O NT está repleto de referências ao AT. Ou seja, os escritores inspirados do NT citaram os escritores inspirados do AT como fonte de autoridade. O próprio Jesus disse: “Está escrito” (Mt 4:4), significando o seguinte: “Está escrito no AT”; e Ele disse: “para que se cumprissem as Escrituras” (Mc 14:49), isto é, as Escrituras do AT. E quando Jesus encontrou dois discípulos no caminho de Emaús, em vez de fazer um milagre para mostrar quem Ele era, “explicou-lhes o que constava a respeito Dele em todas as Escrituras” (Lc 24:27).
Seja usando citações diretas do AT, ou alusões, ou referências a histórias ou profecias, os escritores do NT constantemente usaram o AT para apoiar, e até mesmo justificar, suas afirmações.
Entre os livros frequentemente citados ou mencionados está Deuteronômio (junto com Salmos e Isaías). Mateus, Marcos, Lucas, Atos, João, Romanos, Gálatas, 1 e 2 Coríntios, Hebreus, as epístolas pastorais de Paulo e o Apocalipse remontam a Deuteronômio.
Nesta semana, examinaremos alguns desses casos e veremos quais verdades presentes podemos extrair deles.
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1. Leia Mateus 4:1-11. Como Jesus respondeu às tentações de Satanás no deserto e qual é a lição importante para nós em Sua resposta?
Jesus não discutiu com Satanás nem o rebateu. Ele simplesmente citou as Escrituras, pois a Palavra de Deus é “viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4:12). Em cada caso, a palavra que Ele citou era de Deuteronômio. É interessante que Jesus, no deserto, tenha escolhido citar textos que foram dados a Israel também no deserto.
Na primeira tentação, Jesus Se referiu a Deuteronômio 8:3. Moisés contava ao antigo Israel como o Senhor havia provido para ele no deserto o maná e outros recursos, como parte de um processo de refinamento, enquanto procurava ensinar-lhe lições espirituais. Uma dessas lições é que “o ser humano não viverá só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4). O Senhor lhe deu alimento físico, mas também o espiritual. Não se pode pegar apenas o primeiro sem o segundo. Jesus usou a imagem do pão como transição para Deuteronômio e para repreender Satanás e a dúvida que ele tentou despertar.
Na segunda tentação, Jesus citou Deuteronômio 6:16, em que Moisés falava ao povo da rebelião em Massá (Êx 17:1-7): “Não ponham à prova o Senhor, seu Deus, como o fizeram em Massá”. A expressão “pôr à prova” pode significar “tentar” ou “testar”. O Senhor já havia mostrado, repetidamente, Seu poder e disposição para lhes prover; ainda assim, quando houve o problema, eles clamaram: “Está o Senhor no meio de nós ou não?” (Êx 17:7). Jesus utilizou essa história para repreender Satanás.
Na terceira tentação, Satanás procurou fazer com que Cristo Se curvasse e o adorasse. Que revelação aberta e flagrante de quem ele realmente é e do que realmente queria! Em vez de debater, Jesus repreendeu Satanás e novamente voltou-Se à Palavra de Deus, em Deuteronômio, em que o Senhor alertava Seu povo sobre o que aconteceria caso se afastasse e adorasse outros deuses. “Temam o Senhor, seu Deus, sirvam a Ele e jurem somente pelo nome Dele” (Dt 6:13).
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Em Deuteronômio 10, Moisés (novamente) recontava a história de Israel e (mais uma vez) usou esses relatos para admoestar seu povo à fidelidade. Em meio a essa advertência, ele disse algo mais.
2. Leia Deuteronômio 10:17-19. Qual é a mensagem essencial para o povo, e por que ela é relevante para a igreja de Deus hoje?
A frase “não trata as pessoas com parcialidade” é traduzida de uma figura hebraica de linguagem que significa literalmente “não levantar rostos”. Acredita-se que a expressão tenha se originado em um cenário jurídico em que o juiz ou rei via o rosto da pessoa no julgamento e, com base na condição dela (importante ou insignificante), dava o veredito. O que está subjacente nessa passagem é que o Senhor não trata as pessoas dessa maneira, apesar de Sua grandeza e poder. Ele é justo com todos, independentemente da posição social. Essa verdade foi revelada na vida de Jesus e em Seu modo de tratar até mesmo os mais desprezados na sociedade.
3. Leia Atos 10:34, Romanos 2:11, Gálatas 2:6, Efésios 6:9, Colossenses 3:25 e 1 Pedro 1:17. Como esses textos usam Deuteronômio 10:17?
