Lição 6
30 de outubro a 05 de novembro
Que nação há tão grande?
Sábado à tarde
Ano Bíblico: Jo 4-6
Verso para memorizar: “E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje Eu lhes proponho?” (Dt 4:8).
Leituras da semana: Dt 4:1-9; Mt 15: 1-9; Nm 25:1-15; 1Co 10:13; Dt 4:32-35; Mt 5:13-16

Os primeiros três capítulos de Deuteronômio são basicamente uma lição de história, que relembra aos israelitas o que haviam passado até então. No capítulo quatro, a lição assume um tom de sermão. Recontar os eventos não tinha apenas o objetivo de relembrar a história; em vez disso, servia a um propósito: mostrar-lhes o poder e a graça divina atuando entre o povo e a certeza de que, embora falhassem, o Senhor ainda honraria Sua aliança com eles.

O capítulo quatro começa com a expressão hebraica we’attah (uma conjunção e um advérbio), que pode ser traduzida como “e agora” ou “então, agora”. Eles tinham acabado de revisar sua história recente, um lembrete do que Deus tinha feito para trazê-los àquele ponto – assim, ou “e agora”, eles deviam fazer o que Deus lhes pedia (ver também Dt 10:12).

É por isso que o primeiro verbo que aparece após o “então agora” é shamá’, o mesmo verbo (e na mesma forma) usado no início da oração Shemá, que significa “ouvir” ou “obedecer” – um verbo repetido em todo o livro.

Assim, o capítulo começa dizendo: Então, agora, Israel, por causa do que fiz a você, você deve obedecer ao seguinte...



Domingo, 31 de outubro
Ano Bíblico: Jo 7-9
Não acrescentem, nem diminuam

1. Leia Deuteronômio 4:1, 2. Que aviso específico o Senhor deu ao povo israelita em relação a Seus “estatutos e juízos” e por que foram alertados disso de imediato? (Veja também Dt 12:32.)

O Senhor disse a eles que cumprissem “os estatutos e os juízos” e que não acrescentassem nem diminuíssem nada à Sua palavra. Por quê? Afinal, por que alguém iria querer mudar a lei de Deus? Nós sabemos a resposta.

“Satanás tem sido perseverante e infatigável em seus esforços para levar avante a obra que começou no Céu – mudar a lei de Deus. Tem tido êxito em levar o mundo a crer na teoria que ele apresentou no Céu antes de sua queda, de que a lei de Deus era defeituosa e necessitava ser revisada. Grande parte da professa igreja cristã, por sua atitude, se não por suas palavras, mostra que aceitou o mesmo erro” (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 2, p. 107).

Ao observarmos a história do antigo Israel, notamos que, em muitos aspectos, eles tiveram problemas por ignorar certos preceitos da lei, o que na prática seria o mesmo que retirar algo dela, como também por lhe acrescentar, no sentido de introduzir práticas não especificadas nela e que, de fato, os levaram à sua transgressão.

2. Leia Mateus 15:1-9. Embora esteja em outro contexto, que exemplo há nessa passagem do princípio sobre o qual Moisés advertiu os israelitas?

Quando os hebreus finalmente entraram na terra prometida, com frequência ignoraram, por exemplo, as advertências diretas sobre idolatria. Como resultado, seguiram muitas práticas pagãs, algumas vezes até como parte de sua suposta adoração a Yahweh. No entanto, na época de Jesus, haviam acrescentado todos os tipos de tradições humanas que, como o próprio Senhor disse, invalidavam a Palavra de Deus.

Seja como for, acrescentando ou retirando, a lei foi alterada, e a nação sofreu as consequências.

Em quais aspectos devemos ter cuidado para não adicionar nem tirar daquilo que Deus nos diz que façamos?


Segunda-feira, 01 de novembro
Ano Bíblico: Jo 10, 11
Baal-Peor

Em Deuteronômio 4:3, 4 os filhos de Israel têm um pouco mais de lição de história, como lembrete do passado e de verdades espirituais e práticas que deviam aprender.

