vá”, que ocorre sete vezes nesse contexto. Abrão deveria primeiro deixar seu país, “Ur dos caldeus”, que também era Babilônia (Gn 11:31; Is 13:19). Esse chamado para “sair da Babilônia” tem uma longa história entre os profetas bíblicos (Is 48:20; Ap 18:4).
A partida de Abrão envolveu sua família. Ele deveria deixar sua herança e muito do que havia aprendido e adquirido, bem como sua educação e influência.
No entanto, o chamado divino para ir envolvia ainda mais. A frase hebraica lekh lekha, “vá”, significa “vá você mesmo” ou “vá por si mesmo”. A partida de Abrão de Babilônia envolvia mais do que o meio onde ele vivia, ou mesmo sua parentela. A frase hebraica sugere uma ênfase em si mesmo. Abrão tinha que deixar a si mesmo para se livrar da parte de si mesmo que continha seu passado babilônico.
O objetivo dessa partida era “uma terra” que Deus lhe mostraria. A mesma linguagem foi usada no contexto do sacrifício de Isaque (Gn 22:2), para se referir ao monte Moriá, onde seu filho seria oferecido e onde o templo seria construído (2Cr 3:1). A promessa não é apenas sobre uma pátria física, mas sobre a salvação do mundo, o que é reafirmado na promessa de bênção para todas as nações (Gn 12:2, 3). O verbo barakh, “abençoar”, aparece cinco vezes nessa passagem. O processo dessa bênção universal se daria por meio da “descendência” de Abrão (Gn 22:18; 26:4; 28:14). O texto se refere à “descendência” que seria cumprida em Cristo (At 3:25).
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2. Leia Gênesis 12:10-20. Por que Abrão deixou a terra prometida para ir ao Egito? Como o Faraó se comportou em comparação a Abrão?
Ironicamente, Abrão, que havia acabado de chegar à terra prometida, decidiu deixá-la e ir para o Egito porque “havia fome naquela terra” (Gn 12:10). Textos egípcios antigos mostram pessoas de Canaã indo para o Egito em tempos de fome. No ensinamento egípcio de Merikare, texto da época do Império Médio (2060–1700 a.C.), pessoas vindas de Canaã são identificadas como “miseráveis asiáticos” (aamu) e descritas como pessoas “com falta de água [...], que não habitam um lugar; a comida impulsiona suas pernas” (Miriam Lichtheim, Ancient Egyptian Literature, v. I: The Old and Middle Kingdoms [Berkeley, CA: University of California, 1973], p. 103, 104).
A tentação do Egito era um problema frequente para os israelitas (Nm 14:3; Jr 2:18). O Egito se tornou um símbolo de seres humanos que confiam em seres humanos em vez de Deus (2Rs 18:21; Is 36:6, 9). Nesse país, em que havia água diariamente, a fé não era necessária, pois a promessa da terra era visível. Comparado com a terra da fome, o Egito parecia um bom lugar para ficar, apesar do que Deus havia dito.
O Abrão que deixou Canaã contrastava com o Abrão que havia deixado Ur. Antes, Abrão era retratado como um homem de fé que deixou Ur em resposta ao chamado divino; depois, Abrão deixou a terra prometida por si mesmo, por sua vontade. Antes, confiou em Deus; depois, se comportou como um político presunçoso, manipulador e antiético, que contava apenas consigo mesmo. “Durante sua permanência no Egito, Abraão deu prova de que não estava livre de fraqueza e imperfeição humanas. Ocultando o fato de que Sara era sua esposa, evidenciou desconfiança no cuidado divino – falta daquela fé e coragem sublime tão frequente e nobremente exemplificada em sua vida” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 99, 100 [130]).
Ainda que um grande homem cometa erros, ele não é abandonado por Deus. Quando o NT fala sobre Abraão como exemplo de salvação pela graça, quer dizer exatamente isso: graça. Se não fosse a graça, não haveria esperança para Abraão (nem para nós).
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3. Leia Gênesis 13:1-18. O que essa história nos ensina sobre caráter?
Abrão voltou para onde estava antes, como se sua viagem ao Egito tivesse sido um mero desvio infeliz. A história de Deus com Abrão teve então um novo início, onde havia parado desde sua primeira viagem à terra prometida. A primeira parada de Abrão foi Betel (Gn 13:3), assim como em sua primeira viagem à terra (Gn 12:3-8). Abrão se arrependeu e voltou a ser “ele mesmo”: Abrão, o homem de fé.
A reconexão de Abrão com Deus se mostrou na sua relação com as pessoas, em sua maneira de lidar com o problema de Ló, seu sobrinho, quanto ao uso da terra. O próprio Abrão propôs um acordo pacífico e permitiu que Ló escolhesse primeiro (Gn 13:9, 10), um ato generoso e bondoso, indicativo do tipo de homem que Abrão era.
O fato de Ló ter escolhido a melhor parte, a planície bem irrigada, sem se preocupar com a maldade de seus futuros vizinhos (Gn 13:10-13), revela sua ganância e seu caráter. A frase “para si” lembra os antediluvianos, que tomaram “para si” (Gn 6:2).