Por mais variadas que sejam as circunstâncias em cada uma dessas referências (em Efésios, Paulo disse aos senhores para que fossem cuidadosos na maneira de tratar seus escravos; em Romanos, Paulo falou que, em relação à salvação e condenação, não há diferença entre judeus e gentios), todas elas remontam a Deuteronômio e à ideia de que Deus “não levanta rostos”. E se o “Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível” não o faz, então não faremos.
Em Romanos, vemos uma revelação do evangelho: estamos todos no mesmo nível, independentemente da nossa condição. Somos pecadores que precisam da graça de Deus. A boa notícia é que, não importa nossa posição, somos salvos em Cristo.
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4. O que Paulo disse que é relevante para nós, e como ele usou Deuteronômio 27:26 e 21:22, 23 em seu argumento? Gl 3:1-14
Infelizmente, é comum se usar Gálatas como um tipo de justificativa para não guardar os Dez Mandamentos. Esse argumento é usado como razão para não guardar o quarto mandamento, como se guardar aquele, em oposição aos outros nove, fosse de alguma forma uma expressão do legalismo do qual Paulo tratou nessa passagem.
No entanto, o apóstolo não estava falando contra a lei, e certamente nada nesse texto poderia justificar a quebra do sábado. A chave encontra- se em Gálatas 3:10, em que ele escreveu que “todos os que são das obras da lei estão debaixo de maldição”, e então citou Deuteronômio 27:26. A questão não é obediência à lei, mas “confiar na lei”, uma posição difícil, se não impossível, para seres caídos como nós.
O que Paulo quis dizer é que não somos salvos pelas obras da lei, mas pela morte de Cristo em nosso lugar, a qual nos é creditada pela fé. Sua ênfase é o que Cristo fez por nós, na cruz. Para destacar esse ponto, ele se referiu a Deuteronômio 21:23. Como Jesus, Paulo disse: “Está escrito”, mostrando a autoridade do AT, e citou um texto que trata de alguém que, tendo cometido um crime capital e sido executado por isso, foi então pendurado em um madeiro, talvez para servir de exemplo.
Paulo, porém, usou isso como símbolo para a morte substitutiva de Cristo por nós: Cristo Se tornou “maldição em nosso lugar” porque enfrentou a maldição da lei; isto é, a morte que todos enfrentaríamos, pois transgredimos a lei. Porém, as boas-novas do evangelho dizem que a maldição que deveria ter sido nossa tornou-se Dele, na cruz, “a fim de que recebêssemos, pela fé, o Espírito prometido” (Gl 3:14).
“Ninguém, a não ser Cristo, poderia redimir da maldição da lei o homem decaído e levá-lo novamente à harmonia com o Céu. Cristo tomaria sobre Si a culpa e a humilhação do pecado, tão ofensivo para um Deus santo que deveria separar entre Si o Pai e o Filho” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 63).
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Repetidamente, o Senhor advertiu Israel a não seguir as práticas das nações vizinhas. Ao contrário, ele deveria testemunhar a essas nações (Dt 4:6-8). Em Deuteronômio 18:9-14, Moisés outra vez o advertiu sobre práticas específicas que eram “abominação ao Senhor” (Dt 18:12). Nesse contexto, ele disse que os israelitas deviam ser “perfeitos para com o Senhor, seu Deus” (Dt 18:13).
5. Leia Deuteronômio 18:15-19. O que Moisés disse? Em seguida, compare sua fala com Atos 3:22 e 7:37. Como Pedro e Estêvão aplicam Deuteronômio 18:18?
Em referência à aliança no Sinai, Moisés falou de como os filhos de Israel, na revelação da lei de Deus (Êx 20:18-21), queriam que o servo de Deus fosse um mediador, um intercessor entre eles e o Senhor. Então Moisés lhes prometeu, duas vezes (Dt 18:15, 18), que o Senhor levantaria um profeta como ele, e que esse profeta, como Moisés, seria, entre outras coisas, também um intercessor entre o povo e o Senhor.
Muitos séculos depois, Pedro e Estêvão citaram o texto em referência a Jesus. Para Pedro, Jesus era o cumprimento do que havia sido falado pela “boca dos Seus santos profetas desde a antiguidade” (At 3:21), e os líderes deveriam obedecer às Suas palavras. Ou seja, Pedro usou esse texto, que os judeus conheciam, e o aplicou a Jesus, com a ideia de que eles precisavam se arrepender pelo que tinham feito a Ele (At 3:19).
