Lição 5
23 a 29 de outubro
Os estrangeiros no meio de vocês
Sábado à tarde
Ano Bíblico: Lc 9-11
Verso para memorizar: “Portanto, amem os estrangeiros, porque vocês foram estrangeiros na terra do Egito” (Dt 10:19).
Leituras da semana: Mc 12:29-31; Dt 10:1-19; 27:19; Sl 146:5-10; Mt 7:12; Tg 1:27–2:11

Como vimos na semana passada, ao ser questionado por um escriba sobre “o principal de todos os mandamentos” (Mc 12:28), Jesus respondeu com a afirmação de que Deus é Um, e disse: “Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e com toda a sua força” (Mc 12:30).

Em seguida falou também sobre o segundo principal mandamento (Mc 12:31), algo que o escriba não havia perguntado. No entanto, sabendo como isso era importante, Jesus disse: “O segundo é: Ame o seu próximo como você ama a si mesmo. Não há outro mandamento maior do que estes” (Mc 12:31). Jesus vinculou os mandamentos do amor a Deus e do amor ao próximo como sendo o maior de todos os mandamentos.

Ele não inventou algo novo, que os judeus não tivessem ouvido antes. O chamado para amá-Lo de forma suprema, a ideia de amar o próximo e de amar outras pessoas como uma forma de expressar nosso amor a Deus, foi tirado do livro de Deuteronômio.



Domingo, 24 de outubro
Ano Bíblico: Lc 12-14
Circuncidem seu coração

Deuteronômio 10, que é a continuação do capítulo 9, traz basicamente a reafirmação da aliança que Deus fez com Israel. Grande parte desse livro é uma espécie de renovação da aliança que havia sido quebrada no terrível pecado em Horebe, logo depois que Moisés se ausentou, quando o povo caiu na idolatria. Mesmo depois disso, o Senhor não o rejeitou.

1. Leia Deuteronômio 10:1-11. Quais fatos nos mostram que Deus perdoou os pecados de Seu povo e reafirmou a promessa da aliança feita a ele e a seus pais?

Moisés quebrou as tábuas dos Dez Mandamentos (Dt 9:17) – um sinal da quebra da aliança (Dt 32:19). “Para mostrar aversão pelo crime do povo, atirou ao chão as tábuas de pedra, que se quebraram à vista de todos, dando a entender que, assim como haviam quebrado seu concerto com Deus, da mesma forma Deus estava rompendo Seu concerto com eles” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, p. 320).

Assim, o fato de Deus ter dito a Moisés que cortasse novas tábuas “como as primeiras” para que o Senhor escrevesse nelas as palavras que antes estavam ali mostrou que o Criador perdoou o povo e não o rejeitou. 

2. Leia Deuteronômio 10:14-16. O que Deus disse ao povo? Qual é o significado das imagens que o Senhor usou nesses versos?

A circuncisão era um sinal da aliança, mas era apenas um sinal externo. Deus queria o coração de seu povo, isto é, mente, afeições, amor. A obstinação indicava que eles eram muito teimosos e relutantes em obedecer ao Senhor. Basicamente, nessa passagem e em outras mais, Deus lhes disse que parassem com a lealdade dividida e que O servissem de todo coração e toda alma.

Pense nas muitas vezes em que o Senhor perdoou seus pecados. O que isso lhe diz sobre a graça divina?


Segunda-feira, 25 de outubro
Ano Bíblico: Lc 15-17
Amem o estrangeiro

Em meio às admoestações, Moisés declarou: “Eis que os céus e os céus dos céus são do Senhor, o Deus de vocês; a Ele pertencem a Terra e tudo o que nela há” (Dt 10:14). Que expressão poderosa da soberania divina, ideia encontrada em outros lugares da Bíblia: “Ao Senhor pertence a Terra e a sua plenitude, o mundo e os que nele habitam” (Sl 24:1).

3. Leia Deuteronômio 10:17-19. Que outra declaração Moisés fez sobre o Senhor? O que Deus ordena ao Seu povo como resultado dessa declaração?

Yahweh não é apenas o soberano do céu e da Terra, Ele também é o “Deus dos deuses e o Senhor dos senhores” (Dt 10:17). Isso não significa que existam outros deuses menores, como os supostos deuses que os pagãos adoravam. Em vez disso, mais do que apenas ser o único Deus (“Vejam, agora, que Eu, sim, Eu sou Ele, e que não há nenhum deus além de Mim” [Dt 32:39]), o Senhor afirma Sua supremacia sobre todos os outros poderes, reais ou imaginários, no céu e na Terra. 

