Retomamos a história da família de Isaque, o filho do milagre e ancestral da descendência prometida. Contudo, a história não começa muito bem. O caráter imperfeito de seu filho Jacó se manifestaria na rivalidade entre os dois irmãos pela primogenitura (Gn 25:27-34) e, consequentemente, pelo direito de obter a bênção de Isaque (Gn 27).
Como Jacó enganou seu pai e roubou a bênção de seu irmão mais velho, ele teve que fugir para salvar sua vida. Indo para o exílio, Deus o confrontou em Betel (Gn 28:10-22). A partir de então, Jacó, o enganador, também teria a experiência de ser enganado. Em vez de Raquel, a quem Jacó amava (Gn 29), Lia, a filha mais velha, lhe foi dada, e ele teve que trabalhar 14 anos para ganhar suas esposas.
No entanto, Jacó também experimentou a bênção divina, pois no exílio teve seus 12 filhos, e Deus aumentou sua riqueza. Assim, tudo o que observamos nessa história indica como Deus cumpre Suas promessas da aliança, de uma ou de outra forma, independentemente de quantas vezes Seu povo falhe.
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1. Leia Gênesis 25:21-34. Compare as personalidades de Jacó e Esaú. Que qualidades de Jacó o predispuseram a ser digno da bênção de Isaque?
Desde o ventre de sua mãe, percebemos que Jacó e Esaú eram diferentes e lutariam um contra o outro. Enquanto Esaú é descrito como perito caçador, homem do campo, Jacó é visto como alguém tranquilo, assentado à tenda e meditando. A palavra hebraica tam, traduzida como “pacato”, é a mesma aplicada a Jó e a Noé, traduzida como “íntegro” para Jó (Jó 8:20) e “justo” para Noé (Gn 6:9).
Essa diferença de caráter se tornaria evidente mais tarde (Gn 27– 28:5). Quando Esaú chegou em casa cansado e com fome, Jacó havia preparado lentilhas para si. Para Esaú, o prazer imediato visível e físico do alimento (Gn 25:32) foi mais importante do que a bênção futura associada ao seu direito de primogenitura (compare com Hb 12:16, 17).
“As promessas feitas a Abraão e confirmadas ao seu filho eram consideradas por Isaque e Rebeca o grande objetivo de seus desejos e esperanças. Esaú e Jacó estavam familiarizados com essas promessas. Foram ensinados a considerar a primogenitura algo de grande importância, pois incluía não somente a herança das riquezas terrestres, mas também a liderança espiritual. Aquele que a recebia devia ser o sacerdote da família, e na linhagem de sua posteridade viria o Redentor do mundo” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 143 [177]).
Para Jacó, em contraste com seu irmão, o significado espiritual da bênção era o que importava. No entanto, depois, instigado por sua mãe (Gn 27), Jacó enganou seu pai de maneira aberta e proposital, até mesmo usando o nome do “Senhor, seu Deus” (Gn 27:20) ao perpetrar o artifício. Ele cometeu esse engano terrível, ainda que por algo que sabia ser bom.
Os resultados foram trágicos, acrescentando mais disfunções a uma família já disfuncional.
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Assim que Esaú descobriu que Jacó havia recebido a bênção de seu pai, percebeu que havia sido enganado pelo irmão (Gn 27:36) e quis matá- lo (Gn 27:42). Rebeca se preocupou e procurou evitar esse crime, que seria fatal para os dois filhos (Gn 27:45). Assim, com o apoio de Isaque (Gn 28:5), ela exortou Jacó a fugir para casa de parentes (Gn 27:43). No caminho para o exílio, Jacó encontrou Deus em um sonho num lugar a que ele chamou de Betel, “a casa de Deus”, e ali fez um voto.
2. Leia Gênesis 28:10-22. Compare com Gênesis 11:1-9. Em que Betel é diferente de Babel? Da experiência de Jacó em Betel e do que ocorreu em Babel, que lição tiramos sobre nosso relacionamento com Deus?
Nesse sonho, Jacó viu uma escada extraordinária ligada a Deus. O mesmo verbo hebraico, natsav, é usado para se referir à escada que é “posta na Terra” (Gn 28:12) e ao Senhor que “estava perto” de Jacó (Gn 28:13), como se a escada e o Senhor fossem a mesma coisa.
A escada estava relacionada à tentativa de Babel de alcançar o Céu. Como a torre de Babel, a escada chegava à “porta do Céu”. Mas enquanto a torre representava o esforço humano para subir e alcançar Deus, a escada de Betel enfatizava que o acesso a Deus só podia ser alcançado pela vinda de Deus a nós, e não o contrário.
Quanto à “pedra” na qual Jacó colocou sua cabeça e teve o sonho, ela se tornou o símbolo de beth-El, “a casa de Deus” (Gn 28:17, 22), que apontava para o templo, o santuário, o centro da atuação salvífica de Deus em favor da humanidade.
Jacó não limitou ao espiritual e ao místico sua expressão de adoração e senso de admiração em relação ao que lhe havia acontecido. Ele queria responder em termos externos concretos. Assim, decidiu “dar o dízimo” a Deus, não para obter a bênção divina, mas como uma resposta de gratidão ao presente do Senhor, que já tinha sido dado a ele. Novamente vemos o conceito do dízimo muito antes do surgimento da nação de Israel.
