Lição 7
06 a 12 de novembro
Lei e graça
Sábado à tarde
Ano Bíblico: At 1-3
Verso para memorizar: “Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que Cristo morreu em vão?” (Gl 2:21).
Leituras da semana: Ez 28:15, 16; Dt 4:44; Rm 3:20; Dt 10:1-15; 5:6-22; 9:1-6

Cristãos da maioria das denominações falam sobre lei e graça e entendem a relação entre elas. A lei é o padrão de santidade e justiça divinas, e violá-la é pecado. “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei” (1Jo 3:4). E porque todos nós transgredimos essa lei, pois “a Escritura encerrou tudo sob o pecado” (Gl 3:22), somente a graça de Deus pode nos salvar. “Porque pela graça vocês são salvos, mediante a fé; e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Ef 2:8).

Nesse contexto, temos o “pequeno detalhe” do sábado do sétimo dia como parte da lei. Por várias razões, muitos cristãos estão determinados a rejeitá-lo, dando todos os tipos de desculpas para justificar essa atitude. Em algum momento, precisamos pensar também sobre esse assunto.

Embora expresso de maneiras diferentes e em cenários variados, o tema da lei e da graça está em toda a Bíblia, incluindo Deuteronômio. Sim, esse livro também apresenta a relação entre lei e graça, mas em um contexto singular. 



Domingo, 07 de novembro
Ano Bíblico: At 4-6
A lei no Céu

Deus é amor, e o amor é o princípio abrangente de Seu caráter e o fundamento de Seu governo. Ele deseja que O amemos. Por isso, nos criou com liberdade moral, o que é inerente ao amor.

Algo central no conceito de liberdade moral é a lei moral. Embora partículas subatômicas, ondas do oceano e cangurus sigam a lei natural em certo nível, não cumprem, nem precisam cumprir a lei moral. Somente os seres morais precisam da lei moral, e é por isso que mesmo no Céu Deus tem uma lei moral para os anjos.

1. Leia Ezequiel 28:15, 16, sobre a queda de Lúcifer no Céu. Encontrou-se nele “iniquidade”, e ele também “pecou”. O uso dessas palavras, no contexto do Céu, confirma a existência da lei moral ali?

Tanto “iniquidade” quanto “pecado” são palavras usadas entre nós, humanos. Mas as Escrituras usam os mesmos termos para o que aconteceu no Céu, em outro nível da criação. Isso nos diz algo sobre o que existe ali, bem como na Terra.

2. “Que diremos, então? Que a lei é pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, a não ser por meio da lei. Porque eu não teria conhecido a cobiça, se a lei não tivesse dito: ‘Não cobice’”(Rm 7:7). Como pode a mesma ideia, pelo menos em princípio, existir no Céu, onde há seres morais livres, os anjos?

Como explica Ellen G. White: “A vontade de Deus se expressa nos preceitos de Sua santa lei, e os princípios dessa lei são os mesmos princípios do Céu. Os anjos celestiais não atingem mais alto conhecimento do que saber a vontade de Deus; e fazer Sua vontade é o mais elevado serviço em que se possam ocupar suas faculdades” (O Maior Discurso de Cristo, p. 109).

Céu, Terra, não importa: se Deus tem seres morais, haverá uma lei moral para governá-los, e a violação dessa lei, onde quer que seja, é pecado.

Lei moral e seres morais são inseparáveis? Sem a lei, o que definiria o que é moral?


Segunda-feira, 08 de novembro
Ano Bíblico: At 7-9
A lei em Deuteronômio

A nação hebraica nas fronteiras de Canaã, o povo escolhido de Deus, estava prestes a herdar a terra prometida. Deuteronômio contém as instruções finais de Moisés aos hebreus antes de tomarem a terra. Entre essas instruções estava a ordem para obedecer.

3. Leia os seguintes textos. O que é citado continuamente e por que isso é tão importante para o povo? Dt 4:44; 17:19; 28:58; 30:10; 31:12; 32:46; 33:2

Mesmo a leitura mais superficial do livro de Deuteronômio mostra como a obediência à lei era crucial para a nação de Israel. Obedecer era sua parte na aliança. Deus tinha feito muito por eles e ainda faria – coisas que eles não poderiam fazer por si mesmos e que não mereciam (isso é graça, Deus nos dando o que não merecemos). E o que Ele pediu em resposta foi obediência à Sua lei.