O texto diz também que Ele é “o Deus grande, poderoso e temível, que não trata as pessoas com parcialidade nem aceita suborno”. Tudo isso faz parte da mensagem maior: Yahweh é o seu Deus, e você, o Seu povo, Lhe deve obediência.

Que contraste poderoso! Sim, Yahweh é o Deus dos deuses e Senhor dos senhores, o Governante soberano e Sustentador da criação (Cl 1:16, 17), mas também Se preocupa com os órfãos, com a viúva e o estrangeiro e mostra Seu cuidado ministrando às suas necessidades físicas imediatas. O Deus que observa um pardal que cai ao chão (Mt 10:29) conhece a situação daqueles que estão à margem da sociedade. Em outras palavras, o Senhor está dizendo ao povo: “Vocês são especiais, e Eu os amo, mas amo a outros também, incluindo os necessitados e desamparados entre vocês. E, assim como Eu os amo, vocês devem amá-los. Essa é uma das obrigações da aliança”.

Leia Salmo 146:5-10. Que mensagem do Salmo reflete o que Deus diz acima, e o que isso deve significar para nós no presente, como cristãos?


Terça-feira, 26 de outubro
Ano Bíblico: Lc 18-20
Vocês foram estrangeiros no Egito

4. “Portanto, amem os estrangeiros, porque vocês foram estrangeiros na terra do Egito” (Dt 10:19). Nesse verso, qual é a mensagem para o antigo Israel? Qual é a mensagem para nós?

Séculos antes, o Senhor havia dito a Abrão: “Fique sabendo, com certeza, que a sua posteridade será peregrina em terra alheia, será reduzida à escravidão e será afligida durante quatrocentos anos” (Gn 15:13; 17:8; At 13:17). Naturalmente, foi isso o que aconteceu. Nos primeiros capítulos de Êxodo, a dramática história de sua redenção (Êx 15:13) e salvação (Êx 14:13) do Egito foi registrada para a posteridade como símbolo e tipo da redenção e salvação que nos foram dadas em Cristo Jesus. O Senhor desejava que se lembrassem de onde estiveram e o que foram, ou seja, estrangeiros.

Eles deviam se lembrar de quando eram marginalizados, até mesmo escravos e, portanto, à mercê daqueles que eram mais fortes e que podiam cometer abusos contra eles, o que, de fato, com frequência fizeram. Embora Israel fosse uma nação escolhida, chamada por Deus, um “reino de sacerdotes” (Êx 19:6), e houvesse diferenças entre eles e os estrangeiros no meio deles – especialmente no que diz respeito aos serviços religiosos –, quando o assunto eram os “direitos humanos”, o estrangeiro, a viúva e o órfão deveriam ser tratados com a mesma imparcialidade e justiça com que os israelitas eram tratados.

5. Leia Mateus 7:12. Como essa passagem resume o que o Senhor disse ao antigo Israel sobre como deveria tratar os oprimidos?

Essa advertência a Israel de como deveriam tratar os marginalizados não era a norma no mundo antigo, em que muitos eram tratados em alguns casos de maneira terrível.

Israel deveria ser luz para as nações. Essa diferença estava no Deus a quem adoravam, na maneira de adorá-Lo e no sistema religioso da verdade que o Senhor lhes deu. A bondade para com os marginalizados teria sido um poderoso testemunho para o mundo quanto à superioridade de seu Deus e de sua fé, que em certo sentido era o ponto principal de sua existência.



Quarta-feira, 27 de outubro
Ano Bíblico: Lc 21, 22
Julgue com justiça

Como crentes, fomos chamados a refletir o caráter de Deus. Paulo escreveu: “Meus filhos, por quem, de novo, estou sofrendo as dores de parto, até que Cristo seja formado em vocês” (Gl 4:19). Fomos feitos “à imagem de Deus” (Gn 1:27), a qual foi desfigurada pelo pecado. Quando Moisés falou sobre o poder e a majestade divinos, disse que Deus não aceitava suborno e que Se importava com os fracos e marginalizados; portanto, devemos fazer o mesmo.

6. Leia os seguintes textos. Qual é o tema comum entre eles?

Dt 1:16

Dt 16:19

Dt 24:17

Dt 27:19

É notório que, na maioria dos tribunais humanos, os fracos, pobres e rejeitados não têm a mesma “justiça” que aqueles com dinheiro, poder e conexões. Não importa o país, a época, a cultura, nem quão elevados sejam os princípios de justiça e equidade consagrados nas constituições, leis ou o que quer que seja; a realidade permanece: pobres, fracos e rejeitados quase nunca obtêm a justiça a que outros têm acesso.