Em contraste, a mudança de Abrão foi um ato de fé. Abrão não escolheu a terra, mas a recebeu pela graça de Deus. Ao contrário de Ló, Abrão olhou para a terra apenas por ordem divina (Gn 13:14). Somente quando Abrão se separou de Ló foi que Deus falou com ele novamente (Gn 13:14). Esse é o primeiro registro de que o Senhor falou com Abrão desde seu chamado em Ur. “Erga os olhos e olhe de onde você está para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste; porque toda essa terra que você está vendo, Eu a darei a você e à sua descendência, para sempre” (Gn 13:14, 15). Deus, então, convidou Abrão a “percorrer” a terra como um ato de apropriação. “Levante-se e percorra essa terra no seu comprimento e na sua largura, porque Eu a darei a você” (Gn 13:17).
O Senhor, porém, deixou bem claro que Ele, Deus, estava dando a terra a Abrão. Era um dom da graça, do qual Abrão devia se apropriar pela fé, uma fé que levasse à obediência. Somente a obra de Deus realizaria tudo o que Ele havia prometido a Abrão (ver Gn 13:14-17).
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4. Leia Gênesis 14:1-17. Que ponto relevante vemos no fato de que essa guerra ocorreu logo após a doação da terra prometida? O que essa história nos ensina sobre Abrão?
Essa foi a primeira guerra narrada nas Escrituras (Gn 14:2). A coalizão de quatro exércitos da Mesopotâmia e da Pérsia contra outra coalizão de cinco exércitos cananeus, incluindo os reis de Sodoma e Gomorra (Gn 14:8), sugere um grande conflito (Gn 14:9). Essa operação militar está relacionada com a rebelião dos povos cananeus contra seus suseranos babilônios (Gn 14:4, 5). Embora essa história se refira a um conflito histórico específico, o momento dessa guerra “global”, após a dádiva da terra prometida a Abrão, confere a esse evento um significado espiritual particular.
O envolvimento de tantos povos de Canaã sugere que a questão em jogo era a soberania sobre a terra. Ironicamente, o acampamento de Abrão, a parte realmente interessada, visto ser ele o dono da terra, é a única força que permaneceu fora do conflito, pelo menos no início.
A razão para a neutralidade de Abrão é que, para ele, aquela terra não havia sido adquirida pela força das armas nem por estratégias políticas. O reino de Abrão foi um presente de Deus. A única razão pela qual ele interviria seria pelo destino de seu sobrinho Ló, que fora feito prisioneiro durante as batalhas (Gn 14:12, 13).
“Abraão, habitando em paz nos carvalhais de Manre, soube por um dos fugitivos a história da batalha e a calamidade que sobreviera ao seu sobrinho. Não havia guardado no coração nenhum ressentimento pela ingratidão de Ló. Todo o seu afeto por ele veio à tona, e decidiu resgatá-lo. Procurando antes de tudo o conselho divino, Abraão se preparou para a guerra” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 105 [135]).
Mas Abrão não confrontou toda a coalizão. No que deve ter sido uma operação de comando rápida e noturna, atacou apenas o campo em que Ló era mantido prisioneiro. Seu sobrinho foi salvo e com ele o rei de Sodoma. Assim, Abrão demonstrou grande coragem e força. Sua influência na região cresceu, as pessoas viram o tipo de homem que ele era e aprenderam algo mais sobre o Deus a quem ele servia.
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5. Quem foi Melquisedeque? Por que Abrão deu seu dízimo a esse sacerdote, que parece ter surgido do nada? Gn 14:18-24; Hb 7:1-10
O súbito aparecimento do misterioso Melquisedeque não está fora de lugar. Depois que os cananeus agradeceram a Abrão, ele agradeceu ao sacerdote por meio do dízimo.
Melquisedeque veio da cidade de Salém, que significa “paz”, uma mensagem apropriada após o tumulto da guerra.
O componente tsedek, “justiça”, no nome de Melquisedeque, aparece em contraste com o nome do rei de Sodoma, Bera (“no mal”), e Gomorra, Birsha (“na maldade”), provavelmente sobrenomes para o que eles representavam (Gn 14:2).
Melquisedeque apareceu após a reversão da violência e do mal representados pelos outros reis cananeus. Essa passagem contém também a primeira referência bíblica à palavra “sacerdote” (Gn 14:18). A associação de Melquisedeque com o “Deus Altíssimo” (Gn 14:18), a quem Abrão chamou de seu próprio Deus (Gn 14:22), indica claramente que o patriarca o via como sacerdote do Deus a quem servia. Melquisedeque, entretanto, não deve ser identificado com Cristo. Ele era o representante de Deus entre o povo daquela época (ver Comentários de Ellen G. White, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 1, p. 1203, 1204).
Melquisedeque oficiava, de fato, como sacerdote. Ele serviu “cereal e vinho”, uma associação que muitas vezes sugeria o uso de suco de uva recémprensado (Dt 7:13; 2Cr 31:5), que reaparece no contexto da entrega dos dízimos (Dt 14:23). Além disso, ele estendeu a bênção a Abrão (Gn 14:19).