3. Leia Números 25:1-15. O que aconteceu e quais verdades espirituais e práticas o povo deveria ter tirado da situação?

Por mais desconfortáveis que sejam os relatos de Israel eliminando algumas das nações pagãs ao seu redor, eles certamente ajudam a explicar a lógica por trás da ordem. Israel deveria ser testemunha do verdadeiro e único Deus para as nações pagãs, um exemplo para mostrar a adoração ao Deus verdadeiro. Em vez disso, seguiram os “deuses” pagãos e muitas vezes caíam em rebelião aberta contra o próprio Deus que deveriam representar para o mundo.

Embora “prostituir-se” muitas vezes tenha um significado espiritual, isto é, quando Israel ia atrás de deuses e práticas pagãs (ver Os 4:12-14), nesse caso a linguagem (e o restante da história) sugere o pecado sexual. Satanás se aproveitou da natureza humana decaída, usou as mulheres pagãs para seduzir os homens, que obviamente se deixaram seduzir.

Sem dúvida, o ato de prostituir-se fisicamente levava também à prostituição espiritual. Os envolvidos acabavam em práticas de adoração pagã seguindo a Baal-Peor; isto é, os israelitas de alguma forma se apegaram a esse deus falso e até se sacrificaram a ele. Apesar do que lhes foi ensinado, eles se dispuseram a jogar tudo fora no calor da paixão e da luxúria.

Como isso pode ter acontecido? Facilmente, ao endurecerem a consciência com o primeiro pecado, o físico, estavam maduros para cair no pecado espiritual, que deve ter sido o objetivo final de Satanás. Eles haviam se tornado tão degradados que, de acordo com o texto, um homem trouxe uma mulher midianita para o próprio acampamento, diante de Moisés e do povo que chorava do lado de fora do tabernáculo.

Mente e corpo estão intimamente ligados, ou seja, o que afeta um afeta o outro. O que podemos aprender dessa história, de como a indulgência pode ser perigosa para nós espiritualmente?


Terça-feira, 02 de novembro
Ano Bíblico: Jo 12, 13
Sejam fiéis ao Senhor

Milhares morreram por seguirem a Baal-Peor. “Todos os que seguiram Baal-Peor” foram destruídos. No entanto, muitos não apostataram. Quem foram eles?

4. “Porém vocês que permaneceram fiéis ao Senhor, seu Deus, todos hoje estão vivos” (Dt 4:4). Qual é a diferença entre aqueles que caíram em pecado e os que não o fizeram? Qual é a mensagem importante a respeito do pecado, da tentação e do poder de Deus em nossa vida?

Observe o contraste entre a palavra “todos” nesse verso e no verso anterior. “Todos” os que seguiram Baal-Peor foram destruídos, mas os que (“vocês”) permaneceram fiéis ao Senhor estavam vivos. Não havia meiotermo naquela época, e agora também não existe. Somos a favor ou contra Jesus (Mt 12:30).

A palavra hebraica para “seguir”, dbq, muitas vezes indica um forte compromisso de aderir a algo fora de si mesmo. A mesma raiz da palavra hebraica é usada em Gênesis 2:24, quando um homem deve deixar sua família e “unir-se” à sua esposa (veja também Rt 1:14). Nesse contexto, a palavra hebraica aparece mais quatro vezes em Deuteronômio (Dt 10:20; 11:22; 13:4; 30:20), e em cada caso a ideia é a mesma: o povo deveria apegar- se a Deus, ou seja, entregar-se a Ele e Dele obter poder e força.

É importante notar que o povo é o sujeito do verbo. Eles devem fazer a escolha de “apegar-se” ou “seguir” a Deus e, então, com Seu poder e força, evitar o pecado.