Em seguida, em Atos 7:37, Estêvão, embora em um contexto diferente do de Pedro, também se referiu a essa famosa promessa e afirmou que ela apontava para Jesus. Ele quis dizer que Moisés, em seu papel na história como líder dos judeus, havia prefigurado Jesus. Assim como Pedro, Estêvão mostrou ao povo que Cristo Jesus era o cumprimento de uma profecia e que eles precisavam ouvi-Lo. Ao contrário da acusação feita pelos judeus contra Estêvão, de que ele estava falando “blasfêmias contra Moisés e contra Deus” (At 6:11), o servo de Deus proclamou o Senhor Jesus como Messias, cumprimento direto do que Deus havia prometido por meio da profecia de Moisés.
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O livro de Hebreus, em sua profundidade e sublimidade, em muitos aspectos, surgiu como uma longa exortação aos crentes judeus. E essa exortação foi: Permaneçam fiéis ao Senhor!
Essa fidelidade, é claro, deve originar-se de nosso amor a Deus, por quem Ele é e por Seu caráter e Sua bondade, mais poderosamente expressos na cruz de Cristo. Às vezes, porém, o ser humano precisa ser lembrado das terríveis consequências da infidelidade. Ou seja, precisamos lembrar que, se não aceitarmos o que Jesus fez por nós ao pagar a dívida pelos nossos pecados, teremos que pagá-la nós mesmos, e isso significa “choro e ranger de dentes” (Mt 22:13) seguidos da destruição eterna.
6. Leia Hebreus 10:28-31. O que Paulo disse e como isso se aplica a nós?
Para exortar os crentes judeus a continuar fiéis a Deus, Paulo citou uma exortação anterior aos israelitas para que permanecessem fiéis. O texto usado foi o de Deuteronômio 17:6, em que está escrito que alguém considerado digno de morte sofreria essa pena somente depois que pelo menos duas pessoas testemunhassem contra ele.
Paulo fez isso para deixar claro que, se a infidelidade podia levar à morte sob a antiga aliança, “quanto mais severo deve ser o castigo daquele que pisou o Filho de Deus, profanou o sangue da aliança com o qual foi santificado e insultou o Espírito da graça”? (Hb 10:29). Em outras palavras, você tem mais luz e mais verdade do que eles e sabe sobre o sacrifício do Filho de Deus por seus pecados; assim, se você rejeitar isso, sua condenação será maior do que a deles.
Então Paulo voltou a Deuteronômio 32:35 para apoiar seu argumento. Considerando o que eles receberam em Cristo e seu conhecimento da grande provisão feita, o Senhor, que disse: “a Mim pertence a vingança”, Ele mesmo “julgará o Seu povo” (Hb 10:30) por sua apostasia e infidelidade. Afinal, Deus havia julgado seus antepassados, que não tiveram o que esses judeus do NT tinham, a revelação mais completa do amor divino demonstrado na cruz. Assim, basicamente, Paulo estava dizendo: Estejam avisados!
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Assim como o AT cita a si mesmo, o NT está repleto de citações diretas, referências e alusões ao AT. Salmos, Isaías e Deuteronômio estão entre os mais utilizados. Várias vezes os escritores do NT citaram o que é conhecido como a Septuaginta (LXX), chamada de “Antigo Testamento grego”, a mais antiga tradução grega conhecida da Bíblia hebraica. Os primeiros cinco livros da Bíblia, conhecidos como Torá ou Pentateuco, foram traduzidos no 3o século a.C., e o restante do AT por volta do 2o século a.C.
Pode-se aprender muito, também, de como interpretar a Bíblia pela forma com que os escritores inspirados do NT usaram o AT. E uma das primeiras lições que podemos aprender é que, ao contrário do que dizem muitos eruditos, os escritores do NT nunca levantaram nenhuma questão sobre a autenticidade ou autoridade dos livros do AT. Nada em seus escritos revelou, por exemplo, dúvida sobre a historicidade dos relatos do AT, desde a existência de Adão e Eva, a queda, o dilúvio, o chamado de Abraão e assim por diante. A “erudição” que questiona essas coisas é apenas ceticismo humano e não deve ter lugar no coração nem na mente dos adventistas do sétimo dia.
Perguntas para consideração
1. Levando em conta toda a luz que recebemos como adventistas do sétimo dia, o que isso nos ensina sobre a grande responsabilidade de sermos fiéis às verdades que nos foram confiadas?
2. Leia Deuteronômio 18:9-14. Que manifestações modernas dessas “abominações ao Senhor” existem, e como podemos ter certeza de que as evitamos?