Abrão, entretanto, “deu a Melquisedeque o dízimo de tudo” (Gn 14:20) em resposta ao Deus “que possui os céus e a Terra” (Gn 14:19, ARA). Esse título faz alusão à introdução da história da criação (Gn 1:1), em que a expressão “céus e Terra” significa totalidade ou “tudo”. Como tal, entende- se que o dízimo é uma expressão de gratidão ao Criador, que possui tudo (Hb 7:2-6; compare com Gn 28:22). Paradoxalmente, o adorador entende que o dízimo é um presente de Deus, não um presente para Deus, pois é Deus quem nos dá tudo.
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Texto de Ellen G. White: Patriarcas e Profetas, p. 102-114 [133-145] (“Abraão em Canaã”).
“Quando Deus escolheu Abraão, não foi apenas para ele ser o amigo especial de Deus, mas para ser um instrumento por meio do qual o Senhor pudesse conceder às nações privilégios preciosos e especiais. Ele devia ser uma luz em meio às trevas morais que o cercavam.
“Sempre que Deus abençoa Seus filhos com luz e verdade, não é unicamente para que eles possam receber o dom da vida eterna, mas para que os que os cercam também possam ser iluminados espiritualmente. [...] ‘Vocês são o sal da Terra.’ E quando Deus faz com que os Seus filhos sejam sal, não é apenas para sua própria preservação, mas para que sejam instrumentos para a preservação de outros. [...]
“Estamos resplandecendo como pedras vivas no edifício de Deus? [...] Não seremos possuidores da genuína religião, a menos que ela exerça sobre nós uma influência controladora em cada transação comercial. A religião prática deve envolver nosso trabalho. Devemos possuir a graça transformadora de Cristo em nosso coração. Precisamos reduzir grandemente o eu, e ter mais de Jesus” (Ellen G. White, Refletindo a Cristo [Meditação Matinal, 10 de julho], p. 207).
Perguntas para consideração
1. O que significa ser abençoado (Gn 12:2)? Como ser uma bênção para os outros?
2. Qual foi o erro da meia-verdade de Abrão a respeito de sua irmã-esposa? O que é pior, mentir ou dizer uma verdade e, ao mesmo tempo, mentir tecnicamente?
3. Leia a resposta de Abrão à oferta do rei de Sodoma (Gn 14:21-23). Que lição tiramos dessa história? Abrão teria sido justificado se tivesse aceitado a oferta?
Respostas e atividades da semana: 1. Porque queria abençoá-lo e usá-lo para abençoar outros. Ele obedeceu ao chamado divino. 2. Para fugir da fome. Abrão contou uma meia-verdade. Faraó devolveu Sarai e não fez mal a Abrão. 3. Ló escolheu para si a parte mais fácil e melhor, sem se preocupar com a maldade de seus vizinhos. Isso demonstrou seu caráter ganancioso. Depois essa má escolha lhe trouxe muitos problemas. 4. A questão em jogo nesse conflito era a soberania sobre a terra. Abrão, o verdadeiro dono da terra, permaneceu fora do conflito. Ele confiou na promessa que Deus havia feito de lhe dar a terra. 5. Melquisedeque foi sacerdote do Deus Altíssimo. O patriarca o via como sacerdote do Deus a quem ele servia. Abrão deu o dízimo a Melquisedeque como gratidão a Deus.
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TEXTO-CHAVE: Hb 11:8
FOCO DO ESTUDO: Gn 12–14; Hb 7:1-10
ESBOÇO
Introdução: A lição desta semana nos leva a uma jornada de Babel à terra prometida, mas com um novo herói, Abrão, que deixou sua casa sem saber seu destino. Os primeiros passos de Abrão em direção à terra prometida foram difíceis e um tanto hesitantes. Ele lutou para herdar a terra e, quando finalmente chegou a Canaã, não pôde ficar lá porque havia fome. Portanto, teve que se mudar para o Egito. Mas Abrão também não pôde se estabelecer no Egito por causa de um conflito com o Faraó. Então, foi obrigado a subir para Canaã novamente. Mas, mesmo ali, a situação foi complicada. Abrão e seu sobrinho Ló chegaram ao acordo de se separar por causa de uma disputa de terras. Depois, irrompeu uma guerra que envolveu todo o país, o mesmo lugar em que Deus estabeleceu o patriarca. Após a batalha, ele foi recebido por um estranho, Melquisedeque, a quem deu seu dízimo, uma forma de reconhecer que nada pertencia a ele. Esses episódios são ricos em lições espirituais nas quais questões de fé e ética estão interligadas.
Perguntas para reflexão: Compare as manipulações e mentiras de Abrão com a confiança e honestidade do Faraó; compare a abnegação de Abrão em relação a Ló, cheio de egoísmo; a generosidade de Abrão com a ganância dos reis. Analise a incoerência e falta de confiança de Abrão quando ele respondeu ao chamado de Deus.