Não é diferente agora. A graça de Deus nos salva, à parte das obras da lei. “Concluímos, pois, que o ser humano é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3:28). Nossa resposta é a obediência à lei. Obedecemos à lei, porém, não em uma tentativa inútil de sermos salvos por ela, “porque ninguém será justificado diante de Deus por obras da lei, pois pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3:20), mas como resultado da salvação que tão graciosamente recebemos. “Se vocês Me amam, guardarão os Meus mandamentos” (Jo 14:15).

Deuteronômio pode ser visto como uma grande lição prática sobre a graça e a lei. Pela graça, Deus nos redime, faz por nós o que não poderíamos fazer por nós mesmos (assim como Israel não poderia ter escapado do Egito por suas próprias forças). Em resposta vivemos, pela fé, uma vida de obediência a Ele e à Sua lei. Desde a queda de Adão e Eva até o tempo de angústia e da imposição da marca da besta, Deus terá um povo descrito como “os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus” (Ap 14:12). Em toda a história, o relacionamento do Senhor com Seu povo da aliança envolve a graça e a lei. A graça nos perdoa a transgressão da lei e nos permite obedecer- Lhe. A obediência resulta do nosso relacionamento de aliança com Ele.

Como podemos evitar a armadilha de nos tornarmos legalistas ao obedecermos à lei?


Terça-feira, 09 de novembro
Ano Bíblico: At 10-12
Letov lak (para seu bem)

Os céticos, que procuram razões para rejeitar a Bíblia, apontam para algumas palavras fortes de Deus que aparecem no AT. A ideia é que o Deus do AT era severo, vingativo e mesquinho, em contraste com Jesus. Esse não é um argumento novo, mas é tão falho agora como era quando foi promovido há muitos séculos.

Vez após vez, o AT apresenta o Senhor amando Seu povo e desejando somente o que era melhor para ele, e esse amor aparece com intensidade em Deuteronômio.

4. Leia Deuteronômio 10:1-15. Qual é o contexto imediato desses versos e o que eles ensinam sobre como Deus Se sentia em relação ao Seu povo, apesar dos pecados dele? O que nos ensinam sobre a graça?

A graça e o amor de Deus por Israel emanam desses textos. Observe que os versos 12 e 13 compõem uma frase longa, uma pergunta simples: O que Eu, o Senhor, estou pedindo a você, senão o seguinte [...] que vocês andem nos Meus caminhos, Me amem, Me sirvam e guardem os Meus estatutos para o seu bem?

Nesses versos no hebraico, as palavras para “seu” e “você” estão no singular. Embora Deus certamente esteja falando à nação como um todo, que bem fariam Suas palavras se o povo, de forma individual, obedecesse? O todo é tão bom quanto a soma das partes. O Senhor falou a cada um, individualmente, e a Israel como nação.

Observemos, também, o final do verso 13: guarde essas coisas letov Lak, ou seja, “para o seu bem”. Em outras palavras, Deus ordenou ao povo que obedecesse porque era do interesse do próprio povo fazê-lo. O Senhor o criou, o sustentava e sabia o que era melhor para ele. A obediência à lei, aos Dez Mandamentos, atuaria apenas em seu benefício.

Muitas vezes, a lei é comparada a uma cerca viva, um muro de proteção e, ao permanecerem em seu perímetro, seus seguidores são protegidos de uma série de males que, de outra forma, os alcançaria e os destruiria. Em suma, por amor ao Seu povo, Deus deu-lhe Sua lei, e a obediência a ela resultaria no bem dele.

De que maneira podemos ver por nós mesmos como a obediência à lei divina tem sido, de fato, para nosso próprio bem?


Quarta-feira, 10 de novembro
Ano Bíblico: At 13-15
Escravos no Egito

Em Deuteronômio, um dos temas recorrentes é que o Senhor redimiu Seu povo Israel do Egito. Várias vezes, eles são lembrados do que Deus fez por eles: “E o Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa, com braço estendido, com grande espanto, com sinais e com milagres” (Dt 26:8; Dt 16:1-6).

Em todo o AT, o relato do Êxodo é mencionado como um exemplo da poderosa libertação da parte de Deus, por Sua graça, da escravidão e opressão do Egito: “Pois Eu o tirei da terra do Egito e o resgatei da casa da servidão” (Mq 6:4). Mesmo no NT, esse acontecimento é mencionado como um símbolo de salvação pela fé em Cristo: “Pela fé, os israelitas atravessaram o Mar Vermelho como por terra seca. Quando os egípcios tentaram fazer o mesmo, foram engolidos pelo mar” (Hb 11:29; 1Co 10:1-4).

5. Leia Deuteronômio 5:6-22, onde Moisés repetiu os Dez Mandamentos, fundamento da aliança do povo com Yahweh. Observe o quarto mandamento e a razão dada para ele. O que é dito que revela a realidade da lei e da graça?