Essa injustiça não devia ser cometida em Israel, entre o povo de Deus, que devia representá-Lo perante o mundo. O Senhor queria que no antigo Israel houvesse justiça igualmente para todos perante a lei.

Mas isso vai além da mera jurisprudência. “Sejam santos, porque Eu, o Senhor, o Deus de vocês, Sou santo” (Lv 19:2). Sim, eles sabiam quem era o verdadeiro Deus, tinham as formas  corretas de adoração e traziam as ofertas devidas. Tudo bem. Porém, de que adiantava tudo isso se eles maltratavam os fracos e pobres? Observamos nos escritos dos profetas que o Senhor repetidamente luta contra os opressores dos pobres e necessitados em Israel. Como pode alguém ser “santo” e maltratar os outros ao mesmo tempo? Isso não é possível, ainda que a pessoa cumpra de forma estrita os rituais religiosos devidos.

Leia Amós 2:6; 4:1; 5:11; Is 3:14, 15; 10:1, 2 e Jr 2:34. De que o Senhor advertiu o antigo Israel? O que essas palavras significam para nós?


Quinta-feira, 28 de outubro
Ano Bíblico: Lc 23, 24
Religião pura diante de Deus

7. Leia Deuteronômio 24:10-15. Que princípios importantes são expressos sobre como devemos tratar os que estão sob nosso domínio?

Novamente, vemos a preocupação do Senhor com a dignidade humana. Se alguém lhe deve algo, e é hora de cobrar, trate a pessoa com respeito e dignidade, certo? Não vá invadir sua casa e fazer exigências. Espere-a do lado de fora e deixe-a vir e entregar a você o que lhe deve. Deuteronômio 24:12, 13 parece dizer que, se alguma pobre alma lhe deu sua vestimenta como “garantia”, você precisa pelo menos deixá-la dormir com ela durante a noite. Os outros versos falam de como as pessoas deviam tratar os pobres que trabalham para elas. Não os oprimam, pois aos olhos de Deus isso é um pecado, e certamente um pecado grave. Se Israel devia ser uma testemunha, um povo santo que andava na verdade em meio a um mundo mergulhado no erro, na idolatria, maldade e no pecado, certamente deviam ser gentis com os mais fracos e marginalizados entre eles. Caso contrário, seu testemunho não teria valor.

8. Leia Tiago 1:27–2:11. O que Tiago disse que reflete o que o Senhor declarou a Seu povo em Deuteronômio? O que Tiago quis dizer ao relacionar os maus tratos aos pobres com os Dez Mandamentos?

Embora nada nos Dez Mandamentos em si esteja diretamente relacionado a mostrar parcialidade para com os ricos em relação aos pobres, aderir estritamente à letra da lei e, ao mesmo tempo, maltratar os pobres ou necessitados é zombar da profissão de fé e de qualquer pretensão de observar os mandamentos. Amar o próximo como a si mesmo é a expressão mais elevada da lei divina – e essa é a verdade presente agora tanto quanto na época de Tiago e quando Moisés falou a Israel nas fronteiras da terra santa.

Como adventistas do sétimo dia, que levam a sério a obediência à lei, por que devemos levar a sério as palavras de Tiago e Deuteronômio? Considerando o que lemos em Tiago, por que nossa crença na observância da lei apenas fortalece a decisão de ajudar os pobres e necessitados entre nós?


Sexta-feira, 29 de outubro
Ano Bíblico: Jo 1-3
Estudo adicional

É difícil imaginar como, mesmo em seus tempos áureos, sob o reinado de Davi e Salomão, a nação de Israel tenha sido tão abençoada por Deus e ainda assim tenha oprimido os pobres, desamparados e fracos entre eles.

“Portanto, visto que pisam os pobres e deles exigem tributo de trigo, vocês não habitarão nas casas de pedras lavradas que construíram, nem beberão o vinho das belas videiras que plantaram. Porque sei que são muitas as suas transgressões e que são graves os pecados que vocês cometem. Vocês afligem os justos, aceitam suborno e rejeitam as causas dos necessitados no tribunal” (Am 5:11, 12).

“O Senhor entra em juízo contra os anciãos do seu povo e contra os seus líderes. Ele diz: ‘Foram vocês que arruinaram esta vinha. O que roubaram dos pobres está na casa de vocês’” (Is 3:14).