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3. Leia Gênesis 29:1-30. Como Labão enganou Jacó? Por que Deus permitiu isso? Que lições Jacó aprendeu com essa experiência?
A primeira coisa que Jacó viu ao chegar ao seu destino foi uma pedra, talvez uma alusão à pedra de Betel, cujo significado era a presença divina (Gn 28:18, 19). Afinal, foi essa pedra que deu a Jacó a oportunidade de interagir com Raquel. Quando ouviu dos pastores que Raquel estava vindo com suas ovelhas para dar água ao rebanho, exortou que rolassem a pedra. Eles não o fizeram, o que deu a Jacó a oportunidade de fazer isso ele mesmo e de se apresentar a Raquel (Gn 29:11).
A reação dela foi correr até sua família. Esse primeiro contato entre Jacó e Raquel foi produtivo: “Jacó amava Raquel” (Gn 29:18), tanto que os sete anos que trabalhou para Labão em troca dela foram como “poucos dias” (Gn 29:20).
Contudo, após esses sete anos, Jacó foi enganado. Na noite do casamento, ele encontrou Lia em sua cama, a irmã mais velha, e não Raquel. Tirando vantagem da confusão da festa e da intensa emoção e vulnerabilidade de Jacó, Labão executou esse plano. Curiosamente, Jacó usou a mesma raiz da palavra “enganar” (Gn 29:25) que Isaque havia usado para caracterizar o comportamento de Jacó para com o próprio pai e para com seu irmão (Gn 27:35).
O mesmo pensamento está implícito na lex talionis (“lei da retaliação”), “olho por olho, dente por dente” (Êx 21:24; Gn 9:6), que forçava o culpado a se identificar com sua vítima no sentido de que ele sofresse o que a vítima tivesse sofrido. Portanto, o que Jacó tinha feito a outra pessoa, fizeram a ele.
Jacó então entendeu o que era ser enganado. Ironicamente, Deus ensinou Jacó sobre seu próprio engano por meio do engano de Labão. Embora, como “enganador” (Gn 27:12, ARC), Jacó soubesse bem o que significava isso, ele se surpreendeu quando foi vítima. Assim, perguntou: “Por que [...] o senhor me enganou?” (Gn 29:25), o que mostra que ele sabia que enganar era errado.
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Para Jacó, os últimos sete anos de exílio foram um fardo e, mesmo assim, os mais frutíferos. Jacó se tornou pai de 11 dos 12 filhos que se tornariam os ancestrais do povo de Deus.
Essa seção constitui o centro da história de Jacó (Gn 25:19–35:26) e começa e termina com a frase-chave: Deus “fez com que ela fosse fecunda”, referindo-se a Lia (Gn 29:31) e a Raquel (Gn 30:22; compare com Gn 25:21). Cada vez que essa declaração é seguida por nascimentos, eles são o resultado de um milagre divino.
4. Leia Gênesis 29:31–30:22. Qual é o sentido do que se passa nesse contexto?
Deus abriu o ventre de Lia, e ela teve um filho, Rúben, cujo nome contém o verbo ra›ah, que significa “ver”. Porque Deus “viu” que ela não era amada por Jacó (Gn 29:31), essa criança foi uma compensação para ela em sua dor e seu sofrimento.
Além disso, deu o nome de Simeão, que contém o verbo shama’, “ouvir”, ao seu segundo filho, porque Deus “ouviu” (shama’) a profundidade e a humilhação de sua dor e, portanto, teve pena dela assim como tinha ouvido a aflição de Agar (Gn 29:33).
Simeão se conecta ao nome do filho de Agar, “Ismael”, que significa “o Senhor ouviu” (Gn 16:11). Quando Lia deu à luz seu último filho, o chamou de Judá, que significa “louvor”. Lia não se referiu mais à sua dor, nem mesmo à bênção. Ela se concentrou em Deus e O louvou por Sua graça.
É curioso que, somente quando Lia não conseguiu dar à luz novamente, Deus Se lembrou de Raquel e abriu o ventre dela (Gn 30:22). A esposa amada esperou sete anos após seu casamento e 14 anos após seu noivado com Jacó para ter seu primeiro filho (Gn 29:18, 27; Gn 30:25). Ela deu-lhe o nome de “José” para significar que “Deus tirou [‘asaf]” dela o seu vexame e lhe daria “ainda outro filho” (Gn 30:23, 24). Por mais erradas que fossem algumas dessas atitudes, Deus foi capaz de usar essas ações, mesmo que não as tolerasse, a fim de criar uma nação da semente de Abraão.
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Jacó, que enganou seu pai e seu irmão para adquirir a primogenitura e roubou a bênção que Isaque planejava dar a seu filho mais velho, permaneceu passivo em relação a Labão e o serviu fielmente. Jacó sabia que tinha sido enganado pelo sogro e, mesmo assim, não fez nada. É difícil entender a passividade de Jacó considerando seu temperamento. Ele poderia ter se revoltado, ter resistido com Labão ou barganhado com ele. Mas não fez isso. Apenas fez o que Labão pediu, sem se importar com a injustiça.