Moisés repetiu o mandamento básico de descansar no sábado do sétimo dia, mas lhe conferiu uma ênfase adicional. Isto é, embora tenha sido escrito em tábuas de pedra no Êxodo, Moisés expandiu o que já havia sido dado aos israelitas. Guardem o sábado, não apenas como memorial da criação, mas como memorial da redenção do Egito. A graça os salvou do Egito e ofereceu-lhes descanso de suas obras (Hb 4:1-5). Portanto, em resposta à graça divina, deveriam estender essa graça a outros.

Assim, o sábado se tornou não apenas um símbolo da criação, mas um símbolo de redenção e graça. Todos na casa, não apenas as crianças, mas os servos, os animais e até mesmo os estrangeiros, poderiam descansar. O sábado estende a outros a graça dada aos judeus, mesmo àqueles que não fazem parte do povo da aliança, e encontra-se no cerne da lei. O que Deus graciosamente fez por eles, deveriam fazer pelos outros.

Leia Mateus 18:21-35. De que forma o princípio dessa parábola é revelado no mandamento do sábado, especialmente conforme enfatizado em Deuteronômio?


Quinta-feira, 11 de novembro
Ano Bíblico: At 16-18
Não por causa da sua justiça

O tema da justificação pela fé é central na religião cristã e bíblica. “O que diz a Escritura? [...]: ‘Abraão creu em Deus, e isso lhe foi atribuído para justiça’” (Rm 4:3).

Ellen G. White expressou isso da seguinte maneira: “Que é justificação pela fé? É a atuação de Deus abatendo até ao pó a glória do homem e fazendo por ele aquilo que não está em sua capacidade fazer por si mesmo. Quando o homem percebe sua insignificância, então está preparado para ser vestido com a justiça de Cristo” (A Fé Pela Qual Eu Vivo, p. 107).

Ao considerarmos quem é Deus, um Ser santo, em contraste com quem nós somos, seres profanos, seria necessário um incrível ato de graça para nos salvar. Esse ato aconteceu na cruz, com Cristo, o Inocente, morrendo pelos pecados dos culpados.

6. Com esse contexto em mente, leia Deuteronômio 9:1-6. O que Moisés disse ao povo que revela de forma dramática a realidade da graça para os indignos? Como isso reflete o princípio da justificação pela fé?

Se alguém quisesse resumir o ensino de Paulo sobre o evangelho, talvez pudesse utilizar a frase de Deuteronômio 9:5: “Não é por causa da justiça de vocês, nem por causa da retidão do seu coração” que Deus irá salvá- los. Ele o fará por causa da promessa do “evangelho eterno” (Ap 14:6) que nos foi dada “não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1:9; veja também Tt 1:2). Se a promessa nos foi dada “antes dos tempos eternos”, certamente não poderia ser fundamentada em nossas obras, visto que nem mesmo existíamos “antes dos tempos eternos”.

Em suma, apesar de nossas falhas, erros e teimosia, o Senhor fará essa obra maravilhosa por nós e em nós. Portanto, como resultado, o Senhor ordena que obedeçamos a Ele e às Suas leis. A promessa já foi dada e cumprida: obras e obediência, mesmo que fossem boas o suficiente (o que não são), não são os meios de nossa salvação; são, em vez disso, o resultado.

O Senhor nos salvou pela graça; agora, com Sua lei escrita em nosso coração e Seu Espírito nos capacitando, obedeçamos à Sua lei.



Sexta-feira, 12 de novembro
Ano Bíblico: At 19-21
Estudo adicional

“O inimigo de Cristo, que se rebelou contra a lei de Deus no Céu, tem, como um general habilidoso e treinado, trabalhado com todas as suas forças, trazendo um artifício após o outro, cheio de engano, para anular a lei de Deus, o único verdadeiro detector do pecado, o padrão da justiça” (Ellen G. White, Review and Herald, 18 de novembro de 1890).

Dois trilhões de galáxias brilham no cosmos. Cem bilhões de estrelas compõem cada galáxia. Dois trilhões de galáxias, com cem bilhões de estrelas em cada uma, chegam a 200.000.000.000.000.000.000.000 (sextilhões) de estrelas.

Um princípio da existência diz que quem concebe e cria algo deve ser maior e transcender o que concebeu e criou. Picasso é maior e transcende uma obra de arte dele. O Deus que concebeu e criou nosso cosmos é maior do que o cosmos e também o transcende.