3. Por que os cristãos, que entendem a aplicação universal da morte de Cristo na cruz, nunca deveriam “levantar rostos” (veja o estudo de segunda- feira)? Como podemos reconhecer em nós essa tendência? Como a cruz pode nos curar dessa atitude errada?
Respostas e atividades da semana: 1. Está escrito. É importante conhecer as Escrituras. 2. O Senhor é imparcial. Assim devemos ser também. 3. Falam da imparcialidade de Deus. Todos citam o princípio de Deuteronômio. 4. Paulo falou da justificação pela fé. Ele citou o AT. Cristo Se tornou “maldição em nosso lugar” porque enfrentou a maldição da lei. 5. Que Deus chamaria um Profeta dentre o povo. O texto foi aplicado a Jesus, nosso Intercessor. 6. Exortou a não rejeitarmos o sacrifício de Cristo na cruz.
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TEXTO-CHAVE: Mt 4:4
FOCO DO ESTUDO: Mt 4:1-11 (compare com Dt 8:3); Gl 3:1-14 (compare com Dt 27:22-26); At 3:22 (compare com Dt 18:15-19); Hb 10:28-31 (compare com Dt 17:2-6); Dt 19:15; 32:35, 36
ESBOÇO
O livro de Deuteronômio é um dos quatro livros do AT citados com mais frequência no NT (Gênesis, Deuteronômio, Salmos e Isaías). Segundo os estudiosos da Bíblia, Deuteronômio é o livro que Jesus mais citou, principalmente nos momentos cruciais de Sua missão messiânica. A razão para a popularidade desse livro tem a ver com seu estilo de sermão, seu tom pedagógico e seu ensino teológico. Moisés não apenas citou as leis, mas comentou sobre elas e trouxe seu conteúdo teológico e intenção profunda com o propósito de aplicá-las à vida dos israelitas.
Deuteronômio contém ensinamentos que se tornaram os fundamentos teológicos da fé cristã. Vemos nele a tensão teológica entre o rigor da lei e as boas-novas da graça divina. Foi de Deuteronômio que Paulo extraiu a ideia de que a lei revela o pecado (Rm 7: 7) e de que a justiça é somente pela fé em Cristo (Rm 1:17; 10:6, 8, 17; compare com Dt 30:12-14); desse livro também deriva a esperança de que o povo de Deus se uniria aos gentios (Rm 15:10; leia Dt 32:43). É por isso que o livro de Deuteronômio foi comparado ao livro de Romanos no NT. O estudo desta semana apresenta o lugar e o significado do livro de Deuteronômio no NT.
Temas da lição
• Está escrito: Jesus usa a Palavra de Deus.
• Viva pela Palavra: lição profunda sobre onde os humanos encontram a fonte de vida e existência.
• Lei e graça: como o NT usa Deuteronômio para explicar a lei e a graça.
• Um Profeta como eu: Jesus apontou de volta para Deuteronômio, que havia apontado para Seu futuro ministério.
COMENTÁRIO
O estudo de Deuteronômio, da perspectiva do NT, oferece uma teologia abrangente e equilibrada. Com ele, aprenderemos sobre a necessidade da Palavra, pela qual devemos viver, apreciaremos o valor do princípio do “Está escrito”, compreenderemos melhor a interação entre lei e graça e, assim, ajustaremos nosso relacionamento com o Deus de justiça e amor e creremos nas profecias messiânicas.
Está escrito
O fato de Jesus usar a expressão “Está escrito” (Mt 4:4) para introduzir Sua citação de Deuteronômio indica que, para Ele, esse livro pertence ao repertório das Escrituras inspiradas. Essa é uma expressão técnica usada na época do AT (Js 1:8; 1Rs 2:3; Ne 10:34, etc.) e do NT (Mc 9:13; At 1:20; 1Co 1:19) para se referir à autoridade das Escrituras. A forma passiva do verbo tem a intenção gramatical de implicar o sujeito divino por trás desses escritos.
É interessante que não apenas Jesus, mas também Satanás se referem às Escrituras inspiradas, e ambos usam o convencional “Está escrito” para introduzir suas citações. Entretanto, apenas Jesus aponta para Deus, Satanás não. O diabo se concentra apenas no milagre, mas Deus não é importante em sua teologia. Jesus, por outro lado, concentra-Se em Deus, a quem devemos adorar (Mt 4:10), pois é possível conhecer bem as Escrituras e citá-las o tempo todo e ainda ignorar ou mesmo rejeitar o Deus que as inspirou.