5. Leia Judas 24 e 1 Coríntios 10:13. O que é dito nesses versos que também está em Deuteronômio 13:4?

Deus é fiel; Ele é capaz de nos impedir de cair. Mas temos que fazer a escolha consciente, como fizeram os fiéis em Baal-Peor, de nos apegarmos a Ele. Nesse caso, podemos ter certeza de que, seja qual for a tentação, podemos permanecer fiéis.

Como a oração, o estudo da Bíblia, a adoração e a comunhão nos ajudam a apegar-nos ao Senhor?


Quarta-feira, 03 de novembro
Ano Bíblico: Jo 14, 15
Que nação há tão grande?

O que se segue nos próximos versos após Deuteronômio 4:4 é uma das passagens mais profundas e belas de todas as Escrituras (o hebraico é magnífico!). Seria possível argumentar que, em essência, a mensagem de Deuteronômio encontra-se nesse ponto, e todo o restante são comentários. Ao ler esses textos, pense em como o princípio contido nessas palavras aplica-se a nós também no presente.

6. Leia Deuteronômio 4:5-9. Por que o Senhor, por intermédio de Moisés, disse o que fez a Israel?

O Senhor desejava que o povo percebesse que tinha sido chamado, escolhido por um motivo especial. Eles se tornaram uma “grande” nação, assim como Deus havia prometido inicialmente a Abrão (Gn 12:2; veja também Gn 18:18).

Porém, o propósito de torná-los grandes era que pudessem ser uma “bênção” (Gn 12:2) para “todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Embora a bênção final fosse a vinda de Jesus, o Messias, por meio de sua linhagem, até lá eles deveriam ser a luz do mundo. “Farei também com que você seja uma luz para os gentios, para que você seja a minha salvação até os confins da Terra” (Is 49:6). Não que a salvação se encontrasse neles, mas, por meio deles, o verdadeiro Deus, o único que pode salvar, seria revelado.

Israel adorava e servia ao Deus que criou o cosmos, o Senhor do Céu e da Terra; ao passo que os pagãos adoravam rochas, pedras, madeira e demônios (Dt 32:17; Sl 106:37). Que diferença marcante! 

Nesses versos, Moisés apontou dois motivos pelos quais Israel era especial. Primeiro, o Senhor estava perto deles, de maneira única, por meio do santuário; segundo, por causa dos “estatutos e juízos tão justos como toda esta lei” (Dt 4:8).

7. Leia Deuteronômio 4:32-35. O que mais o Senhor disse que deveria tê-los feito perceber o chamado especial que haviam recebido?

Sem dúvida, Israel havia recebido muito. E como reagiu?


Quinta-feira, 04 de novembro
Ano Bíblico: Jo 16-18
A sabedoria e o entendimento

Deuteronômio 4:1-9 expressa não apenas a condição especial da nação, mas também seu chamado missionário. Em todos esses versos está a ideia de que precisavam obedecer, seguir, fazer o que o Senhor havia ordenado que fizessem.

8. Leia novamente Deuteronômio 4:6. O que o Senhor diz ser a “sabedoria” e o “entendimento” de Israel aos olhos dessas nações?

À primeira vista, pode parecer que os próprios estatutos e juízos continham a sabedoria e o entendimento, mas não é isso que o texto diz. O Senhor ensinou-lhes estatutos e juízos, sim; porém a sabedoria e o entendimento estavam em cumprir e obedecer.

Israel pode ter tido o mais maravilhoso sistema de leis, regras e regulamentos que o mundo já viu (e de fato teve), mas de que adiantaria se Israel não o seguisse? Em vez disso, a sabedoria e o entendimento resultavam da manifestação em tempo real das leis de Deus na vida deles. Eles deviam viver as verdades que o Senhor lhes havia concedido, e só podiam fazer isso obedecendo-Lhe. Toda a luz e a verdade não iriam fazer nenhum bem a eles nem aos pagãos ao seu redor se Israel não vivesse essa verdade. Portanto, repetidamente eles são chamados a obedecer, porque a obediência aos estatutos e juízos, não os próprios estatutos e juízos, era o que importava, em se tratando de testemunhar ao mundo.