No nascimento do primeiro filho de Raquel, José, Jacó chegou ao décimo quarto ano de seu “serviço” a Labão (Gn 30:26) e desejou retornar à terra prometida. Porém, Jacó se preocupava em prover para sua “própria casa” (Gn 30:30).
5. Leia Gênesis 30:25-32. O que aconteceu e que argumento Jacó usou? Qual foi a resposta de Labão?
Foi um longo desvio para Jacó, que havia saído de casa para encontrar uma esposa. Provavelmente não fosse sua intenção original ficar longe de seu país por tanto tempo, mas os acontecimentos o mantiveram afastado por anos. Era hora de voltar para casa, ele e a família que havia formado.
Por que Jacó não deixou Labão antes? A conformidade não natural de Jacó sugere que talvez tivesse mudado e entendido a lição de fé. Ou seja, Jacó esperou o sinal de Deus para partir. Jacó decidiu agir somente quando Deus falou com ele.
Deus Se revelou a Jacó como “o Deus de Betel” e ordenou que deixasse a casa de Labão e voltasse para “sua parentela” (Gn 31:13) com as mesmas palavras que havia usado para chamar Abrão (Gn 12:1).
O que o ajudou a ver que era hora de ir também foi a atitude de Labão e de seus filhos (Gn 31:1, 2). “Jacó teria deixado seu astuto sogro muito tempo antes, não fosse o medo de se encontrar com Esaú. Agora via ele que estava em perigo por causa dos filhos de Labão, que, ao olhar para sua riqueza como se fosse deles, poderiam tomá-la pela violência” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 156 [193]).
Portanto, ele pegou a família, seus bens e partiu, iniciando assim outra fase na grande saga do povo da aliança de Deus.
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Deus escolheu Jacó, não porque este merecesse, mas por causa de Sua graça. No entanto, Jacó trabalhou arduamente para tentar merecer a graça, o que em si é uma contradição. Se a merecesse, então não seria graça; seriam obras (Rm 4:1-5), o que é contrário ao evangelho. Só depois Jacó entendeu a graça divina e o que significava confiar em Deus, viver pela fé e ser dependente do Senhor. O exemplo de Jacó contém uma lição para o ambicioso: não se esforce para se promover às custas dos outros.
“Jacó havia pensado em obter o direito aos privilégios da primogenitura por meio do engano, mas se viu desapontado. Achou que tivesse perdido tudo, sua ligação com Deus, seu lar, tudo; e ali estava ele, um fugitivo frustrado. Mas o que Deus fez? Olhou para ele em sua condição sem esperança, viu-lhe o desapontamento e entendeu que ali havia potencial que ainda poderia render glória a Deus. Tão logo viu aquela condição, apresentou em visão a escada que representa Jesus Cristo. Ali estava um homem que havia perdido a ligação com Deus, e o Deus do Céu o contemplou e consentiu que Cristo transpusesse o abismo que o pecado havia ocasionado.
“Poderíamos ter olhado e dito: Anseio pelo Céu, mas como posso alcançá-lo? Não vejo como. Foi isso que Jacó pensou, e assim Deus lhe mostrou a visão da escada, e essa escada liga a Terra ao Céu, a Jesus Cristo. A pessoa pode subir por ela, pois sua base repousa na Terra, e seu topo alcança o Céu” (Comentários de Ellen G. White, Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia, v. 1, p. 1206).
Perguntas para consideração
1. Nos relatos sobre Isaque, Rebeca, Jacó, Esaú, Labão, Raquel e Lia vemos mentiras e enganos. O que isso nos ensina sobre a natureza humana e a graça de Deus?
2. Ao ler a história de Jacó, que evidência encontramos de que ele amadureceu?
3. Corremos o risco de ter a atitude de Esaú para com seu direito de primogenitura? Como assegurar que sempre amaremos e apreciaremos a luz que Deus nos deu?
Respostas e atividades da semana: 1. Esaú era caçador; Jacó era pacato. Para Jacó, ao contrário de Esaú, a bênção espiritual era o que importava. 2. Betel foi o esforço divino para alcançar o ser humano; Babel é o esforço humano para alcançar o Céu, para o mal. 3. Deus permitiu que Labão enganasse Jacó para ensiná-lo sobre o engano. Ele amadureceu e compreendeu seu erro. 4. Deus mostrou misericórdia a Lia abençoando-a com filhos. Deus torna acontecimentos ruins em bênçãos. 5. Jacó queria trabalhar para si; Labão aceitou a oferta; Deus abençoou Jacó.
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TEXTO-CHAVE: Gn 27:36
FOCO DO ESTUDO: Gn 25–30; 11:1-9
ESBOÇO
Introdução: Jacó sucedeu a Isaque como o elo seguinte na cadeia genealógica que transmitia a semente messiânica. Enquanto seus predecessores, Abraão e Isaque, geraram dois ramos genealógicos, sendo que apenas um deles foi mantido na linhagem da aliança, Jacó foi o primeiro patriarca que gerou a linhagem singular da aliança, as 12 tribos do povo de Israel.