Viva pela Palavra
Quando, no fim dos 40 dias de jejum no deserto, Jesus foi tentado por Satanás a transformar pedras em pão, uma alusão ao milagre do maná, Ele citou uma linha de Deuteronômio, em que Moisés disse a Israel ao fim de seus 40 anos no deserto: “O ser humano não viverá só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt 4:4; ver Dt 8:3). Esse verso se refere à Palavra de Deus, segundo a tradução grega (Septuaginta), que é citada no NT grego. Contudo, o texto hebraico implica mais do que as palavras que saem da boca de Deus. O texto hebraico diz literalmente: “O homem viverá de tudo o que sair da boca de Deus” (Dt 8:3; compare com a tradução de Robert Alter; compare com a versão JPS).
O verso hebraico alude também à criação dos seres humanos por Deus (Gn 2:7). Moisés estava enfatizando que é da boca de Deus, não do pão, que os humanos recebem a vida. Era importante que os israelitas entendessem essa lição. Mal-acostumados com o maná que caía regular e seguramente em seu solo, os israelitas se habituaram a essa provisão natural e podem ter, de fato, esquecido de que ela vinha de Deus. Jesus lembrou a Satanás que mesmo o poder do milagre não era a questão, mas a própria Pessoa de Deus.
Lei e graça
Como no livro de Deuteronômio, o apóstolo Paulo defende tanto a lei quanto a graça, embora também advirta contra a má compreensão desses dois princípios. Quando Paulo discutiu a maldição de Deuteronômio contra aqueles que observam a lei (Gl 3:10; compare com Dt 27:26), ele insistiu em dizer que não é a lei, por si só, que salvará os crentes. Aos gálatas, Paulo argumentou que eles não deveriam confiar na lei para a salvação, pois o rigor da lei na verdade os tornava dignos de morte. O esforço humano para obedecer à lei está fadado ao fracasso e, portanto, torna a maldição efetiva. Ainda assim, aprofunda Paulo, “aquele que observar os seus preceitos por eles viverá” (Gl 3:12), referindo-se às leis de Moisés (Dt 4:1; compare com Lv 18:5).
A razão desse paradoxo reside não só no valor da lei, mas também na fé na graça divina: “O justo viverá pela fé” (Gl 3:11), princípio retirado de Gênesis 15:6. Paulo explica essa “contradição” e dá a chave para ela: “Cristo nos resgatou da maldição da lei” (Gl 3:13) que está ligada à transgressão da lei. que está ligada à transgressão da lei. Paulo não promove a rejeição da lei; ao contrário, ele reforça a necessidade da lei. Embora vivamos por ela, é precisamente essa vida de fidelidade que nos levará à fé em Jesus Cristo, que morreu devido ao fracasso do pecador. Mas somos obrigados a sofrer a maldição por confiar apenas em nossas obras da lei, excluindo a dimensão da misericórdia (Hb 10:28; compare com Dt 17:2-6; 19:15; Hb 10:30; compare com Dt 32:35, 36). Assim, será ainda pior se ignorarmos a misericórdia divina e rejeitarmos, ou “insultarmos”, o Espírito da graça que Se manifestou na cruz (Hb 10:29).
Um Profeta como eu
Quando, sob inspiração, Moisés predisse a vinda de um Profeta semelhante a ele (Dt 18:15-19), ele não estava apenas se referindo à futura vinda dos profetas em geral. Houve profetas antes de Moisés (Gn 20:7; 37:5-9; Nm 11:25). Moisés tinha em mente o futuro Messias, assim como os profetas posteriores previram Sua vinda. Observe que a mesma expressão, “levantarei um Profeta”, foi usada em outras partes do AT para descrever a vinda do Messias, aludindo à profecia anterior de Moisés (2Sm 7:12). Então, quando Jesus veio e realizou o milagre extraordinário da multiplicação dos pães, os judeus imediatamente se lembraram do milagre do maná e pensaram que o profeta semelhante a Moisés havia chegado (Jo 6:14). Não é de admirar que Pedro e Estêvão, que sabiam dessa profecia messiânica, a usaram como argumento para convencer os judeus daquela época que ainda esperavam um profeta como Moisés (At 3:22, 23).
APLICAÇÃO PARA A VIDA
Como você aplica as Escrituras?