“Sua obediência à lei de Deus os tornaria uma maravilha de prosperidade ante as nações do mundo. Ele que lhes podia dar sabedoria e perícia em todo artifício continuaria a ser seu Mestre e os enobreceria e elevaria pela obediência às Suas leis. Se fossem obedientes, seriam preservados das enfermidades que afligiam outras nações e abençoados com vigor intelectual. A glória de Deus, Sua majestade e poder deveriam ser revelados em toda a sua prosperidade. Deveriam ser um reino de sacerdotes e príncipes. Deus lhes proveu toda a possibilidade de se tornarem a maior nação da Terra” (Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 288).

Leia Mateus 5:13-16. Nesses versos, o que Jesus diz que reflete o que foi dito ao antigo Israel? Como isso se aplica a nós, adventistas do sétimo dia?


Sexta-feira, 05 de novembro
Ano Bíblico: Jo 19-21
Estudo adicional

Desde a origem do grande conflito no Céu, o propósito de Satanás tem consistido em destruir a lei de Deus. Para cumprir esse objetivo, ele se rebelou contra o Criador e, embora tenha sido expulso do Céu, continuou a mesma luta na Terra. Sua constante meta tem sido enganar os seres humanos para induzi-los a transgredir a lei de Deus. Se isso é feito rejeitando toda a lei ou apenas um de seus preceitos, não importa: no fim, o resultado será o mesmo. Aquele que tropeça ‘em um só ponto’ manifesta desprezo por toda a lei; sua influência e exemplo estão do lado da transgressão; e o indivíduo é considerado ‘culpado de todos’ (Tg 2:10; Ellen G. White, O Grande Conflito, p. 582).

A respeito de Baal-Peor, Ellen White escreveu: “Aventuraram-se a ir ao terreno proibido e foram enredados na cilada de Satanás. Iludidos pela música e pela dança, seduzidos pela beleza das virgens pagãs, romperam sua fidelidade para com Jeová. Unindo-se a eles na folia, a condescendência com o vinho embotou seus sentidos e derrubou as barreiras do domínio próprio. A paixão teve pleno domínio. E, uma vez contaminada a consciência pela depravação, foram persuadidos a curvar-se aos ídolos. Ofereceram sacrifícios sobre os altares pagãos e participaram dos mais degradantes ritos” (Patriarcas e Profetas, p. 454).

Perguntas para consideração

1. Em que aspecto estamos na mesma posição do antigo Israel? Pense no que recebemos em contraste com o mundo e outras igrejas. Estamos correspondendo ao que nos foi dado? Refletimos ao mundo nossa “sabedoria e entendimento”?

2. “Porém vocês que permaneceram fiéis ao Senhor, seu Deus, todos hoje estão vivos”. O Senhor não nos forçará a segui-Lo. Em vez disso, usando o dom do livre-arbítrio, temos que tomar a decisão. Feito isso, como permanecemos fiéis a Ele?

3. O que significa acrescentar ou tirar dos mandamentos de Deus? Além da tentativa de mudar o sábado, como algo assim pode acontecer de modo sutil e imperceptível?

Respostas e atividades da semana: 1. Eles deviam ouvir e cumprir a lei, evitando acrescentar ou tirar. 2. Obediência à lei divina, não às tradições humanas. 3. O povo se prostituiu, e Deus puniu o acampamento. Deus é zeloso. 4. Os que permaneceram fiéis viveram. Devemos nos apegar a Deus e Dele obter poder para vencer o pecado. 5. Deus nos livra de pecar quando nos apegamos a Ele. 6. Para que percebessem que eram um povo especial. 7. Deus relembrou o povo das maravilhas que fez no meio deles. 8. Obediência aos Seus estatutos e juízos.



Resumo da Lição 6
Que nação há tão grande?