COMENTÁRIO
Lekh Lekha, “Vá”
Essa frase hebraica significa “vá para encontrar a si mesmo”. O chamado a Abraão para “sair” de seu país e se afastar de suas raízes devia levá-lo a uma jornada para se encontrar, suprir-se e estabelecer sua identidade. Não era o suficiente que Abraão saísse de Babel. Para encontrar seu verdadeiro eu, ele precisava se livrar da Babel que ainda estava nele – a idolatria de seus pais e a mentalidade arrogante de Babel. Para tanto, Abraão não devia apenas deixar o lugar em que esteve até então; ele devia estar sempre em movimento. É significativo que esse destino “comovente” se reflita na linguagem que cobre as histórias de sua vida. O verbo “ir”, halak, é uma palavra-chave que permeia as narrativas sobre Abraão do capítulo 12 ao capítulo 22, que constituem a seção central do livro de Gênesis. Também é significativo que a frase lekh lekha, “vá”, estruture a jornada espiritual de Abraão. Essa expressão aparece duas vezes: a primeira quando Abraão foi chamado a deixar seu passado (Gn 12:1) e a segunda quando foi chamado a abandonar seu futuro(Gn 22:2). Suspenso no vazio, desconectado de suas raízes, Abraão dependia somente de Deus. Abraão exemplifica “fé”.
Abraão e o Faraó
Quando Abraão chegou ao Egito foi confrontado com a ameaça do Faraó. Porém, em vez de buscar ajuda ou orientação de Deus, recorreu à política e às mentiras. No entanto, o engano de Abraão se voltou contra ele. Foi precisamente por ter mentido e afirmado que Sara era sua irmã que o Faraó a levou para seu harém (Gn 12:15; compare com Gn 12:19). Ironicamente, foi também por acreditar que Sara era irmã de Abraão que o Faraó o tratou bem (Gn 12:16), assim como Abraão havia planejado (Gn 12:13). A história é cheia de ambiguidades. Mesmo quando Abraão mentiu, estava dizendo a verdade, pois Sara era e não era sua irmã; ela era sua meia-irmã. Mesmo quando Abraão foi abençoado com todas as dádivas do Faraó, ele foi amaldiçoado, pois sua esposa estava no harém do monarca. Deus não repreendeu Abraão; no entanto, quando o Faraó falou, suas palavras soaram como as palavras de Deus a Adão (Gn 3:9; compare com Gn 21:17; 22:11, 15, 16). Também é interessante que o Faraó tenha feito uma série de perguntas, assim como quando Deus chamou Adão (Gn 3:9, 11). O paralelo entre essas duas repreensões sugere que o pecado de Abraão era semelhante ao de Adão.
Abrão e Ló
Pela primeira vez desde Canaã, o verbo halak, “ir”, que responde ao chamado lekh lekha, reaparece. Foi usado duas vezes (Gn 13:1, 5). Na primeira, refere-se à viagem de Abrão a Betel, onde Abrão construiu um altar e adorou a Deus (Gn 13:4). Esse movimento reconectou Abrão ao seu passado e restaurou o que sua viagem ao Egito havia interrompido. Abraão voltou às “veredas antigas” (Jr 6:16; compare com Jr 18:15). Ele se arrependeu.
Na segunda vez que o verbo halak, “ir”, é usado, refere-se à ida de Ló. No entanto, ao contrário do movimento de Abrão, a “ida” de Ló não tem conotação espiritual; em vez disso, está associada à sua riqueza (Gn 13:5). Além disso, não é apenas diferente a maneira pela qual eles “vão”, mas também sua maneira de “habitar”. Enquanto Abrão relaciona sua “morada” com seu relacionamento com Deus, Ló vê sua “morada” apenas em conexão consigo mesmo e seus bens materiais. A dificuldade de morarem juntos (Gn 13:6) não era meramente o resultado de fatores externos; tinha a ver essencialmente com as profundas divergências espirituais entre eles. Suas visões de mundo eram irreconciliáveis (Gn 13:7-9) e, portanto, as tensões entre eles foram inevitáveis. Embora o texto bíblico relate uma contenda entre os pastores, a disputa foi além deles e envolveu questões espirituais. Abrão entendeu, então, que a separação era a única solução para a paz. Ló tomou a iniciativa e escolheu o território das ricas planícies. Abraão ficou com o que sobrou: as campinas de Canaã (Gn 13:12). Ao contrário de Ló, que decidiu por si mesmo erguer os olhos e ver (Gn 13:10), Abrão fez isso apenas por ordem divina (Gn 13:14).
Mais tarde, durante a guerra, quando Ló foi levado cativo de Sodoma (junto com seus bens), Abrão partiu com um bando de homens para resgatar seu sobrinho. No final da campanha, Ló e seu povo foram finalmente resgatados. O rei de Sodoma saiu ao encontro de Abrão no caminho de volta da expedição para agradecer (Gn 14:17). Ironicamente, Ló, que estava tão ansioso para controlar seu destino e tomou a melhor parte da terra para si, tornou-se um prisioneiro. Abrão, por outro lado, que graciosa e humildemente cedeu a Ló o direito de escolher primeiro, uma escolha que era sua por direito como o parente mais velho, foi quem tomou a iniciativa e controlou o curso dos acontecimentos. Abrão havia entendido que confiar em Deus e estar pronto para perder seus benefícios era a única maneira de controlar seu destino e garantir o melhor resultado. A mesma lição paradoxal foi reforçada por Jesus em Seu Sermão da Montanha (Mc 8:35).