Considere os seguintes casos em que as pessoas podem conhecer bem as Escrituras, sem, contudo, levar a sério sua natureza inspirada:
• Aplicação hermenêutica. Algumas pessoas podem questionar a verdade histórica, ética e teológica do texto e/ou interpretar as Escrituras do ponto de vista de seus pressupostos culturais (teorias evolucionistas, pressão social e política, etc.). Qual é o perigo para a fé de alguém com esse modo de pensar? Qual é a solução?
• Aplicação existencial. Para alguns, as Escrituras não impactam sua vida pessoal e profissional, como se o Deus das Escrituras (AT e NT) fosse apenas um Deus de outra época e que nada tem a ver com seu cotidiano. Como o pensador existencial pode tornar as Escrituras e Deus mais pessoais?
Como você observa as leis bíblicas?
• O sábado. O que você pode fazer a fim de se preparar para a chegada do sábado desde o início da semana, de modo a viver esse dia como um momento de alegria e um presente de Deus para você, não como uma tarefa árdua?
• O dízimo. Você reclama quando tem que reservar parte do seu salário para Deus? Para você, o que é o dízimo? O que você pode fazer para reformular sua atitude em relação ao dízimo?
Como você entende as profecias messiânicas?
Comente com a classe as seguintes respostas:
• Como predições reais que foram entendidas como tais pelo profeta que as proferiu.
• Como reflexões que se aplicam apenas à situação contemporânea.
• Como profecias com dupla aplicação (contemporânea e futura) e reinterpretadas pelos escritores do NT.
Uma igreja no vilarejo
A história de hoje é sobre Xiu-yue, uma senhora indígena de 68 anos de idade do norte de Taiwan, refletindo a realidade do povo indígena em Taiwan. Há três anos, parte da oferta trimestral ajudou a espalhar o evangelho entre o povo indígena. Neste trimestre, a oferta ajudará a abrir três centros urbanos de influência destinado ao povo indígena e outros cidadãos de Taiwan. Obrigado por apoiar a espalhar o evangelho nesse país.
Eu não tenho um carro. Eu não sei dirigir uma moto ou uma bicicleta. A única forma de ir à igreja aos sábados é usando o taxi. Porém, minhas saídas de casa nesse dia causaram grandes problemas no meu casamento. Meu esposo, que não é adventista, ficava irritado quando eu o deixava para participar do culto na igreja da minha cidade natal.
Morávamos em uma cidade, grande sem uma adventista, no norte de Taiwan. Essa cidade natal ficava em uma montanha a alguma distância. Meu marido estava doente e não queria ir comigo. Ele também não queria ficar em casa. Certo sábado, quando voltei para casa e lhe ofereci o almoço, ele jogou a comida no chão. “Você só se importa com esta igreja!”, gritou. “Você nem se importa se eu vou viver ou morrer!” Eu me importava sobre a igreja, mas também me importava com meu esposo. Eu não sabia o que fazer. Parecia que sempre que procurava ser fiel ao Senhor, era atacada pelo inimigo.
Meu filho ficou gravemente ferido em um acidente de carro enquanto estava no serviço militar obrigatório. Saí de casa para cuidar dele e, enquanto estava com meu filho, o marido faleceu repentinamente. Senti-me responsável pela sua morte, porque poderia ter lhe ajudado se estivesse em casa. O luto me dominou e, por um mês, senti que não conseguia orar ou ler a Bíblia. Entretanto, lentamente, percebi que Deus estava no controle e tinha um lindo plano para mim.
Também vi que Deus tinha um plano maravilhoso para nossa igreja. Precisávamos de reformas na igreja e estimamos que o custo seria de 100 mil novos dólares taiwaneses (cerca de $3.550). Era uma quantia muito grande para os moradores, membros do grupo indígena Atayal.
Nosso trabalho de reforma teve vários problemas. Primeiro, uma senhora da igreja foi levada ao hospital após um acidente, e perdemos dois valorosos trabalhadores voluntários — ela e seu esposo — em um único dia. Então o único funcionário contratado, que não era membro da igreja, desmaiou de insolação. Felizmente, ele acordou após alguns minutos e, dizendo que estava bem, voltou ao trabalho. Depois disso, meu irmão se sentiu desanimado, preocupado que tivéssemos calculado mal os custos do projeto.
“Nunca conseguiremos cobrir os custos”, ele disse. Incentivei-o a confiar em Deus continuar trabalhando. Naquele ponto, um homem que era membro de outra denominação passou em frente à construção da nossa igreja. Ele parou e ofereceu ajuda com o trabalho da reforma. “A vida é muito curta para impedir um cristão de outra denominação de trabalhar para Deus”, disse ele. Então, ao anoitecer, ele entregou um pacote, e disse: “Quero fazer uma doação.”