A vida de Jacó foi repleta de lutas e problemas. Nesta semana, acompanharemos suas lutas desde seu nascimento até o momento de seu exílio na Mesopotâmia. Seu temperamento e destino já estavam sinalizados no ventre de sua mãe, onde lutou com seu irmão pela supremacia. Jacó saiu de sua mãe com a mão no calcanhar de seu irmão. Mais tarde, ele enganaria Esaú com uma refeição de lentilhas para ganhar a preeminência e roubaria a bênção do direito de primogenitura. Como consequência, Jacó teve que fugir para seu tio em Padã Arã, a fim de escapar da ira de seu irmão. No exílio, foi enganado por seu tio e, como resultado, foi obrigado a trabalhar para ele por mais tempo do que esperava. Por outro lado, Deus estava com ele e orquestrou os eventos em seu favor. O Senhor Se revelou em um sonho que tranquilizou o angustiado Jacó. Sua história termina com o nascimento de seus 12 filhos, os ancestrais do povo de Deus.
COMENTÁRIO
O contraste entre os gêmeos
O contraste entre os irmãos gêmeos Jacó e Esaú aparece desde o início, sinalizando seus respectivos destinos. O primeiro filho, Esaú, é descrito por sua aparência: ele era ruivo e peludo. O outro filho, Jacó, é descrito por sua atitude; ele agarrou o calcanhar de seu irmão (‘aqeb); daí o nome de Ya’aqob (Jacó), que antecipa seu futuro ato de enganar seu irmão (Gn 27:36). Mais tarde, quando Esaú percebeu que Jacó lhe havia roubado a bênção da primogenitura, fez um jogo de palavras com o nome Jacó (ya’aqob) para reclamar que aquela era a segunda vez que o irmão agarrava seu calcanhar (Gn 27:36). Atacar o calcanhar também sugere engano e agressão fatal (Gn 3:15; 49:17). Assim, os nomes dos irmãos continham profecias que revelavam seus respectivos destinos.
A diferença entre os dois irmãos se verificava de imediato em seu comportamento e escolhas. Como Ismael (Gn 21:20), Esaú era um caçador habilidoso, um homem que amava estar ao ar livre, em campos abertos, enquanto Jacó era um homem manso que preferia estar em casa. Esaú era amado por seu pai, enquanto Jacó era amado por sua mãe (Gn 25:28). A natureza espiritual e sensível de Jacó contrastava com a natureza dura e física de Esaú. A palavra hebraica tam (traduzida como “pacato”), que qualifica Jacó, é a mesma palavra que caracteriza Jó (Jó 8:20) e Noé (Gn 6:9). De idêntica maneira, o verbo yashab (traduzido como “morar”), que significa “sentar”, sugere o temperamento quieto e meditativo de Jacó (compare com Sl 84:4; 91:1). Essa informação sobre o caráter deles se apresenta antes do incidente da refeição, que determina suas respectivas prioridades (Gn 25:29-31). Jacó considerava o significado espiritual da primogenitura que ele desejava obter de modo tão apaixonado; Esaú, em contraste, não se preocupava com coisas além da vida presente e não estava interessado no que poderia acontecer após sua morte. Jacó, ao contrário de Esaú, que era voltado para o presente, mirava o futuro e era particularmente sensível aos valores espirituais. Porém, ele estava tão ansioso para garantir o direito de primogenitura naquele momento que usou meios materiais para esse propósito. Ironicamente, Jacó tinha fé suficiente para “enxergar” os valores espirituais e o benefício futuro de uma primogenitura, mas não possuía fé suficiente para confiar isso a Deus (compare Gn 27:41-45). Antes da instituição do sacerdócio, o direito de primogenitura “incluía não somente a herança das riquezas terrestres, mas a preeminência espiritual. Aquele que a recebia devia ser o sacerdote da família” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 177). O pedido de Esaú (Gn 25:30) sugere que, para ele, a primogenitura não tinha significado espiritual; ele se preocupava apenas com sua satisfação imediata. Assim, desprezou seu direito de primogenitura (Gn 25:32, 34; compare com Hb 12:16, 17).
Betel e Babel
A frase “porta dos céus”, que ocorre somente nessa passagem (Gn 28:17) em toda a Bíblia hebraica, é uma reminiscência do nome “Bab-El” (“porta de Deus”) e, portanto, do inútil empreendimento dos homens de Babel, que nunca alcançaram a “porta dos céus”. A expressão “a porta dos céus” é paralela à expressão “a casa de Deus”, que se refere ao lugar que é “a pedra” (Gn 28:18, 19); esse lugar, por sua vez, é o local terrestre da “escada” (Gn 28:12) do sonho de Jacó. Portanto, como o equivalente celestial da “casa de Deus” terrestre, “a porta dos céus” aponta para a morada celestial ou santuário do templo.