TEXTO-CHAVE: Dt 4:8

FOCO DO ESTUDO: Dt 4:1-8; 4:32-35; 12:32; Mt 5:13-16; 15:1-9

ESBOÇO

Em geral, o que torna uma nação grande é o que ela realiza, seu poder político, suas terras, suas façanhas na guerra ou sua riqueza. Nada disso caracterizava a nação de Israel quando o povo ouviu as exortações do profeta. A pergunta retórica de Moisés: “Que grande nação há?” (Dt 4:8), indicava que essa era a maior nação da terra. Esse povo de ex-escravos, migrantes sem-teto, dificilmente se encaixaria na definição de “uma grande nação”. O que tornava a nação de Israel tão grande não é o que ela fez ou deixou de fazer; não é o que ela era ou não era, mas o seu Deus. Uma história sobre o rei prussiano Frederico II retrata esse fato. O rei perguntou ao seu médico particular: “Você poderia me dar pelo menos uma única evidência da existência de Deus?” O homem respondeu: “Sua majestade, Israel” (consulte Steven Paas, Christian Zionism Examined [Resource Publications, 2019]). A descrição que Moisés deu sobre a grandeza de Israel confunde nossa mente. Em essência, tudo diz respeito a Deus e Suas leis.

Temas da lição

A lição desta semana refletirá sobre esse mistério e girará em torno de três temas principais:

• A lei é perfeita. Não há nada a acrescentar e nada a retirar.

• A lei é sábia. A vida vibrante e inteligente do guardião da lei testifica do Criador.

• A lei é divina. A menos que Israel “se voltasse” para Deus, não se beneficiaria dessa lei e não seria “uma grande nação”.

COMENTÁRIO

Ao estudarmos o valor e a autoridade das antigas leis de Moisés, consideraremos se ainda são relevantes para a modernidade. Não entendemos a natureza dessa lei se a reduzirmos a um conjunto de tarefas que alienarão os seres humanos e os privarão de seu julgamento e liberdade. Israel deveria voltar-se para o Senhor, seu Deus, atender-Lhe a voz (Dt 4:30) e aceitar a lei com toda a sua inteligência para que o povo “vivesse” (Dt 4:1), florescesse e se realizasse como seres humanos. Deus, o Criador, deu a receita para a vida, por meio da lei, precisamente porque, como Criador, Ele conhece a fórmula da existência de Israel.

Uma lei diferente

Visto que a lei vem do Céu (Dt 4:36), ela foi projetada para ser diferente de todas as outras leis. Embora existam algumas semelhanças entre a lei dada por Moisés e as leis das culturas vizinhas, existem diferenças fundamentais entre os dois sistemas. Pesquisas recentes revelaram, de fato, muitas diferenças importantes entre os dois sistemas de leis. 

A primeira diferença notável diz respeito à ênfase bíblica no valor da pessoa humana sobre a matéria. Em Babilônia, a pena de morte era exigida para alguns roubos, enquanto a Bíblia exige apenas uma compensação financeira equivalente. Na lei de Moisés, a vida humana prevalecia sobre os valores materiais, e a lei era a mesma para todos. Mais importante, as leis de Moisés diferem de outras leis orientais porque a lei mosaica sempre se refere a Deus. Enquanto em documentos legais do Oriente Médio a referência a Deus é rara e ocasional e apenas formal, na introdução, e às vezes na conclusão, as leis bíblicas estão imbuídas dessa referência a Deus, que é usada como lema ao longo do texto. A lei não é o resultado de consultas e elaborações humanas. Ela é recebida como um dom; é uma revelação do alto. 