Fiquei surpresa, ao descobrir um maço de cédulas com a enorme soma de seis mil novos dólares taiwaneses (aproximadamente $215). Quando o funcionário contratado soube a respeito da doação, ficou tão sensibilizado que informou que não queria ser pago pelo trabalho. “Quero trabalhar para a igreja gratuitamente”, disse. Ao testemunhar tudo isso, meu irmão ganhou confiança em nossos esforços e louvou ao Senhor.
Após seis anos, a reforma da igreja ainda não está completa, mas creio que Deus Se preocupa com Sua igreja e as necessidades do Seu povo. Ele sempre está. Continue orando por nós!
Informações adicionais
• Pronúncia de Xiu-yue: (“zi” é pronunciado comum “i” breve como em “zip”).
• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.
• Para mais notícias sobre o Informativo Mundial e outras informações sobre a Divisão do Pacífico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.
Esta história ilustra os componentes seguintes do plano estratégico da !greja Adventista, “I Will Go”: Objetivo de Crescimento Espiritual nº 1 – “reavivar o conceito de missão mundial e sacrifício pela missão como um estilo de vida que envolva não apenas os pastores, mas todos os membros da igreja, jovens e idosos, na alegria de testemunhar por Cristo e de fazer discípulos”; e Objetivo de Crescimento Espiritual nº 2 – “fortalecer e diversificar o alcance dos adventistas nas grandes cidades”. Conheça mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021
Tema Geral: A verdade presente em Deuteronômio
Lição 12 – 11 a 17 de dezembro de 2021
Deuteronômio no Novo Testamento
Autor: Sérgio H. S. Monteiro
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega
Na mesma linha do estudo da semana passada, a lição desta semana, a penúltima de nosso estudo de Deuteronômio, focaliza as relações entre o livro de Deuteronômio e os livros posteriores, neste caso, o Novo Testamento. Esse estudo é deveras importante, uma vez que toca no cerne da questão identitária do cristianismo hoje: Como lidar com a Bíblia Hebraica, o Antigo Testamento? Seria ele Escritura cristã? Deveria ser lido ainda na igreja? Seria a Bíblia Hebraica normativa para a comunidade cristã? Todas essas perguntas podem ser respondidas também para o modo pelo qual o Novo Testamento, literatura dita da igreja, trata de Deuteronômio, já que esse texto é fundamental à Torah, sendo ela o fundamento da Bíblia Hebraica.
Na literatura fundamental do Novo Testamento, que lida com a figura central do livro, Jesus, encontramos várias vezes em Sua boca referências ao texto da Bíblia Hebraica, e também, de maneira particular a Deuteronômio. De fato, Cristo citou o livro de Deuteronômio mais do que qualquer outro livro da Bíblia Hebraica e parece havê-lo utilizado de igual maneira. No deserto da tentação, encontramos nosso Senhor citando 3 vezes o livro de Deuteronômio como forma de afastar as tentações de Satanás (Compare Lc 4:4 com Dt 8:3; Lc 4:8 com Dt 6:13, 10:20; Lc 4:12 com Dt 6:16). Em discussões legais com os fariseus ou saduceus, o texto-base dos antagonistas era Deuteronômio (Compare Mt 12:19 com Dt 25:5), enquanto o próprio prólogo de João inclui Deuteronômio na construção do pensamento. Já em Lucas 24:27, durante a caminhada para Emaús, Jesus começou sua “exegese” messiânica por Moisés, o que certamente incluiu o famoso texto sobre o profeta “semelhante a Mim” (Dt 18:15).
Esse mesmo contexto discursivo de Moisés em Deuteronômio com a profecia direta de que Deus iria levantar um profeta como ele (Dt 18:15, 18) forma uma base consistente de legitimação da messianidade de Jesus. Em Atos 3:22, no que pode ser visto como um resumo do discurso de Pedro no Pentecostes, o texto é invocado como um referencial irrefutável de que o que presenciavam os judeus era demonstração de que Jesus havia cumprido o predito por Moisés. Na mentalidade judaica, em que a entrega da lei era associada ao Ruach Hakodesh (Espírito Santo) e à demonstrações de poder de Deus, essa referência se tornava mais imbuída de força e poder. Ainda em Atos, Estêvão também utilizou o mesmo texto mosaico na proclamação de que Jesus era o Messias (At 7:37). Na construção de seu sermão, Estêvão indicou que Moisés e Jesus compartilharam não apenas da missão profética, mas foram vítimas da mesma descrença por parte de seus irmãos judeus. Ou seja, Moisés não era apenas um tipo positivo de Cristo, mas também compartilhava de antecedentes relacionados com Sua Missão, mesmo os negativos. Já nos escritos de Paulo, encontramos relevantes alusões nos livros de Romanos, 1 Coríntios e Gálatas. Essas alusões estão associadas invariavelmente à lei e sua relação com o evangelho pregado por Paulo. Por exemplo, toda a discussão em Gálatas sobre a maldição da lei, Paulo utilizou os textos de Deuteronômio 21:22, 23 e Deuteronômio 27:26 (Gl 3:10 em diante). Por fim, Deuteronômio é fundacional também para as cartas pastorais, tanto quanto para Hebreus.