Considerando que Deus é o Criador de todas as estrelas e de tudo o mais, que ato impressionante Ele fez? O Senhor Se “diminuiu”, tornou- Se um Bebê, viveu uma vida sem pecado e morreu na cruz, suportando a punição pelos nossos pecados e nossa maldade para que pudéssemos ter a promessa da vida eterna.

Diante de nós temos esta verdade: a graça nos foi dada em Jesus Cristo na cruz. E o que Deus nos pede? “De tudo o que se ouviu, a conclusão é esta: tema a Deus e guarde os Seus mandamentos, porque isto é o dever de cada pessoa” (Ec 12:13).

Perguntas para consideração

1. Como guardar os Dez Mandamentos (incluindo o quarto) e evitar o legalismo? Qual é a diferença entre obediência estrita e inabalável e legalismo?

2. Conhece histórias de pessoas que violaram os Dez Mandamentos e sofreram terríveis consequências? Como a lei reflete a realidade do amor de Deus por nós?

3. Por que a cruz deve nos mostrar a futilidade de tentar ganhar a entrada para o Céu?

Respostas e atividades da semana: 1. Se não houvesse lei moral no Céu, Lúcifer não teria pecado. 2. Os anjos são seres morais e devem ser governados por uma lei moral. 3. Obediência à lei de Deus é a marca do povo na aliança. 4. O Senhor fez novas tábuas da lei, renovando Sua aliança, apesar do pecado cometido pelo povo. 5. O sábado é um dia santo, como Deus é santo. Nesse dia, os israelitas deviam se lembrar de que foram escravos no Egito e, com Sua graça, o Senhor os libertou. 6. Deus lhes deu a terra não porque eram bons. Na verdade, não a mereciam. Não foi por suas obras, mas pela graça divina.



Resumo da Lição 7
Lei e graça

TEXTOS-CHAVES: Gl 2:21; Dt 9:1-6

FOCO DO ESTUDO: Ez 28:15; Sl 119:29, 41-45, 70, 92-97

ESBOÇO

O que observa a lei é muitas vezes acusado de ser legalista, sem alma nem inteligência, discípulo de uma religião retrógrada. Essa acusação é injusta. A lei, conforme compreendida em Israel, implica, ao contrário, uma luz que ajuda na caminhada espiritual e promove o progresso. O salmista compara a lei à lâmpada para os pés e à luz para o caminho (Sl 119:105).

Esse princípio está contido na palavra hebraica Torah, a qual está relacionada à palavra or, que significa “luz”. Quando alguém está caminhando à noite, a lâmpada aos seus pés não apenas lançará luz no caminho, mas também afastará as serpentes. Sendo assim, o simbolismo do poeta traduz a dupla função da lei: iluminar, ensinar e, portanto, ajudar a caminhar adiante, mas também proteger do perigo e garantir a segurança de quem caminha. O profeta Isaías usa a mesma associação ao dizer que, se as pessoas não têm a lei, “jamais verão a luz” (Is 8:20). A lei, que é luz, é a expressão da graça de Deus para o Seu povo. Essa luz nos ajudará a caminhar e assim sobreviver no caminho perigoso e escuro. Nesse sentido, a lei é dada para que possamos “viver” da maneira que Deus planejou.

Nesta lição, examinaremos a relação paradoxal entre a lei e a graça de Deus.

Tema da lição

• A graça e a lei: Qual é a relação entre a graça e a lei e como atuam na vida do crente?

COMENTÁRIO

Talvez o livro de Deuteronômio seja, dentre os livros do AT, o que mais apresenta a graça e a lei intrincadas de tal maneira que seria difícil ver uma separada da outra. Quando Moisés fala sobre a lei divina, ele pensa essencialmente na graça. A lei é entendida nesse livro como a marca da aliança. É por isso que a lei e a graça estão relacionadas tanto da perspectiva divina quanto da humana. Para Deus, a lei é a forma de fazer com que Sua vontade seja feita na Terra por meio da existência humana e da história. Para Israel, a lei é o sinal tangível de sua resposta a Deus e de sua relação de aliança com seu Senhor. Em outras palavras, a lei é o que torna a graça visível e concreta, na história e na vida; a graça é o que torna a lei possível, suportável e praticável.