A lição de Betel é que existe uma conexão entre o Céu e a Terra, e que essa conexão é a escada de Jacó, que é o próprio Deus. Então, Jacó pegou a pedra que havia posto ao redor de (ou sob) sua cabeça, uma pedra que estava associada com seu sonho extraordinário, e a pôs em pé “como coluna”. A palavra hebraica para “coluna”, matseba, “em pé”, que se refere à pedra “em pé”, ecoa as palavras mutsab e nitsab, que designam, respectivamente, a escada “em pé” e o Deus “em pé”. Jacó ungiu a pedra para a consagrar como um monumento, transmitindo assim uma lição espiritual. Essa pedra lembra as lições da escada de Jacó, a conexão Céu-Terra. Em contraste com o nome Babel, que lembra a tentativa vã dos homens que nunca chegaram à porta de Deus, Betel afirma que estamos na “casa de Deus”. Os homens de Bab-El nutriram a ambição de alcançar e adentrar o lugar de Deus para tomar Seu lugar. A lição de Betel é que o acesso a Deus só pode ser alcançado por meio do dom divino, por meio de Sua graça e encarnação, por meio da escada que é Jesus Cristo (Jo 1:51).
Religião de Jacó. É interessante observar que é nessa pedra, o lugar em que estava a escada, que Jacó encontrou sua religião. Ele identificou essa pedra como “a casa de Deus” (Gn 28:22). A pedra significava a certeza da conexão entre o Céu e a Terra (Gn 28:12). Jacó se comprometeu a construir um lugar de adoração, um santuário que iria testemunhar disso.
Seu voto foi uma resposta à proteção divina no caminho de volta à terra prometida. Jacó também se comprometeu a dar o dízimo em resposta à dádiva divina de pão e roupas. A religião de Jacó, sua adoração e fidelidade são, portanto, descritas como uma resposta aos atos da graça de Deus e não como um meio de obter os favores Dele. Jacó respondeu por meio da adoração, pois o Senhor era seu Deus pessoal e porque o Deus celestial desceu e Se conectou com a Terra. Porque o Criador cuidou das necessidades físicas de Jacó e se preocupou com elas, e porque é a fonte de tudo o que ele tinha (Gn 28:22), Jacó respondeu prometendo dar seu dízimo ao Senhor de tudo o que obtivesse. O texto bíblico não indica que Jacó tivesse cumprido seus dois votos a respeito do santuário e do dízimo. Apenas a parte de Deus no trato está registrada no livro de Gênesis. Jacó reconheceu a parte de Deus quando se referiu à sua experiência da proteção divina (Gn 35:3; compare Gn 46:3, 4). Mais tarde, a construção do santuário por Israel, o sinal de adoração ao Deus do Céu, e a instituição do dízimo, o sinal de reconhecimento do Deus da Terra, sugerem que Jacó também tenha cumprido seus votos.
Bênção de Jacó. Quando Jacó propôs o acordo de que todas as ovelhas salpicadas e malhadas (Gn 30:32) fossem separadas e consideradas seu salário, Labão concordou de imediato (Gn 30:34). Para atingir seu objetivo, Jacó usou galhos verdes de álamo, aveleira e plátano (Gn 30:37). Esse sistema não foi acidental, uma vez que essas três árvores contêm substâncias químicas que trazem vários benefícios à saúde. Como os animais híbridos são naturalmente mais fortes do que as outras raças, ao escolher os mais fortes (Gn 30:41) de acordo com a visão divina, Jacó selecionou os cordeiros que já possuíam os genes recessivos. Usando esse método, ele foi capaz de produzir um grande rebanho composto de fortes ovelhas e cabras multicoloridas. O método de Jacó pode parecer magia supersticiosa, mas o texto bíblico nos informa que ele procedeu sob orientação divina (Gn 31:11, 12). Além disso, estudos científicos indicam que o método de Jacó pode estar em harmonia com a lei da genética moderna. No final, ele se tornou “mais e mais rico” (Gn 30:43). Essa expressão lembra a qualificação de Jacó quanto à riqueza de Labão (Gn 30:30). Esse eco entre essas duas avaliações da riqueza de Jacó e Labão sugere que ele se havia tornado mais rico do que seu tio, e que sua prosperidade havia sido adquirida da prosperidade de Labão, que foi o resultado da bênção de Deus por causa de Jacó (Gn 30:27).
APLICAÇÃO PARA A VIDA
O contraste entre os gêmeos. O contraste entre Jacó e Esaú sugere duas mentalidades. Discuta com sua classe as duas psicologias e os dois modos de vida implícitos nessas duas figuras bíblicas. Por que o tipo de pessoa representada por Jacó é a que agrada a Deus? Todos os valores de Esaú (satisfação pela boa comida, esporte, força, amor por seu pai) são menos valiosos do que aqueles acalentados por Jacó (meditação interior, gentileza, amor por sua mãe)?
Betel e Babel. Leia Gênesis 11:1-9 e Gênesis 28:10-22. Compare as duas maneiras de se aproximar de Deus. Qual é a diferença entre Betel, “casa de Deus”, que indica estar na casa de Deus, e Babel, “porta de Deus”, que indica estar à porta de Deus? Onde você situa nossa civilização e por quê?
A religião de Jacó. Qual é a sua motivação ao devolver o dízimo? Por que você guarda os mandamentos? Como relaciona sua obediência a Deus com seu relacionamento com Ele? Suponha que você perca seu emprego por causa de sua fidelidade ao mandamento do sábado. Como ainda daria o dízimo?