A importância na Bíblia das chamadas “leis apodíticas”, isto é, leis que são absolutamente normativas, é significativa. As leis bíblicas têm autoridade, e esse estilo é ainda mais notável porque a literatura jurídica do antigo Oriente Próximo é dominada por leis casuísticas. O mandamento “não mate” ou “não cometa adultério” é absoluto e contundente. A lei de Deus não se justifica com base em um processo lógico. Somente a experiência da obediência nos permitirá verificar sua justiça. Nas leis casuísticas, sabemos por que a lei é certa antes de experimentá-la, enquanto nas leis apodíticas de Israel sabemos disso depois. A resposta de Israel ao dom da lei explica esse processo: “Faremos, então entenderemos” (Êx 19:8, tradução do autor). Sendo assim, a lei de Moisés difere de todas as demais, pois implica uma dimensão única. Israel obedecerá pela fé. 

Uma lei universal

A lei de Moisés não é descrita como uma expressão da cultura e sabedoria específicas de Israel. Moisés deixa isso claro ao se referir ao horizonte cósmico e à criação passada, mesmo antes do surgimento de Israel: “Agora, pois, perguntem aos tempos passados, que transcorreram antes de vocês [...] desde uma extremidade do céu até a outra” (Dt 4:32). Esse propósito universal da lei também é testemunhado dentro da própria lei. Um dos sinais mais eloquentes do convite universal dessa lei é a sua referência à criação. Vale ressaltar que no decálogo, o sábado, memorial da criação, está situado em seu centro geométrico e temático. Esse é o lugar em que se colocava o selo nos antigos documentos de aliança. A posição do sábado sugere que a consciência de Deus como Criador está no cerne dos Dez Mandamentos, que também ecoam as dez palavras da criação (veja as dez declarações “Deus disse” em Gênesis 1).

Da mesma forma, as leis dietéticas de kosher [“apropriado”], que fazem distinção entre carnes puras e impuras, lembram Gênesis 1. Na verdade, a  linguagem de Levítico 11, que registra essas leis, usa as mesmas palavras técnicas e expressões estilísticas (criaturas da terra, animais rastejantes, segundo sua espécie, etc.). Além disso, a lista dos animais em Levítico 11:2-8 segue a mesma sequência de Gênesis 1:24-26 (o sexto dia da criação).

Por exemplo, a criação do ser humano está relacionada sucessivamente à criação dos animais aquáticos (Lv 11:9-12; compare com Gn 1:26), à criação dos animais que voam (Lv 11:13-23; compare com Gn 1:26), e finalmente à origem dos animais terrestres e dos répteis (Lv 11:24-43; compare com Gn 1:26). Por último, em Levítico 11, como em Gênesis 1:24-26, a relação entre humanos e animais tem sua contrapartida na relação entre humanos e Deus. Em Gênesis 1:20 a 28, o dever de exercer domínio sobre os animais está associado ao fato de que os humanos foram criados à imagem divina. Da mesma forma, em Levítico 11, o dever de distinguir entre alimentos puros e impuros está associado ao fato de que a santidade humana reflete a santidade divina: “Sejam santos, porque Eu sou santo” (Lv 11:44, 45).

Uma lei aplicável

Por estarem relacionadas à criação, as leis religiosas e morais do decálogo, bem como as leis alimentares das carnes puras e impuras, são universais e, portanto, ainda aplicáveis a qualquer ser humano. As chamadas leis cerimoniais, relacionadas ao templo e aos sacrifícios, estavam fadadas a desaparecer com eles. Quanto às leis circunstanciais, sobretudo casuísticas, também estavam fadadas a perder seu caráter normativo a partir do momento em que as “circunstâncias” que as geraram deixassem de existir. É o caso, por exemplo, das leis relativas aos escravos, à maneira de se vestir, de lavrar a terra, de organizar e administrar a cidade. Essas duas últimas categorias de leis (cerimoniais e circunstanciais) não foram projetadas para ser observadas para sempre. Por outro lado, o Decálogo e as leis alimentares não pertencem às leis cerimoniais nem às leis circunstanciais. Essas leis não têm nada a ver com os sacrifícios. 