Abrão e Melquisedeque
Melquisedeque, um rei misterioso, parece completamente deslocado no contexto da narrativa. Em primeiro lugar, Melquisedeque vinha da cidade de Salém, o antigo nome de Jerusalém, que não esteve envolvida na guerra. Além disso, o nome shalem, “Salém”, que significa “paz”, contradiz as atividades de guerra, centrais na história até então. Justiça (tsedeq), palavra incluída no nome do rei, se opõe às evocações do “mal” e da “perversidade” nos nomes de Bera (“no mal”), rei de Sodoma, e Birsa (“na maldade”), rei de Gomorra. Melquisedeque é chamado de “sacerdote do Deus Altíssimo”.
Esta é a primeira ocorrência na Bíblia da palavra “sacerdote” (kohen). O sacerdócio de Melquisedeque é anterior ao sacerdócio levítico. O fato de Abrão usar o mesmo título ‘el ‘elyon (“Deus Altíssimo”) para seu Deus (Gn 14:20), associando YHWH ao nome “Deus Altíssimo” (Gn 14:22), sugere que Abrão considerava Melquisedeque um sacerdote legítimo do Deus Criador. Embora Melquisedeque pertencesse à comunidade cananeia, Deus o escolheu para ser Seu representante entre o povo daquela época. Apesar de sua origem estrangeira, Abraão lhe deu o dízimo e foi abençoado por ele. Além disso, as numerosas referências a Deus, a refeição sagrada do pão e do vinho, a bênção e o hino dirigidos a Deus conferem à figura cananeia de Melquisedeque um significado espiritual, apontando para além de um simples encontro de reis. Notavelmente, as Escrituras subsequentes mantêm essa conotação espiritual. O Salmo 110 associa Melquisedeque com o futuro Messias davídico (Sl 110:4), seguido pelos autores do NT, que relacionam o sacerdócio singular de Melquisedeque ao de Jesus (Hb 5:5–6:10; 7).
APLICAÇÃO PARA A VIDA
Lekh Lekha, “Vá”. Encontre passagens na Bíblia em que os profetas conclamam o povo de Deus a sair de Babilônia. O que esse chamado significa para o povo de Deus hoje? Como o chamado divino ao Seu povo para “sair” se aplica a você pessoalmente em relação à sua vida social? Como esse apelo diz respeito ao trabalho de construção do caráter que você faz todos os dias? Como essa expressão se aplica à sua experiência de conversão?
Abraão e Ló. Por que Abraão permitiu que Ló escolhesse primeiro o lugar de sua habitação? Como essa atitude se aplica ao seu relacionamento com outras pessoas? Por que a perspectiva de Abraão orientada para o futuro é superior ao pensamento de Ló orientado para o presente? Quais princípios e lições essa história lhe ensina de como os negócios devem ser conduzidos? Por que, definitivamente, o crime e o engano não compensam?
Abraão e Melquisedeque. Que lições sobre o significado espiritual do dízimo podemos aprender com Abraão, que deu o dízimo ao rei Melquisedeque? Por que a decisão de Abraão de dar o dízimo de tudo o que ele trazia de volta da batalha se relaciona com sua fé no Criador e seu Salvador (Gn 14:19, 20)? Como essa confissão de fé no Criador se aplica aos bens materiais em sua vida?
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Aguardando o reencontro
Certo dia, depois do trabalho, meu padrasto voltou para casa muito zangado. “Mary!”, ele gritou. Eu sabia o que aconteceria a seguir. Ele sempre voltava para casa irritado e batia na minha mãe. Naquela ocasião, eu estava com cinco anos. Meus quatro irmãos e eu estávamos visitando nossos pais em uma pequena cidade na Namíbia. Nós vivíamos com a vovó em um vilarejo, localizado a 35 quilômetros de distância, e aquele era nosso período de férias.
Mamãe estava ocupada na cozinha. Ela carregava nas costas meu irmão de dois anos, Tommy, embrulhado em um tecido. Meu padrasto surgiu na porta da cozinha. “Porque o jantar não está pronto?”, gritou enquanto dava um tapa no rosto de mamãe. Gritando, ela correu pela porta dos fundos e fugiu. Meu padrasto a seguiu com um bastão grande na mão. Com violência, atirou o bastão nela. Mamãe se esquivou e o bastão atingiu o pequeno Tommy.