A graça precede e conduz à lei

A relação entre a graça e a lei foi demonstrada na primeira mensagem que Adão ouviu no primeiro mandamento de Deus. A primeira vez que a palavra tsawah, “ordenou”, foi usada, referia-se à graça: “E o Senhor Deus ordenou ao homem: ‘De toda árvore do jardim você pode comer livremente’” (Gn 2:16). A dádiva divina de todas as árvores do jardim precedeu o mandamento de não comer da árvore do conhecimento. Da mesma forma, Deuteronômio começa com a graça de Deus, o que Ele fez por Seu povo e a dádiva da terra. Então, a partir desse lembrete concreto e histórico, Deus Se voltou para a lei e exigiu que Seu povo a observasse. Esse processo é visível na estrutura da aliança em Deuteronômio e é repetido ao longo do livro. Os Dez Mandamentos começam com a afirmação: “Eu sou o Senhor, seu Deus, que o tirei da terra do Egito” (Dt 5:6). Reconhecer o que Deus tinha feito por eles é o que levaria Israel à obediência aos mandamentos:

“Vocês viram o que fiz aos egípcios e como levei vocês sobre asas de águia e os trouxe para perto de Mim. Agora, pois, se ouvirem atentamente a Minha voz e guardarem a Minha aliança” (Êx 19:4, 5).

Observe que o chamado para “obedecer” (shama’), introduzido pela palavra “pois”, vem em seguida ao que Deus fez por eles, sendo também consequência direta disso.

No Salmo 119, o mais belo poema sobre a lei e a graça em toda a Bíblia, o salmista começa com a observação da graça: “Venham também sobre mim as Tuas misericórdias, Senhor, e a Tua salvação, segundo a Tua promessa” (Sl 119:41). Em seguida, ele passa para a próxima etapa, que é a lei: “Assim, observarei continuamente a Tua lei” (Sl 119:44). O livro de Deuteronômio afirma: “Porque o Senhor os amava” (Dt 7:8); “portanto, guardem” os Seus “mandamentos” (Dt 7:11). Em um nível humano, é por amor a Deus que Seu povo teria prazer em guardar Seus mandamentos. O salmista exclama: “[Eu] me alegro na Tua lei” (Sl 119:70; compare com Sl 119:174), ou “Quanto amo a Tua lei” (Sl 119:97).

Perguntas para discussão e reflexão: Por que a obediência aos mandamentos de Deus é a única resposta lógica e séria aos atos de Sua graça e salvação? Por que a ação deve levar à ação? O que você pensaria de um político que faz campanha apenas sobre desejos sentimentais, sem qualquer referência a seus projetos e planos para resolver problemas econômicos e sociais? Que razões justificam o amor do salmista pela lei?

A lei e a graça

A lei é definida como um presente de Deus. O verbo natan, “dar”, é usado por Deus para Se referir à lei: “Toda esta lei que hoje eu lhes proponho [natan]” (Dt 4:8). Os Dez Mandamentos foram “dados” por Deus (Êx 24:12). O salmista identifica literalmente a lei como graça: “Favorece-me com a Tua lei” (Sl 119:29). Outra tradução diz “concede-me piedosamente a Tua lei” (ARC). Assim, o salmista experimenta a lei de Deus em sua vida como graça, um caminho de liberdade: “Andarei em liberdade” (Sl 119:45). No NT, Jesus ecoa esse ponto de vista quando ensina a Seus discípulos que é em Suas palavras de verdade que encontrarão a liberdade (Jo 8:32; compare com Tg 1:25; 2:12).

É interessante que a palavra hebraica comum para designar a lei no AT é Torah, que significa “mostrar o caminho”. Essa é uma palavra comumente associada ao caminho indicado pelo sacerdote. Um exemplo disso encontra-se no livro de Ageu 2:11, onde o Senhor instrui o profeta a perguntar ao sacerdote o caminho, a orientação, em um caso particular. A lei é graça porque nos apresenta a maneira de solucionar os problemas, o caminho da vida e da liberdade.

Perguntas para discussão e reflexão: Como a identificação da lei com a graça afeta a salvação? À luz de Ezequiel 28:15, 16, por que encontramos a lei no Céu, embora lá não haja pecado (pelo menos depois que Lúcifer e os anjos caídos foram expulsos)? Por que a lei é a expressão do caráter divino e, portanto, uma forma de entender e amar a Deus? Leia os Dez Mandamentos e identifique a graça em cada um deles e explique por que constituem a graça na lei.

A graciosidade da lei

A lei de Deus como texto é linda, uma obra-prima da literatura. Ao dar os Dez Mandamentos, o Senhor os organizou de maneira artística. O seguinte exercício foi elaborado para ajudá-lo a apreciar a graça nos mandamentos de Deus:

• Primeiro, leia o texto bíblico simplesmente para apreciar sua beleza estética.