Perguntas para consideração

1. Os israelitas precisavam se lembrar de que haviam sido “estrangeiros” no Egito. Por isso, deveriam tratar os estrangeiros e marginalizados como desejariam ter sido tratados quando estiveram na mesma situação. Essa verdade se relaciona com o evangelho, que liberta do pecado pelo sangue de Jesus? De modo paralelo, o que Jesus fez por nós deve impactar nossa maneira de tratar os outros, em especial os desamparados?

2. Podemos observar o sábado, entender a verdade sobre a morte, o inferno, a marca da besta e assim por diante. Isso é bom. Mas de que serve tudo isso se tratarmos os outros de maneira desagradável, oprimirmos os fracos e não fizermos justiça quando julgarmos uma situação? Por que devemos ser cuidadosos para não pensar que apenas saber a verdade é tudo o que Deus exige de nós? Isso é uma armadilha?

3. Que papel a fé deve ter em nos ajudar a entender os chamados “direitos humanos”?

Respostas e atividades da semana: 1. Fez outras tábuas dos Dez Mandamentos. 2. Que eles deveriam circuncidar o coração de pedra e deixar a desobediência. 3. Que Deus é soberano e Se compadece dos mais necessitados. Devemos seguir Seu exemplo. 4. Eles precisavam tratar os estrangeiros como gostariam de ser tratados. Isso se aplica a nós hoje. 5. Devemos fazer aos outros o que desejamos que os outros nos façam. 6. Fazer justiça a todos. 7. Tratar todos com dignidade e respeito. 8. Não podemos fazer acepção de pessoas, mas precisamos tratar todos com justiça. Atender aos necessitados. Se fizermos acepção de pessoas, somos transgressores da lei. 



Resumo da Lição 5
Os estrangeiros no meio de vocês

TEXTO-CHAVE: Dt 10:1

FOCO DO ESTUDO: Dt 10:1-19; Sl 146:5-10; Mt 7:12; Tg 1:27–2:11

ESBOÇO

A história de Deus escrevendo novas tábuas de Sua lei é uma história da graça divina e do amor paciente por Israel. Antigamente, quando uma aliança era quebrada, sua renovação envolvia o preparo de novos documentos. No contexto do evento vergonhoso de Horebe, Moisés exortou Israel a renovar sua aliança e preparar um novo juramento de fidelidade em que o requisito de Deus para Seu povo foi especificado. Esses versos reúnem vários temas em torno do princípio do amor, a saber, amor ao Senhor (o primeiro mandamento), amor como resposta ao amor e perdão divinos, amor ao próximo e, mais especificamente, amor ao estrangeiro (o segundo mandamento), porque Deus o amou.

Temas da lição

• A nova aliança. Embora a aliança seja eterna, sempre há a necessidade de renová-la (circuncidar o coração).

• A circuncisão do coração. Os símbolos, uma espécie de mistura de metáforas, revelam uma verdade teológica crucial.

• Amar o estrangeiro: tudo bem amar o próximo, mas o estrangeiro também?

COMENTÁRIO

A nova aliança

Existe um paradoxo na renovação de uma aliança que é eterna. Pela lógica, uma aliança eterna não precisa ser renovada. A lição que se aprende disso tem a ver com a fidelidade de Deus versus a infidelidade de Seu povo. Observe que a “nova aliança” não implica uma nova lei. É a mesma lei que é reescrita nas novas tábuas. O que Deus estava pedindo era simplesmente uma internalização da lei.

A lei escrita nas tábuas de pedra devia ser escrita no coração do povo. A renovação da aliança é a renovação do coração. O mecanismo desse processo é o amor. Jeremias, que pela primeira vez usa a expressão “nova aliança”, define-a nos seguintes termos: “Não segundo a aliança que fiz com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os tirar da terra do Egito; pois eles quebraram a Minha aliança, apesar de Eu ter sido seu esposo, diz o Senhor. Porque esta é a aliança que farei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o Senhor: Na mente lhes imprimirei as Minhas leis, também no seu coração as inscreverei; Eu serei o Deus deles, e eles serão o Meu povo” (Jr 31:32, 33).

Curiosamente, a mesma situação de uma aliança quebrada é registrada em Jeremias. O profeta, como Moisés, também teve que reescrever seu livro (Jr 36:27, 28). Da mesma forma, quando o apóstolo Paulo se refere à “nova aliança” (2Co 3:6), ele a entende como uma aliança espiritual que está escrita “não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne, isto é, nos corações” (2Co 3:3).