Esperança na pandemia
A covid-19 transformou minha vida. Sempre acreditei em Deus e, ainda na juventude, comecei a orar pedindo que Ele me ajudasse a encontrar um bom marido. Eu desejava um esposo que amasse a Deus e me acompanhasse à igreja. Mas a grande questão era: Que igreja frequentaríamos?
Quando criança, eu frequentava a igreja com meus pais, em Angola, e seguia fielmente todos os rituais. Mas, parecia que faltava algo. Depois de me casar com um marido maravilhoso, mudei para outra igreja. Quatro anos depois, troquei para a terceira igreja. Porém, a sensação de vazio continuou. Algo faltava. O que eu ouvia na igreja não parecia conectar com minha vida pessoal. Eu não estava segura de que Deus perdoara meus pecados nem sentia que Ele transformava meu caráter à Sua semelhança. Além disso, meu esposo não queria ir à igreja.
Em 2020, o país entrou em lockdown por causa da pandemia da Covid-19. As igrejas foram fechadas e não pude frequentar nenhum culto. Procurando sermões no YouTube, encontrei dois programas dirigidos por pastores adventistas no canal de televisão Hope Channel. Enquanto os assistia, comparei cuidadosamente os versos bíblicos na minha Bíblia. Percebi que não estava muito familiarizada com a Palavra de Deus. O que mais chamou minha atenção foi a observância do sábado.
Em um programa, pareceu que um dos pastores falava diretamente a mim. “Quem vocês querem seguir: os ditamos dos homens, ou a Palavra de Deus expressada na Bíblia?” ele questionou. Essa pergunta me incomodou imensamente. Do fundo do coração, respondi: “Quero seguir o que Deus diz em Sua Palavra.” Lembrei-me de uma jovem senhora a quem eu havia contratado para me ajudar em casa. Quando começou a trabalhar, ela limpava e cozinhava todos os dias, até sexta-feira, e folgava aos sábados. Ela explicou que ia à uma igreja Adventista do Sétimo Dia aos sábados. Mas, depois de algum tempo, deixou de frequentá-la e passou a trabalhar também aos sábados.
Quando me conscientizei da importância do sábado, conversei com aquela senhora. “Você não frequenta mais a igreja, mas está disposta a trabalhar na minha casa aos sábados. Se você deixar de frequentar a igreja por causa desse emprego, pense. A partir de agora, você só trabalhará para mim de segunda a sexta. O sábado é um dia santo.”
Naquele ponto, as restrições da pandemia diminuíram, e a moça pôde voltar à igreja. Hoje, ela estuda se preparando para o batismo. Enquanto isso, eu quis conhecer mais sobre o sábado e telefonei para um pastor adventista cujo número consegui na internet. Amigavelmente, ele me ofereceu alguns livros para ler. Comecei a guardar o sábado e fui batizada em 2021.
Hoje, sou uma nova pessoa e a transformação continua a acontecer diariamente. Sei que Deus perdoa meus pecados. Sei que Ele está transformando meu caráter à Sua semelhança. Junte-se a mim em oração para que meu marido conheça a Deus e me acompanhe à igreja todos os sábados.
Parte da oferta deste trimestre ajudará a concluir quatro projetos no meu país natal, Angola, incluindo uma escola adventista em Luanda, uma igreja e uma escola de Ensino Fundamental na cidade de Belize, um Centro de Aconselhamento Contra a Violência Doméstica na cidade de Lombe e um residencial masculino na Universidade Adventista de Angola, na cidade de Huambo. Muito agradecemos pelas ofertas.
Informações adicionais
- Peça que uma mulher apresente esta história na primeira pessoa.
- Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.
- Para mais notícias do Informativo Mundial das Missões e outras informações sobre a Divisão Sul-Africana Oceano Índico: bit.ly/sid-2022.
Esta história ilustra o Objetivo de Crescimento Espiritual nº 5 do plano estratégico da Igreja Adventista do projeto “I Wil Go” (Eu irei): “discipular indivíduos e família na vida espiritual”. Os quatro projetos missionários na Angola ilustram o Objetivo Missionário nº 4: “fortalecer as instituições adventistas na defesa da liberdade, saúde integral e esperança através de Jesus, restaurando pessoas à imagem de Deus.” Saiba mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.
Comentário da Lição da Escola Sabatina – 2º Trimestre de 2022
Tema Geral: Gênesis
Lição 9 – 21 a 28 de maio de 2022
Jacó, o enganador
Autor: Wilian S. Cardoso
Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br
Revisora: Josiéli Nóbrega
Depois de um curto relato sobre Isaque, o autor de Gênesis pula imediatamente para a história de Jacó. Na verdade, muito do que é dito sobre Isaque refere-se às suas ações dentro do relato de seu filho. Jacó foi o último dos patriarcas, pois é a partir dele e da geração de seus doze filhos que serão formadas as doze tribos que compõem o povo de Israel. Esse personagem, cheio de falhas, como seus antepassados e como qualquer ser humano, possui, simultaneamente, o mesmo coração disposto a obedecer como o coração daqueles que viveram antes dele. Um tanto diferente dos seus antepassados, Jacó é um inquieto e parece sempre estar em busca de alguma coisa. E é nessa busca incansável que Deus age para revelar ao patriarca que a paz que ele procura não vem de uma luta implacável, mas da confiança em um Deus que luta por ele. Jacó entende isso de tal forma que a nação de Deus recebeu seu nome – Israel, e não o de Abraão, o patriarca por excelência a quem foi dada a promessa de um povo. Na verdade, assim como aconteceu com Abraão, essa mudança de nome tem um impacto profundo sobre ele e, para nós leitores, é significativo saber quem ele era, quem ele se tornou, e por que ele e não outro.