Quando Tommy chorou, mamãe parou. “Você matou meu filho!”, ela gritou. Os vizinhos solidários se aproximaram e alguém chamou a polícia. Os policiais chamaram uma ambulância, algemaram o padrasto e o colocaram na cadeia. No hospital, Tommy passou por uma cirurgia de emergência devido a uma fratura no crânio. Em seguida, o médico, em prantos, disse que o garoto havia sofrido danos cerebrais e ficaria paralisado do lado direito. Minha mãe e os amigos da família choraram ao ouvir às informações naquele quarto de hospital. Um homem, que estava no canto do quarto, falou: “Podemos orar?” Então, levantando as mãos, orou: “Pai celestial, eu não sou Elias. Nem posso me considerar mais santo que as pessoas que estão neste quarto. Mas estou aqui protegido sob a graça de Cristo. Lembre-se dessas pessoas. Ouça a intensidade de sua dor. Em nome de Cristo Jesus, oro. Amém.”
Após a oração, o quarto ficou quieto. Eu senti paz. Compreendi que existe um Deus no Céu. Aquele homem O conhecia. Duas semanas depois, o pequeno Tommy recebeu alta do hospital. Assim como o médico havia dito, ele ficou paralisado do lado direito. Ele também teve dificuldade para falar.
Durante meses, pensei sobre a oração no hospital. Eu ansiava conversar com Deus da mesma forma. Um ano depois, quando estava com seis anos, comecei a ir todos os sábados à igreja adventista com um primo. Durante aquele ano, percebi que os membros da igreja oravam como o homem do hospital. Eles pareciam conhecer Deus. Enquanto isso, a vida de Tommy foi de muito sofrimento. Certo dia, quando ele tinha doze anos, e eu 15, sentamos sob uma árvore e aguardamos a vovó servir o almoço.
De repente, Tommy desmaiou e caiu no chão. Ao recobrar a consciência, gritou: “Estou morrendo!” Então, ficou em silêncio e parou de respirar.
Freneticamente, vovó pediu ajuda. Eu chorava descontroladamente, pois não tinha esperança. Lembrei-me, então, do homem que orou no hospital. Eu queria sentir paz. Minha oração foi curta e ao ponto: “Sou jovem. “Não tenho forças para enfrentar esta dor. Dê-me uma oportunidade de me preparar para a morte de Tommy.” No momento que eu disse “amém”. Tommy espirrou três vezes e vovó gritou: “Ele está vivo!” Agradeci a Deus. Dez anos se passaram, mudei-me para Windhoek, capital de Namíbia, e me uni à Igreja Adventista, a igreja da oração cujos membros conheciam a Deus.
Certo dia, minha irmã telefonou para contar que Tommy estava doente. Imediatamente, lembrei-me da minha oração e pensei: “Chegou o momento. O tempo que pedi já esgotou.” Embarquei no ônibus e fiz a viagem de 1.200 quilômetros até a cama hospitalar em que meu irmão estava. Ele lutava pela vida, mas algo estava diferente. Ele estava em paz. “Chegou minha hora”, ele me disse. “Orei a Deus. Nós nos encontraremos quando Jesus regressar. Mantenha a fé em Deus.”
Tommy faleceu após três dias. Mas suas palavras continuam soando em meus ouvidos, “Nos encontraremos quando Jesus regressar. Mantenha a fé em Deus.” Sou formado em Rádio e TV e hoje trabalho como gerente de estação de rádio Adventist World, na Namíbia. Estou ansioso para encontrar Tommy do outro lado. Você também pode estar ansioso para conhecer seus entes queridos. Até esse dia, continue exercitando sua fé em Deus!
Muito obrigado por suas ofertas missionárias que ajudam a difundir na Namíbia e em toda a Divisão Sul-Africana Oceano Índico, as boas novas deque Jesus em breve voltará.
Informações adicionais
- Peça que um homem apresente esta história na primeira pessoa.
- Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.
- Para mais notícias do Informativo Mundial das Missões e outras informações sobre a Divisão Sul-Africana Oceano Índico: bit.ly/sid-2022.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 2º Trimestre de 2022
Tema Geral: Gênesis
Lição 6 – 30 de abril a 6 de maio de 2022
As raízes de Abraão
Autor: Wilian S. Cardoso
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega
Além da divisão em toldot , isto é, “gerações” ou “histórias”, literariamente Gênesis pode ser analisado de outra perspectiva – seu enredo narrativo. Desse ponto de vista, Gênesis apresenta duas divisões principais: os capítulos 1–11, que narram a história de Deus e de toda a criação, e os capítulos 12–50, que se restringem a relatar a história de Deus e um homem. Adicionalmente, essas duas partes estão conectadas por uma pequena história central que intercala os dois pedaços, a saber, Gênesis 12:1-3.
Em tese, os 11 primeiros capítulos tratam de um mesmo tema: Deus concede a chance para que os humanos façam o que é correto, mas eles continuam a arruinar tudo, ou seja, toda criação incluindo a si mesmos. O mundo “muito bom” do princípio, se torna cada vez pior graças às ações mais e mais degradantes da humanidade, à medida que ela aumenta e o tempo transcorre. Mas, apesar de tudo isso, Deus permanece determinado em abençoar a humanidade e resgatar o mundo por meio daquele que saciaria toda esperança por mudança de uma vez por todas. E, a partir dessa nova etapa, somos, portanto, apresentados ao plano de Deus, isto é, à maneira pela qual Ele pretende realizar isso.