Perguntas para discussão e reflexão: Como a noção bíblica de “nova aliança” no livro de Deuteronômio se aplica ao nosso entendimento da relação entre o AT e o NT? Por que a “nova aliança” implica a mesma lei? Por que Deus escreveu a lei em pedras em vez de escrevê-la no coração do povo?

A circuncisão do coração

Deus pediu que Israel circuncidasse o coração. Evidentemente isso não deve ser interpretado de forma literal. Moisés se referiu à incircuncisão dos lábios (Êx 6:12, 30) para sugerir que não falava bem. Jeremias lamentou por Israel ter ouvidos incircuncisos, o que significa que eles não ouviam a palavra do Senhor (Jr 6:10). Visto que a circuncisão é o sinal da aliança (Gn 17:10-13), a circuncisão do coração é um simbolismo que retrata a circuncisão interior que Paulo descreveu mais tarde como a conversão do cristão (Rm 2:28, 29). Esse é um procedimento que só Deus pode realizar (Dt 30:6).

Moisés não sugere que a circuncisão da carne foi um erro. Antes de entrar em Canaã, os homens de Israel deveriam ser circuncidados como sinal da aliança (Js 5:2). A circuncisão do coração diz respeito àqueles que já são circuncidados na carne, aqueles que estão sob a aliança. Após a circuncisão da carne, a renovação da aliança não é uma nova circuncisão que anularia a anterior, mas um aprofundamento da mesma aliança e de suas leis. Depois de terem recebido a letra da lei, eles foram chamados a enraizar seu compromisso no coração. Isso envolve não apenas abster-se de fazer o que é errado; porém, mais importante, não desejar fazer o que é errado. Não apenas deixar de praticar o mal, mas dedicar-se a fazer o bem por toda a vida. Só o amor torna possível esse compromisso. É por isso que a exigência de Deus nessa fase é uma aliança com base no amor e é, portanto, mais rigorosa e mais completa.

Perguntas para discussão e reflexão: O que torna uma aliança fundamentada no amor mais exigente do que uma aliança que tem por base a lei? Ao mesmo tempo, quais são os riscos da ênfase no amor em detrimento do rigor da justiça? Como o simbolismo da circuncisão do coração se relaciona com a metáfora de uma dura cerviz?

Amar o estrangeiro

O curioso é que a primeira aplicação do mandamento de amar ao Senhor é amar o estrangeiro. Por que Deus exigiu que Israel amasse o estrangeiro? Dois grupos de razões podem ser listados aqui. Discuta e reflita sobre eles em classe: (1) razões para justificar esse requisito e (2) razões para prepará-los para a santidade.

Por que amar o estrangeiro?

• Porque Deus ama o estrangeiro (Dt 10:18). Essa razão está enraizada na fé no Criador, que possui os céus e a Terra (Dt 10:14). Dois princípios estão implícitos nessa razão. Primeiro, existe o princípio de que Deus criou o estrangeiro à Sua imagem (imago Dei). O segundo princípio deriva do primeiro: é o princípio da imitação de Deus (imitatio Dei) por Seus servos.

• Porque Israel foi estrangeiro (Dt 10:19). Essa razão se baseia no princípio de Levítico 19:18: “Ame o seu próximo como você ama a si mesmo.”

• Porque assim seriam preparados para o encontro com Deus, que pertence a outra ordem (Dt 10:17). Ele é o Santo, essencialmente diferente de nós, humanos. A melhor forma de aprender a amar a Deus poderia ser aprender a amar o diferente, o estrangeiro.

• Porque assim seriam preparados para o encontro com outras pessoas. Como ex-escravos, os israelitas tiveram que aprender a ver os outros, não apenas como senhores cruéis a quem odiavam, mas como “próximos” com quem deviam comungar e compartilhar as bênçãos e a quem deviam amar, pois a experiência do amor fica mais rica e forte quando é vivida entre pessoas diferentes.

• Porque assim seriam preparados para moldar e cumprir seu próprio destino como estrangeiros. Como ex-nômades no deserto, Israel teve que aprender o caminho da santidade e o valor de viver com pessoas diferentes sem comprometer sua própria identidade sagrada. Da mesma forma, Abraão, José e Daniel tiveram que aprender a conviver com a “tensão” entre conciliar o dever da santidade com o dever do amor.

Perguntas para reflexão e discussão: Como e por que o princípio do imago Dei nos ajuda a compreender a importância de amar o estrangeiro? Por que a experiência de amar um estrangeiro fortalece e enriquece a qualidade do amor? Por que a comunhão e a convivência com pessoas de outras religiões fortalecem a fé?