• Observe os paralelos entre os primeiros cinco mandamentos (1, 2, 3, 4, 5) e os últimos cinco mandamentos (6, 7, 8, 9, 10). Compare os mandamentos (o mandamento 1 com o 6 relaciona matar qualquer ser humano à imagem de Deus com a singularidade de Deus; 2 com 7 relaciona idolatria com adultério; 3 com 8 relaciona roubo com juramento falso; 4 com 9 relaciona quebra do sábado com falso testemunho; 5 com 10 relaciona a honra aos pais com cobiçar o cônjuge de outra pessoa). Que lição você deduz de cada comparação?

Perguntas para discussão e reflexão: Por que o sábado está no centro dos Dez Mandamentos? Que lições você infere dessa posição central do sábado? Como a transgressão do quarto mandamento afeta a observância dos outros? Como o sábado envolve a relação entre a lei e a graça? Compare o quarto e o quinto mandamentos. Que motivos comuns são compartilhados por esses dois mandamentos? Que lições você infere dessas conexões?

APLICAÇÃO PARA A VIDA

A esposa de um pastor dedicado ficou gravemente doente. Ele orou de forma sistemática, mas sua esposa nunca se recuperou. O homem ficou irado com Deus e decidiu deixar o ministério porque Deus não fez o milagre que ele havia pedido.

Perguntas para discussão e reflexão: Como essa história verdadeira se relaciona com sua própria experiência com Deus? Qual é a sua motivação em obedecer aos mandamentos? Até que ponto você guarda os mandamentos com a finalidade de ser abençoado por Deus? Você já sentiu em sua experiência pessoal a relação entre a lei e a graça?

Há um antigo Midrash rabínico (parábola) na antiga tradição judaica que comenta sobre a curiosa estratégia geográfica de Deus quando Ele deu a Torá. Por que Ele não a deu na terra de Israel ou na terra de Roma ou na Grécia? Cada nação tinha todo o direito de pensar que deveria ter merecido essa honra. A razão pela qual Deus escolheu uma terra de ninguém para dar a Torá foi para evitar qualquer tipo de orgulho nacionalista em relação à lei e permitir que qualquer pessoa que a deseje a tome para si.

Perguntas para reflexão

Já ouviu as seguintes confissões de fé, “Tenho orgulho de ser cristão”, ou “Tenho orgulho de ser adventista do sétimo dia”? Por que essas confissões são inadequadas? (Leia 1Co 1:31; Sl 34:3)? Como o orgulho da instituição pode afetar a eficiência da missão?


Ovelha perdida

Embora vivendo em tempos de pandemia do coronavírus, meu coração estava repleto de animação. Meu esposo e eu temos uma escola de inglês em Osaka, uma cidade japonesa com cerca de 2,7 milhões de pessoas. A escola foi fechada por causa da pandemia. Mas, antes que o governo japonês declarasse estado de emergência, organizamos nossas aulas online e, surpreendentemente, mantemos 90% de nossos alunos. Entretanto, fiquei mais impressionada com uma senhora de 60 anos, conhecida antiga chamada Chikako, que entrou em contato no auge da pandemia no Japão. Havíamos nos conhecido 13 anos antes, mas por dois anos perdemos o contato. Certo dia, enquanto estava voltando do escritório, recebi sua mensagem pelo Messenger.

“Quero frequentar a sua igreja, embora a pandemia esteja se espalhando”, escreveu ela. Chikako não era cristã. Fiquei surpresa com seu interesse de conhecer mais a Jesus. Trocamos breves mensagens de texto sobre o Cristianismo, como me tornei cristã, e combinamos de nos reunirmos no sábado, após o culto.

Em nosso encontro, contei-lhe a parábola da ovelha perdida. Ela ouviu atentamente as palavras de Jesus: “Qual de vocês que, possuindo cem ovelhas, e perdendo uma, não deixa as noventa e nove no campo e vai atrás da ovelha perdida, até encontrá-la? E quando a encontra, coloca-a alegremente sobre os ombros e vai para casa. Ao chegar, reúne seus amigos e vizinhos e diz: ‘Alegrem-se comigo, pois encontrei minha ovelha perdida’.

Eu lhes digo que, da mesma forma, haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam arrepender-se” (Lucas 15:4-7, NVI).

Chikako se identificou imediatamente com a ovelha perdida. Ela disse que Jesus, por muitos anos, a chamou para segui-Lo, porém ela queria tomar a decisão em seu próprio tempo. Suas palavras seguintes me surpreenderam.

“Sou uma ovelha perdida e sei que Jesus tem me chamado, mas eu O ignoro”, disse ela. “Mas agora parei de ignorá-Lo e quero ser batizada.” Pareceu-me claro que o Espírito Santo trabalhou em seu coração, especialmente durante a pandemia, e fiquei feliz em compartilhar os ensinamentos e o amor de Jesus.