Na verdade, não é à toa que Gênesis 11 termina com uma genealogia. Apesar de pequena, ela serve para descrever uma família muito específica e que culmina na apresentação de um homem crucial para o plano. Um dos homens mais influentes que já existiram, embora não apareça em nenhuma lista das pessoas mais importantes da história. Não governou nenhum império, não comandou nenhum exército, nem mesmo se envolveu em qualquer ato impressionante de heroísmo, não realizou milagres, não anunciou profecias nem arrebanhou multidões. No entanto, hoje, mais de 5 bilhões de pessoas sobre a Terra, de alguma forma se identificam como seus herdeiros. Seu nome é Abraão. Conhecido como o fundador das três principais religiões monoteístas da Terra: judaísmo, cristianismo e islamismo.
Diferente de Noé, que foi descrito como único em sua geração, ou de Moisés, a quem conhecemos um pouco sobre sua infância, não sabemos nada sobre esse homem. Quando Deus o convocou para deixar sua terra natal e sua parentela, ele simplesmente foi e nem mesmo sabemos qual foi a razão de ele ter sido escolhido.
No início do capítulo 12, Deus chamou Abrão para deixar tudo para trás e ir para a terra de Canaã, e lhe prometeu três coisas: (1) fazer dele uma grande nação, (2) abençoá-lo, e (3) engrandecer seu nome (Gn 12:2). Essas três promessas estão precisamente conectadas com a seção anterior do livro. Babilônia havia tentado presunçosamente engrandecer seu nome (11:4), mas agora Deus, em sua generosidade concederia um grande nome a esse homem desconhecido.
A bênção de Deus ecoou a bênção dada a Adão e Eva no Jardim, enquanto a geração de uma grande nação retomou o desejo divino contido nessa bênção de que a humanidade se multiplicasse e enchesse a Terra. Obviamente, esse desejo foi expresso originalmente para pessoas perfeitas e puras que, ao se expandir, consequentemente, propagariam a bondade natural que havia nelas. Porém, com a entrada do pecado, essa bondade não mais seria natural, e só seria restaurada pelo contato com Deus e obediência a Ele. Para isso, Deus pretendeu mudar o coração de um homem e de sua família, e dela levantar um povo cuja verdade fosse a razão de ser de sua existência. Assim, por meio desse povo, o Senhor tornaria a verdade conhecida e propagada a todas as nações da Terra. Em outras palavras, o plano de Deus era resgatar e abençoar o mundo rebelde por meio de Abraão. Por isso, desse ponto em diante, o restante da Bíblia focaliza os descendentes desse homem.
Em particular, o restante de Gênesis trata sobre três gerações da família de Abraão, que pontuam a propagação da sua descendência e o cumprimento das promessas divinas ocorrendo de modo fiel, embora pacientemente:
1. Abraão, em si (Gn 12–25a).
2. Isaque, seu filho (Gn 25b–36).
3. Jacó, seu neto (Gn 37–50).
Os relatos contidos em cada geração estão conectados por 2 temas que se repetem: as falhas da família em confiar plenamente em Deus e tomar boas decisões, e a fidelidade de Deus em salvá-la para então abençoá-la e completar Sua promessa de bênção. Incialmente, na história de Abrão/Abraão, Gênesis 12:1-3 expõe três elementos sobre os quais as histórias subsequentes serão construídas: a terra, a bênção e a nação/povo. É como se a abertura desse capítulo fosse um tipo de índice ou chave para abrir as portas de todos os relatos contidos na segunda metade do livro.
Além disso, nas primeiras histórias de Abraão (Gn 12–17) há um ciclo repetitivo de três ações que se tornam um padrão em cada um desses relatos. Primeiro, o texto faz uma exposição da situação, em seguida informa a ocorrência de uma complicação, e por fim apresenta a solução. Assim, por exemplo, no capítulo 12, logo que Abraão e sua família chegaram a Canaã somos expostos aos fatos: Abraão imediatamente ouviu o chamado, partiu e chegou à terra; o texto então narra uma complicação que abateu a terra, uma fome, seguida dos problemas causados por Abraão ao mentir sobre sua esposa, que foi tomada pelo Faraó. Contudo, o Senhor interveio na história e salvou Abraão e sua casa. Esse padrão, como disse – exposição > complicação > solução – pode ser percebido em todos os capítulos até o 17.
Assim, Abraão lutou para ser o parceiro de Deus na bênção das nações, mas muitas vezes falhou. Quando Abraão apareceu na terra para a qual Deus o havia conduzido, houve fome e, da mesma forma que ele atendeu o chamado anteriormente, então, prontamente, por sua própria decisão, ele se voltou e foi embora da terra em que havia acabado de chegar. Podemos ouvir ecos de Gênesis 3 nessa história, quando ele escolheu para si o que era bom e negligenciou a promessa de Deus de protegê-lo e abençoá-lo, tudo às custas de sua esposa. Em vez de ser um veículo de bênção para o Egito, ele acabou trazendo maldição sobre a nação – o castigo divino sobre os egípcios inocentes em defesa de Abraão. Apesar do engano praticado por seu escolhido, Deus honrou a promessa que havia feito a Abraão.