Amar o órfão e a viúva

O tratado de aliança de Deuteronômio não define “amor”, mas deixa claro que o amor é uma característica divina. É somente por meio de Deus que Israel pode compreender e cumprir o mandamento do amor. Por outro lado, de modo significativo, a única vez em que se descreve o amor é apresentada uma atitude de Deus em favor dos órfãos e da viúva (Dt 10:18; compare com Dt 24:17-22).

Perguntas para reflexão e discussão: Por que o requisito de amar o órfão e a viúva está associado ao requisito de amar o estrangeiro? O que o estrangeiro, a viúva e o órfão têm em comum?

APLICAÇÃO PARA A VIDA

Em Os Miseráveis, de Victor Hugo, o ladrão Jean Valjean finalmente entende o valor do perdão e da misericórdia quando seu anfitrião lhe dá a prata que ele roubou; caso contrário, ele teria sido jogado na prisão. Considere e discuta os seguintes casos:

• Você é o ancião ou pastor de uma igreja. Uma jovem de sua igreja teve um filho após um caso extraconjugal. Vários anos depois, o casal vem até você e pede que você realize sua cerimônia de casamento (ambos são adventistas). Como você lidaria com esse caso?

• Quais são as motivações que orientam suas escolhas políticas? Você escolhe seu partido político com base em uma agenda nacionalista, interesses egoístas ou tendo em vista a justiça social e o cuidado para com os pobres, as viúvas e os órfãos? Você leva em conta a defesa de ideologias culturais da sociedade em geral ou os princípios bíblicos?

• Um mendigo bêbado pede-lhe algum dinheiro porque diz que está com fome e não come há muitos dias. Como você reagiria, mesmo sem ter garantia de que ele não usará o dinheiro para comprar bebida? Não seria melhor você separar um tempo de qualidade para alimentar o necessitado e ajudá-lo a encontrar uma solução duradoura?

• O que você diria a alguém de sua comunidade de fé que lhe diz que não gosta de você, mas, por causa de Deus, se obriga a amá-lo(a)? Como você reagiria?


Evangelho delicioso

Eu desejava abrir um restaurante no Japão onde as pessoas pudessem ficar mais saudáveis, assim como aconteceu comigo, quando visitei um resort saudável adventista no estado americano do Alabama. Há alguns anos, meu esposo e eu saímos de nosso lar no Japão até o Alabama em busca de um tratamento para o câncer. Eu era adventista e ouvi que médicos adventistas que trabalhava em um resort de saúde podiam ajudar. Meu esposo não era cristão. À medida que nossa alimentação se tornou vegana e nos exercitávamos, nosso corpo começou a mudar. Eu perdi muito peso. Meu esposo deixou de fumar, começou a estudar a Bíblia e foi batizado no instituto. Uma semana depois do batismo, ele faleceu com apenas 56 anos. Fiquei triste, mas tranquila com a certeza de nos encontrarmos no Céu.

Ao retornar no Japão, analisei minhas finanças e percebi que havia mais que suficiente para viver. Eu queria usar o meu dinheiro para espalhar o evangelho no Japão, onde somente um por cento da população é cristã. Por isso, comecei a orar, perguntando a Deus o que poderia eu fazer. Certo dia, durante o meu culto devocional, li a passagem de Isaías 55:13. O verso diz: “No lugar do espinheiro crescerá um pinheiro, e em vez de roseiras bravas crescerá a murta. Isso resultará em renome para o Senhor, para sinal eterno, que não será destruído.”

Naquele momento, percebi que eu queria abrir um restaurante que pudesse ajudar as pessoas a se tornarem mais saudáveis e melhorarem, à semelhança da minha experiência no Alabama. Talvez pudesse conquistar a confiança delas e lhes mostrar. Decidi nomear o restaurante de Myrtle, após aquele verso de Isaías.

Naquele mesmo dia, desci a rua em minha cidade natal, perto de Tóquio, e vi um terreno para vender. A localização era perfeita, próximo a três igrejas adventistas. Comprei o terreno e paguei a construção do restaurante. Para ser honesta, eu não sabia nada sobre dirigir um restaurante. Por isso, frequentei uma escola de culinária vegetariana adventista, para ter algumas ideias, e aprendi a criar os próprios pratos para o restaurante.

Uma multidão de bom tamanho apareceu no dia da estreia, mas estava um caos lá dentro. Eu ainda não sabia nada sobre como administrar um restaurante. Um dos clientes, um ex-cliente de seguros, conhecia a proprietária de um café próximo e pediu ajuda a ela. Foi uma grande ajuda!