Depois disso, nos encontramos várias vezes. Um sábado, enquanto conversávamos sobre o motivo da morte de Jesus na cruz, ela se comoveu com a história do ladrão que, no último minuto, escolheu morrer como um verdadeiro crente em Jesus. Chikako ficou muito emocionada com o fato de que Jesus sempre ama e está pronto para perdoar. Ela percebeu que, embora tivesse lutado muito para experimentar alegria e paz, estava insatisfeita. “Eu gostaria de ser como o ladrão na cruz e aceitar Jesus”, disse ela.

A pandemia do coronavírus modificou a vida de todos nós, mas não pôde impedir Jesus de atrair as pessoas a ele. Ele diz: “Tenho outras ovelhas que não são deste aprisco. É necessário que eu as conduza também. Elas ouvirão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10:16).

Jesus trabalha em nossa vida mesmo quando não vemos ou sentimos. Ele nos chama pelo nome e nos salvará quando nos rendermos a ele. A Covid-19 facilitou o trabalho online, como as aulas virtuais de inglês de Chie, ainda mais essenciais para compartilhar o evangelho. Parte da oferta deste trimestre está destinada a um projeto para ajudar os japoneses, especialmente os jovens, a aprender sobre Jesus pela Internet. Muito agradecemos por sua liberalidade.

Informações adicionais

• Peça a uma senhora para compartilhar essa história na primeira pessoa.

• Pronúncia de Chie:

• Pronúncia de Chikako: .

• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.

• Para outras notícias sobre o Informativo Mundial e informações sobre a Divisão do Pacífico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.

 

 

Esta história ilustra os seguintes componentes do plano estratégico da !greja Adventista, “I Will Go”: Objetivo de Crescimento Espiritual nº 1 – “reavivar o conceito de missão mundial e sacrifício pela missão como um estilo de vida que envolva não apenas os pastores, mas todos os membros da igreja, jovens e idosos, na alegria de testemunhar por Cristo e de fazer discípulos”; Objetivo de Crescimento Espiritual nº 2 – “fortalecer e diversificar o alcance dos adventistas nas grandes cidades, através da Janela 10/40, entre grupos de pessoas não-alcançadas e para religiões não cristãs”. Conheça mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.

 


Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: A verdade presente em Deuteronômio

Lição 7 – 6 a 13 de novembro de 2021

Lei e graça

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Josiéli Nóbrega

Deuteronômio, como foi mencionado na introdução, contém uma repetição da Lei, apresentada no momento em que Moisés se despedia de Israel e reafirmava as promessas da aliança para a geração que havia sobrevivido aos quarenta anos no deserto. Logo, a característica legal de Deuteronômio é visível. De fato, o centro do livro, iniciando no capítulo 12 e indo até o 26, contém especificamente o código da aliança, ou seja, o conjunto de leis que regeriam a vida de Israel como povo da aliança. A partir disso seria possível compreender que a visão deuteronomista em particular e da Torá em geral era centralizada na Lei, o que, aliás, é mantido pela maioria do mundo religioso, enquanto o Novo Testamento seria centralizado na graça. Em vários aspectos, é errada essa compreensão que separa Lei e graça como componentes antagônicos e pensamentos separados temporalmente.

No contexto veterotestamentário da aliança, Lei e graça funcionam como aspectos essenciais e complementares do relacionamento daqueles que estão nessa aliança e dela se beneficiam. Nesse contexto, embora a Lei seja central, essa centralidade existe apenas quando alinhada com a graça e dentro da aliança.

Como apresentamos em lições passadas, a aliança é o modelo de relacionamento entre Deus e o ser humano. Essa aliança é feita por Deus, entre as Pessoas da Divindade, tendo como beneficiários os seres humanos. Não há nada nos seres humanos que impulsione a aliança. De fato, o ser humano é totalmente incapaz de prover elementos que pudessem ser considerados dignas contrapartidas ao que Deus propunha nessa aliança. Dessa forma, portanto, a aliança não pode ser vista como um acordo ou uma composição entre Deus e o ser humano. Ao contrário, como vimos em outras lições, Deus sempre chama a aliança de “Minha aliança”. Em Jeremias 33, ela é chamada de “aliança com o dia e com a noite” (v. 25), e Deus pergunta se o homem poderia invalidá-la. Também em Jeremias, no capítulo 31, Deus uma vez mais desafia a ideia de que o ser humano pudesse quebrar e invalidar a aliança. Ora, partidos constituintes de uma aliança podem quebrar e até anular as alianças, o que demonstra, novamente, que o ser humano não participa como constituinte da aliança, mas como beneficiário.