É precisamente isso que os textos iniciais das histórias de Abraão visam apresentar. Que a efetividade das promessas de Deus depende da confiança humana para com Ele. Mesmo tendo sido o escolhido de Deus para realizar sua promessa na terra, Abraão afastou ainda mais o potencial da promessa: ele saiu da terra , ele se tornou uma maldição para os povos e perdeu a esposa, o que afastou ainda mais a possibilidade de que ele se tornasse uma grande nação . Apesar disso, Deus não deixaria de cumprir o que tinha prometido e reverteu em bênçãos a Abraão todo caos provocado por ele mesmo. Essas bênçãos de riqueza e prosperidade não tinham outra finalidade senão ensinar Abraão a confiar nas palavras de Deus. A injustiça recaída sobre os egípcios, por exemplo, é uma lição a Abraão do que seus atos de desconfiança, e ações individualistas e precipitadas tinham sido capazes de desencadear. Enquanto ele agisse por si mesmo, jamais seria uma bênção.
No capítulo 13, a complicação não se resumiu apenas ao fato de que Abraão teve que se separar de parte de sua família, mas principalmente ao fato de que Ló escolheu a melhor região para residir, aquela que se parecia com o Éden (13:10), isto é, com grande abundância de águas. A despeito de o texto deixar implícita a nobreza de caráter de Abraão, que mesmo tendo maiores prerrogativas para escolher sua porção primeiro, concedeu essa honra a seu sobrinho ganancioso, o fato é que essa distribuição injusta de terra, com sua porção hidrograficamente mais pobre, não predizia um futuro muito duradouro e promissor ali.
As palavras em 13:17, sobre percorrer a terra, foram entendidas pelos antigos exegetas judeus como um ato simbólico de aquisição legal de propriedade, chamado de khazaká (cf. Dt 11:24; Js 1:3, 4). (1)
Tal ritual também foi atestado na cultura de outros povos vizinhos, como por exemplo a festa Heb Sed egípcia, em que o Faraó precisava percorrer todo o Egito a fim de reafirmar sua condição física de poder continuar como soberano de toda a nação. Igualmente, essas palavras soam muito semelhantes àquelas ditas por Satanás na corte celestial quando Deus perguntou de onde ele vinha. Ou seja, sua resposta foi uma declaração de que ele tinha direito de fazer parte da reunião, visto que tinha autoridade e a posse do mundo. Contudo, ironicamente, a réplica divina foi uma lembrança de que sua autoridade não seria plena enquanto na Terra houvesse alguém que não lhe servia – Jó (Jó 1:7, 8). A solução para Abraão, portanto, foi uma reafirmação da promessa – a terra seria dele, não importando o que acontecesse. Mais uma vez, Abraão precisou entender que não seria a sua força nem a sua habilidade em driblar os problemas emergentes que cumpririam a promessa, mas somente e unicamente o que Deus havia dito. Não havia o que duvidar, não havia o que temer, a Palavra de Deus devia ser autossuficiente.
Esses capítulos iniciais da história de Abraão são, em si, uma apresentação de como Deus age na vida daqueles que O seguem, e de que modo Ele trabalha para readequar o coração dos Seus filhos à verdade; além disso, expõem igualmente como Seus seguidores reagem em seu relacionamento com Deus. Semelhantemente, nossa vida é cheia de altos e baixos. Às vezes, confiamos em Deus e em outras falhamos. Assim como Abraão, todos nós passamos por isso, mas precisamos aprender com as nossas falhas e com as dos outros, a fim de que percebamos que nosso autopoder em solucionar problemas apenas nos conduz à geração de novas dificuldades e à frustração dos ideais divinos para nossa vida. A palavra de Deus, por outro lado, é clara ao mostrar que o Senhor visa a algo maior e melhor, que Ele quer fazer com que o nosso ser retome a Sua imagem novamente. Mas isso não envolve a nós exclusivamente, pois por meio de nós Ele pretende alcançar muitos outros. Quando acreditamos nisso, não apenas podemos ver a mão Dele agindo sobre nós, mas também usando-nos como Seus canais para que bênçãos fluam onde quer que estivermos. Referências: SARNA, Nahum M. Genesis . The JPS Torah Commentary. Philadelphia, PA: Jewish Publication Society, 2001, p. 100.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: Wilian Cardoso é casado com Carem. É pai de Sarah, Noah e de Shai. É bacharel em Teologia e Filosofia, mestre em Interpretação Bíblica e em Estudos do Antigo Oriente Médio. Trabalhou como pastor da Comunidade Judaico-Adventista de Manaus por 8 anos e também como professor de Filosofia e Sociologia. Atualmente trabalha como professor para o Israel Institute of Biblical Studies filiado à Universidade Hebraica de Jerusalém e se dedica à família e à vida acadêmica.