Atualmente, os negócios estão indo bem. Myrtle é um dos poucos restaurantes totalmente vegetarianos na área de Tóquio. Pela manhã, vou para o meu emprego na seguradora. Depois, vou ao restaurante às 11h e atendo clientes na hora do almoço até às 14h. Depois disso, volto para a seguradora. O restaurante fecha aos sábados, é claro.

Esse restaurante me deu a oportunidade de fazer mais que disponibilizar alimento saudável. Uma cliente teve câncer de mama e perguntou sobre como ter um estilo de vida saudável. Então, compartilhei alguns livros adventistas com ela. Outra cliente, uma moça solteira, disse que estava procurando por novos amigos. Eu a convidei para visitar minha igreja e ela já nos visitou diversas vezes.

O objetivo principal do restaurante é conduzir pessoas a Jesus, Ellen White diz: “Nossos restaurantes devem estar nas cidades; pois de outra maneira os obreiros desses restaurantes não poderiam alcançar o povo e ensinar-lhe os princípios do viver sadio” (Mensagens Escolhidas, v.2, p. 142).

Foi exatamente esse o motivo pelo qual iniciei esse restaurante. Ele é um projeto de Deus, que me ajuda a administrá-lo. O proprietário é Jesus.

 

Informações adicionais

• Pronúncia de Harue: .

• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.

• Para mais notícias do Informativo Mundial e outras informações sobre a Divisão do Pacífico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.

 

 

Esta história ilustra os seguintes componentes do plano estratégico da Igreja Adventista, “I Will Go”: Objetivo de Crescimento Espiritual nº 1 – “reavivar o conceito de missão mundial e sacrifício pela missão como um estilo de vida, que envolva não apenas os pastores, mas todos os membros da igreja, jovens e idosos, na alegria de testemunhar por Cristo e de fazer discípulos” através do “aumento do número de membros da igreja que participam em iniciativas evangelísticas pessoais e públicas com o objetivo de envolvimento total dos membros” (KPI 1.1). Conheça mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.

 


Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: A verdade presente em Deuteronômio

Lição 5 – 23 a 30 de outubro de 2021

Os estrangeiros no meio de vocês

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Josiéli Nóbrega

Na última semana estudamos sobre o amor a Deus e aprendemos que em Deuteronômio esse amor é apresentado como elemento essencial da fé de Israel. Na lição desta semana, seguimos estudando aspectos do amor apresentados nesse livro. Agora, a direção do amor não é mais vertical, centralizada em Deus, mas horizontal, concentrada no próximo.

Esse tema é extremamente importante para a teologia e antropologia bíblica, por inúmeras razões cujo escopo desse comentário não permite abordar. No entanto, precisamos de uma visão panorâmica que nos permita compreendê-lo melhor, uma vez que a compreensão, tanto da função do amor ao próximo quanto de sua relação com o amor a Deus, bem como a correta definição do que representa o amor nesse nível e de quem é o próximo no contexto de Deuteronômio pode, e deve, nos permitir obter preciosas lições. Por isso, faremos algumas perguntas básicas em relação ao texto bíblico, dentre as quais: O que é amor? Quem é o próximo em Deuteronômio? Seria o amor ao próximo antecedente ao amor a Deus? Quais são os limites do amor ao próximo?

Na semana passada já estudamos rapidamente o que significa amor no pensamento hebraico e descobrimos que o termo hebraico possui uma conotação mais concreta, comparada ao pensamento abstrato moderno, que tende à romantização. A ideia moderna me leva, portanto, à priorização de sentimentos direcionados ao objeto do amor romântico, que é idealizado, tornado perfeito e irrepreensível em todos os seus atos, exceto aqueles que dizem respeito a mim, ou colocam em perigo a manutenção do meu sentimento. O resultado natural desse modelo de amor é a negação de realidades e a impossibilidade de viver e usufruir a beleza da realidade. Quando aplicado ao conceito de amor ao próximo, invariavelmente me leva a uma visão distorcida do próximo, idealizada e não real.

O conceito bíblico, entretanto, é mais concreto, como dito, ensinando-nos que amar é respirar profundamente, em uma atitude que remete à satisfação pelo sucesso, ao anseio diante do inesperado e à empatia diante do sofrimento amenizado de outrem. Nesse sentido, o amor bíblico não se fundamenta em uma noção idealizada do objeto de nosso amor, mas em uma profunda sensação de semelhança e aproximação com esse objeto. Não entende que esse objeto do amor seja vítima de outra coisa que não seja o pecado, que se manifesta de múltiplas formas, mais físicas, emocionais e até sociais, e que a solução para o que aflige o objeto do amor é a mesma, e não é o nosso amor, mas o amor de Deus!