E o que esse uso frequente de Deuteronômio, um livro da Lei, em literatura da graça pode nos ensinar? Primeiro, que essa diferenciação entre lei e graça, como se apresenta no mundo religioso de hoje, é artificial, para dizer o mínimo, e antibíblica, para ser preciso. Nem Jesus, nem os apóstolos, em momento algum vislumbraram um abandono da fé veterotestamentária, pois ela se fundamentava no desejo divino de ter Israel como Seu povo. Segundo, a ideia de graça não pode ser restringida ao Novo Testamento, nem a Lei deve ser restrita à Bíblia Hebraica. Na verdade, lei e graça são binômios existentes na própria relação da aliança, que pressupõe um contrato de convivência com regras, sendo o perdão a materialização da graça, necessário quando o relacionamento é rompido. Terceiro, acentua a unidade das Escrituras com UMA só mensagem que abarca a realidade da humanidade em seu todo:
criação -> pecado -> redenção -> salvação
Quarto, apresenta a certeza de que o Deus trino é o mesmo ontem, hoje e o será eternamente, pois Ele foi Deus em Deuteronômio e segue sendo Deus no Novo Testamento.
Finalmente, é conhecido que a base da pregação de Jesus era o “amor a Deus”, conforme descrito em Deuteronômio 6:5, no contexto do shemá. Esse fato sempre me leva a pensar no momento em que Cristo, sendo Deus, proclamava pelas manhãs o credo judaico que reconhecia que havia apenas um Deus em Israel. Imagino como os anjos O acompanhavam, no reino espiritual, encantados com o poder da humildade de Cristo, que sendo Deus, não considerou Sua posição como tão importante quanto a salvação da humanidade. Pela manhã, no horário da proclamação do Shemá, gosto de pensar em como o coro celestial silenciava, ao ouvir a voz do Filho de Deus, proclamando da Terra a singularidade de Deus nos Céus! Sua voz ecoando não apenas pelas planícies da Judeia, nem restrita às montanhas e vales humanos, mas atingindo os mundos não caídos, até os limites do próprio Universo, causando nos seus habitantes um espanto reverente e a sensação de amor indescritível. Sua voz se aproximava dos portais do inferno, causando em seus habitantes a certeza da derrota no reconhecimento de que aquela mesma voz que ouviram outrora os chamando à existência, foi por eles rechaçada quando os chamara para a obediência. Estremeciam e temiam profundamente quando Ele, o Criador, proclamava com o som de muitas águas a glória de Deus. Por outro lado, aos ouvidos de Seus anjos em cima e de homens fiéis no decorrer de tantas eras, Sua voz era como uma suave e confortadora brisa, pois proclamava não apenas a glória de Deus, mas o amor desse mesmo Deus e Seu desejo de estabelecer com eles um relacionamento firme e duradouro. Sua voz era o rítmico som de um calmo oceano, mas não de águas turbulentas; era o som de uma doce brisa, não de um impetuoso vento. Seu canto se tornava uma suave melodia que dizia: “Shemá Israel Adonay Elohenu, Adonay echad! Ouve, oh Israel, o Eterno é nosso Deus, o Eterno somente!
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O pastor Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica e cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021
Tema Geral: Deuteronômio
Introdução a Deuteronômio
Autor: Sérgio H. S. Monteiro
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Rosemara Santos
Nome do livro
O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).
Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.
Autoria e data
De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.
A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.
Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.
Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.
Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.
Crítica textual
Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.
O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.
Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.
O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).
A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.
A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.
Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.
Estrutura
O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:
I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43
II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19
III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20
IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30
V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43
VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29
VII. A Morte de Moisés, 34:1-12
Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.
Temas
São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.
Deus
Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!
Israel
É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.
Aliança
É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.
Lendo Deuteronômio
Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.
Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:
1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;
2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.
3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.
O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.
E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.
Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.