Jacó em hebraico é Yaakov, um nome que surgiu de um jogo de palavras pelo fato de que, no seu nascimento, ele saiu agarrando o calcanhar (akev) do seu irmão mais velho (Gn 25:26). Obviamente, nenhuma mãe nomearia seu filho com um nome que tivesse uma conotação negativa. Certamente, o bebê Jacó apresentava outras características, mas segurar o calcanhar de Esaú deve ter feito com que seus pais se lembrassem da profecia divina (25:23). Por isso, lhe deram um nome correspondente. O nome Yaakov é, na verdade, derivado de uma forma verbal futura, e esse verbo – akav – traz a ideia de algo ou alguém que “segue de perto”, ou que “põe o calcanhar sobre a pegada de outro”; daí, o sentido de “suplantar”. Com esses conceitos em mente, devemos entender o nome Jacó não de forma pejorativa, mas como “aquele que suplantará/perseguirá”, indicando alguém que é insistente ou que luta para alcançar seus ideais.
Por outro lado, a nomeação de Esaú está ligada à sua característica física, pois ele era peludo (25:25). Esaú – Esav em hebraico, deriva do verbo assah (“fazer”), indicando alguém “feito” ou que já está “pronto”. Além disso, na vida adulta, as atividades “vocacionais” dos irmãos são diametralmente opostas, enquanto ao mesmo tempo reveladoras da personalidade dos jovens.
Esaú era um caçador, atividade que aparentemente não era muito bem aceita em Israel, e aparece somente em outra ocorrência anterior conectada a Ninrode (Gn 10:9). Jacó, por sua vez, não era belicoso, mas “pacato” [tam, em hebraico]. Esse termo é usado para a descrição de apenas três homens na Bíblia: Jacó (Gn 25:27), Noé (Gn 6:9) e Jó (Jó 1:1). A expressão hebraica tam ancora conotações de “integridade” e “completude”, e geralmente está ligada aos animais sacrificais que deveriam ser apresentados “sem defeito”, isto é, completos, sem mancha nenhuma ou imperfeição (cf. Lv 1:3, 10; 3:1, 6, 9; etc.). É quase como se o texto estivesse comparando esses dois homens a dois animais: um selvagem e brutal, semelhante a um urso, talvez, e o outro manso e doméstico, como uma ovelha. Essa dinâmica dos animais é claramente vista no texto, que apresenta Esaú como alguém independente e que age por instinto, visando à sua própria sobrevivência, e, por outro lado, Jacó é aquele que vive nas tendas como um animal doméstico, cuja vida é dependente da segurança e do cuidado externo fornecido por seu dono, o pastor (cf. Gn 4:20).
Semelhante ao que ocorreu na história de Caim e Abel, o conflito se instalou ali porque um deles possuía as qualidades do escolhido que Deus procurava, ligadas ao caráter, enquanto o outro, por sua vez, possuía a prerrogativa tradicional-cultural de um escolhido – a primogenitura. Todas essas informações e detalhes introdutórios são explicações antecipatórias para que o leitor entenda a razão por trás dos eventos que estão prestes a suceder na história do conflito Esaú-Jacó. O cabeçalho que começa essa seção: “são estas as gerações [toldot] de Isaque” (Gn 25:19), tem como objetivo falar sobre Jacó, aquele que se tornaria o detentor da promessa dada a Abraão. Repetindo o mesmo estilo de Gênesis 11:27, que inicia com as “gerações de Tera”, mas apresenta a história de Abraão, personagem-chave escolhido por Deus, logo, o descendente principal nessa linhagem.