E o objeto desse amor se chama “próximo”. Esse conceito é amplo em nosso pensamento, mas nos tempos bíblicos era muito mais restrito. O termo hebraico reah, traduzido por próximo em Êxodo 20:16, 17, Levítico 19:18 e em Deuteronômio 5:20, para citar apenas alguns exemplos, significa literalmente um amigo, companheiro e um concidadão, além de ser um termo associado nas línguas semíticas ao casamento e à proximidade que dele advém. Nesse sentido, o próximo na legislação deuteronômica é aquele que participa da aliança e não qualquer ser humano. Isso é chocante para nossa compreensão moderna.

Talvez isso seja tão chocante quanto o fato de que o amor a Deus precede o amor ao próximo, sendo o segundo um resultado necessário do primeiro. Embora hoje o amor ao próximo seja o principal discurso, na realidade esse conceito não se aproxima da ideia bíblica, porque na narrativa moderna, o “amor ao próximo” nada mais é do que uma expressão vazia cujo objetivo é impedir toda crítica ao comportamento do “próximo”, sobretudo no que diz respeito ao pecado. E aqui está o principal problema e a demonstração de que há uma inversão de prioridades na teologia moderna. E as nossas ações têm por base as nossas crenças, incluindo nossa teologia. Não poucas vezes, o pensamento moderno usa o amor ao próximo como uma forma de impedir que o que é biblicamente definido como pecado seja apresentado ao pecador, porque isso é visto como falta de amor. Mas a teologia bíblica, ao contrário, afirma que o amor a Deus é antecedente e a obediência a Seus princípios é a consequência do amor verdadeiro, cuja expressão visível é um respirar profundamente no anseio de que o próximo reconheça sua imperfeição e se aproxime do amor salvífico de Jesus.

Por fim, qual é o limite do amor ao próximo? Em Levítico 19:18, um texto repetido pelo nosso Senhor Jesus, o limite é claramente dado: eu. Se a fonte do amor é Deus, seu limite é a minha autocompreensão e a percepção de que, assim como o meu companheiro de jornada, eu mesmo sou objeto do amor de Deus. O limite é também a consciência de que, desse relacionamento, advém uma profunda satisfação que me faz respirar profundamente ao ser preenchido por esse amor transformador, de maneira que sou impedido de guardar ou restringir o amor para mim mesmo. Dessa forma, tendo a percepção do amor real de Deus por mim, eu posso, de maneira real, correta e precisa expressar um amor verdadeiro pelo meu próximo.

Em resumo, na lição desta semana, somos convidados a compreender o aspecto horizontal de nosso relacionamento de amor. O convite de Deuteronômio não é para nos entregarmos a um sentimento puro sem fundamento ou base, mas a um relacionamento cuja base são as ações salvíficas de Deus, como fonte do amor, e nós como beneficiários desse amor. E aqui está a universalização proposta por Jesus, na parábola do bom samaritano. Se é verdade que mesmo no Novo Testamento os filhos de Deus são apenas o que creem (Jo 1:12-14), e não todos os seres humanos, e que os irmãos de Jesus são os que fazem a vontade de Deus (Mt 12:50), é também verdade que a profecia de Daniel 9, a missão evangélica de Apocalipse 14:6, 7 e o ide de Mateus 28:19, 20, são exata e precisamente o convite de Deus para que TODA a humanidade entre nesse relacionamento de aliança que torna todos os seres humanos, independentemente de sua origem, companheiros e amigos de fé e caminhada. Esses, então, passam a ser o meu próximo, objetos do amor que uma vez me alcançou, mostrando por Sua santidade a minha pecaminosidade – não a escondendo, nem a diminuindo – denunciando e mim e a meu próximo como pecadores, e uma vez desobedientes, mas agora perdoados e salvos pela graça que liberta e convida para viver em amor a Deus, sobretudo, e uns aos outros.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: Deuteronômio

Introdução a Deuteronômio

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Rosemara Santos

Nome do livro

O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).

Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.

Autoria e data

De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.

A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.

Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.

Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.

Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.

Crítica textual

Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.

O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.

Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.

O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).

A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.

A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.

Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.

Estrutura

O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:

I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43

II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19

III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20

IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30

V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43

VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29

VII. A Morte de Moisés, 34:1-12

Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.

Temas

São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.

Deus

Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!

Israel

É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.

Aliança

É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.

Lendo Deuteronômio

Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.

Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:

1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;

2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.

3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.

O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.

E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.

Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.