Quando compreendemos assim a aliança percebemos o elemento da graça de maneira muito forte e presente. Se Deus é quem estabelece a aliança sem a participação humana e a oferece aos seres humanos com base apenas em Sua vontade e amor, torna-se claro que o elemento operando no próprio estabelecimento da aliança é a graça. Em outras palavras, a graça antecede ao Novo Testamento, à igreja, à Bíblia Hebraica e à própria humanidade. Ela é a base da própria existência, uma vez que, ao decidir nos criar, Deus estabeleceu a aliança cujo penhor é o sangue do Cordeiro (Ap 13:8).

Portanto, cronologicamente, a graça é anterior à Lei. Seria ela igualmente mais importante? Sim e não. Sim, porque ela é, como dissemos, a própria base da existência, sem a qual não teríamos a possibilidade de nos relacionar com Deus e, logicamente, não haveria a necessidade de instruções de como viver nesse relacionamento. Não, porque ao estarmos no relacionamento com Deus, com base na graça, devemos viver em conformidade com a vontade de Deus, expressa na Lei. Esse paradoxo não é ainda corretamente compreendido pelo mundo cristão e, muitas vezes, nem mesmo por nós, adventistas.

A única forma de entrar na aliança é pela mesma graça que a estabeleceu. Ou seja, NADA do que você ou eu façamos nos dá o direito de entrar na aliança de Deus. Esse privilégio nos é concedido pela graça que operacionalizou a aliança. Mas ao entrarmos nessa aliança, somos instados a viver em conformidade com os ditames do Reino da Aliança. Uma ilustração ajudará a compreender essa dinâmica:

Minha esposa, Olga, é argentina, mas vivemos no Brasil. Mesmo sendo ela argentina, a lei da Argentina não têm nenhuma influência sobre a vida dela e a nossa enquanto vivemos no Brasil. Somente quando viajamos para a Argentina, e a partir da fronteira do país, é que essa legislação, não mais a brasileira, passa a ter impacto sobre nós. Quando eu me dirijo à Argentina devo ter consciência de que NADA obriga aos agentes de fronteira a me aceitar em seu país. Eles o fazem por expressão de amizade e diplomacia entre os países, alheios a mim. Não obstante, ao receber o selo de entrada naquele país, eu, tacitamente, declaro que estou de acordo em me submeter à legislação argentina.

De igual maneira acontece no Reino de Deus. Somos estrangeiros buscando entrada nesse Reino. A porta está aberta (Mt 7:14) e o caminho, que é o corpo de Jesus Cristo morto e ressuscitado (Hb 10:19, 20), está, também, aberto e a passagem permanece disponível. Não há nada em nós que possamos apresentar para facilitar ou garantir a entrada nesse Reino, porque “pela graça [somos] salvos”, ou pela “graça [entramos] pela porta”. Mas, quando entramos pela alfândega celestial, somos apresentados à Lei desse País. E, como na fronteira de um país que não seja o nosso, declaramos que, ao sermos aceitos ali, iremos nos submeter à Sua Lei. Ou seja, a Lei não pode ser usada como passaporte na entrada do Reino, mas é o certificado de idoneidade para os que estão dentro do Reino!

Essa compreensão nos ajuda a modificar até a nossa maneira de argumentar sobre a validade do sábado e dos Dez mandamentos. Em lugar de apelar a uma divisão artificial entre lei moral e lei cerimonial, sendo a primeira universal e válida em todos os tempos e a segunda algo temporal e regional, precisamos entender que a Lei de Deus, em sua totalidade, sendo una, é válida para os cidadãos de Seu Reino, membro de Sua aliança. A universalidade da Lei não está somente em uma parte, mas na Lei inteira, e sua validade está diretamente relacionada com a existência do Reino de Deus. Ela é eterna como é eterno o Reino de Deus. Ela é válida enquanto o Reino de Deus existir. Mas ela possui validade somente para aqueles que aceitam o convite universal para fazer parte desse Reino e viver em conformidade com a Lei desse Reino. Essa é a lição perene da aliança na Torá!

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos  Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.

 

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: Deuteronômio

Introdução a Deuteronômio

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Rosemara Santos

Nome do livro

O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).

Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.

Autoria e data

De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.

A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.

Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.

Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.

Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.

Crítica textual

Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.

O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.

Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.

O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).

A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.

A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.

Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.

Estrutura

O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:

I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43

II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19

III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20

IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30

V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43

VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29

VII. A Morte de Moisés, 34:1-12

Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.

Temas

São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.

Deus

Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!

Israel

É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.

Aliança

É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.

Lendo Deuteronômio

Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.

Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:

1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;

2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.

3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.

O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.

E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.

Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.