Assim, o que ocupa a narrativa de Jacó é a transformação de um homem que foge constantemente e que, como seu avô e sua mãe, usa seus próprios meios para alcançar os planos de Deus sobre sua vida, em um homem humilde, piedoso e experiente. Agora, é notável que o grande afã de Jacó foi, pelo menos incialmente, obter o direito de primogenitura. No antigo Oriente Médio, o filho homem mais velho adquiria privilégios que geralmente envolviam direitos sobre a herança familiar em relação aos demais filhos. Na cultura bíblica, porém, um bekhor (“primogênito”), fosse ele humano, animal ou mesmo das hortaliças, pertencia a Deus (cf. Gn 4:4; Êx 13:13, 15; Nm 3:40, 41). Nahum Sarna, teólogo judeu, menciona que um primogênito era visto como tendo um status sagrado, por isso pertencia a Deus, o que lhe conferia uma posição cúltica e espiritual privilegiada. Por isso, posteriormente, esse status foi transferido do primogênito para todos os descendentes da tribo de Levi, sendo que os primogênitos deviam ser resgatados desse estado. (1)
Diante dessa perspectiva, entende-se que a busca de Jacó não estava concentrada nos privilégios da herança, mas na bênção patriarcal que lhe conferiria os direitos espirituais da linhagem escolhida (Gn 35:2-15; 48:3-21; 49:1-28), diferentemente de Esaú que, por outro lado, parecia nutrir mais interesse pelas posses advindas do privilégio de ter nascido primeiro. Esse interesse é observado na raiva e no desejo de vingança nutrido por Esaú mesmo 20 anos depois, quando foi notificado de que seu irmão retornava a Canaã. Jacó, por sua vez, imbuído de medo e arrependimento pelo que ocorrera 20 anos antes, enviou a Esaú presentes contendo muitos bens e posses, com o objetivo também de tornar claro que ele não tinha interesse nenhum nas questões de herança (Gn 32:13-21); seu retorno era pela busca da paz e do perdão e não por demandas materiais de primogenitura. Além disso, no épico reencontro entre os irmãos é nítida a cosmovisão de vida de cada um. Enquanto Esaú disse a Jacó que possuía muitos bens (yesh li rav; Gn 33:9), Jacó respondeu que Deus havia sido gracioso para com ele, portanto, ele tinha tudo de que precisava (yesh li kol; Gn 33:11).
Mas a história de Jacó como patriarca independente começa a partir do momento em que ele deixa Canaã para se exilar em Harã. Por toda a sua trajetória, e os desafios que ele precisaria enfrentar, seu caráter seria refinado pela experiência. Ambos os episódios centrais de sua jornada, sua partida e seu retorno, são marcados por um encontro teofânico. A partir do primeiro momento, temos o fim dos episódios Esaú-Jacó para entrar em uma nova fase: a vida de Jacó. Sob a incerteza da desgraça que ele havia acabado de cometer, ele seguiu sem respostas, sem nada e sem ninguém.
O texto de Gênesis 28:10, que marca sua partida (vayetse), é o mais sucinto possível. Não há necessidade de recontar nomes de parentes nem detalhes adicionais, como nos versos 1 a 5. O foco agora não estava em quem ele encontraria em Harã, mas em Quem iria encontrá-lo pelo caminho. A distância de Berseba a Harã é de quase mil quilômetros. Aparentemente sem camelo, cavalo ou qualquer outro meio de locomoção, Jacó deve ter levado um longo tempo para chegar até lá a pé. Mas a história narra apenas dois dias e um lugar em que ele parou e repousou. Durante esse repouso, em sonho, Deus falou com ele pela primeira vez. A imagem da escada é semelhante às escadas dos zigurates que se destinavam a ligar a Terra com o Céu, onde os sacerdotes pagãos precisavam subir a fim de adorar e conhecer a vontade dos deuses. Na escada de Jacó, contudo, não são os homens, mas Deus e Seus servos celestiais que descem até a humanidade a fim de auxiliá-la. Na solidão de sua jornada, em meio às incertezas sobre o futuro que o aguardava, Jacó foi confortado pelo Deus que ele tanto tinha interesse em servir. Em nenhum momento Deus o repreendeu por seu comportamento prévio, mas confirmou Sua bênção sobre ele e lhe deu esperança para seguir em frente na certeza de que Ele não o abandonaria. E nesse momento, Jacó se uniu à aliança feita com Isaque e Abraão. Repetindo as mesmas palavras dadas a Abraão (Gn 12:1-3), a Jacó foi dado o entendimento de que, em lugar de buscar ou receber as bênçãos, ele precisava ser uma bênção (Gn 28:14).
Em resumo, Jacó foi mais um personagem cheio de imperfeições, mas que era perfeito (tam) aos olhos de Deus porque possuía um coração submisso. Por isso, ele foi escolhido para a realização de Seu plano de salvação. Deus poderia começar um novo mundo do zero, mas Ele escolheu trabalhar com criaturas falhas como nós para nos dar a oportunidade de também fazer parte desse projeto. Não importa quão indigno você se sinta, Deus conta com você e sabe que pode moldá-lo para que você seja o melhor que pode ser. Ele escolheu uma família na história humana através da qual Ele faria a entrada de Si mesmo na humanidade. No fim das contas, Deus acaba sendo, através de Jesus, o único ser humano plenamente fiel, o que Ele planejou que fôssemos, mas que não conseguimos ser. E é Nele, com Ele e por meio Dele que “somos mais que vencedores (Rm 8:37).
Referências:
(1) SARNA, Nahum M. Genesis. The JPS Torah Commentary. Philadelphia, PA: Jewish Publication Society, 2001, p. 181.
Conheça o autor dos comentários para este trimestre: Wilian Cardoso é casado com Carem. É pai de Sarah, Noah e de Shai. É bacharel em Teologia e Filosofia, mestre em Interpretação Bíblica e em Estudos do Antigo Oriente Médio. Trabalhou como pastor da Comunidade Judaico-Adventista de Manaus por 8 anos e também como professor de Filosofia e Sociologia. Atualmente trabalha como professor para o Israel Institute of Biblical Studies filiado à Universidade Hebraica de Jerusalém e se dedica à família e à vida acadêmica.