Na verdade, qualquer lei que não seja cerimonial nem circunstancial mantém sua condição de lei absoluta. É o caso das leis sobre sexualidade, higiene, relações com os vizinhos, etc.; a maioria dessas leis amplia e explica as leis já contidas no Decálogo. A lei de Israel compreende, então, duas leis: uma absoluta e universal e uma relativa que depende dos tempos e circunstâncias. Essa distinção é encontrada novamente no NT, onde os textos que falam sobre a abolição da lei são contrabalançados com muitos outros textos que a exaltam. Enquanto os primeiros cristãos, que eram judeus devotos, foram levados a cancelar as leis dos sacrifícios porque se referiam ao Messias, eles nunca questionaram a lei do Decálogo, a qual Jesus havia até mesmo aprofundado e ampliado em sua aplicação. O mesmo acontece com as leis alimentares relativas ao consumo de carne (Kasherut), as quais são mencionadas nas recomendações apostólicas: “que se abstenham [...] da carne de animais sufocados e do sangue” (At 15:20; compare com Lv 17:14). A partir dessas observações, segue-se que o princípio da lei na vida religiosa permanece válido tanto para o cristão quanto para o judeu.

APLICAÇÃO PARA A VIDA

Teste de sabedoria

Leia Deuteronômio 4:6: “Portanto, guardem e cumpram essas leis, porque isto será a sabedoria e o entendimento de vocês aos olhos dos povos que, ouvindo todos esses estatutos, dirão: ‘De fato, este grande povo é gente sábia e inteligente.’”

Perguntas para discussão e reflexão

Pela sua percepção do verso citado anteriormente, o que há em você mesmo que deveria ser uma evidência da providência divina? Você é considerado “sábio e inteligente” pelos outros? O que você deve fazer para que a promessa de Deuteronômio 4:6 se cumpra em sua vida? Como você explica que inteligência e verdadeira sabedoria não são valores importantes para algumas tradições cristãs?

Como ler as Escrituras

Leia Deuteronômio 4:2.

1. Faça uma lista de novas tradições de outras denominações cristãs que foram adicionadas à lei de Deus.

2. Que justificativas existem para esses acréscimos?

3. Como adventistas do sétimo dia, também criamos novos hábitos e princípios que não foram incluídos na lei mosaica? Liste-os, se puder, e explique quais são as justificativas para observá-los, embora eles não façam parte dos requisitos bíblicos.

4. Que princípio hermenêutico você infere de Deuteronômio 4:2? Por que é importante ler o texto bíblico por completo? Que textos bíblicos você tende a rejeitar (por exemplo, AT versus os Evangelhos, Eclesiastes versus Pentateuco) e por quê? Procure motivos pelos quais você deve incluí-los em sua leitura da Bíblia.


O almoço evangelístico

Sara mora no Japão e, embora não seja adventista, frequenta a igreja todos os sábados. Sua família também não é adventista. Na verdade, não é cristã. A razão pela qual Sara gosta de frequentar a igreja é que ela usufrui das refeições no restaurante das crianças que funciona nas instalações. A adolescente de 14 anos gosta de comer sushi, massa preferência dela é quando, aos sábados, restaurante oferece arroz com curry, que é um prato popular entre as crianças japonesas em idade escolar. Depois do almoço, ela se reúne com outras crianças para ouvir histórias bíblicas, cantar e participar de jogos.

Desde quando tinha seis anos, Sara tem frequentado a igreja. Sua mãe, que é solteira, a enviava à igreja para uma refeição saudável. Talvez, elas não pareçam ser pobres. O Japão é visto amplamente como um país rico. Mas as políticas econômicas do governo e os efeitos da globalização criaram uma lacuna crescente entre aqueles que têm e aqueles que não têm. O resultado não é a pobreza absoluta, onde as crianças morrem de fome, mas sim a pobreza relativa, onde as crianças vivem bem abaixo do padrão de vida médio e são superadas pelas crianças que vivem em famílias mais ricas.

Uma em cada sete crianças japonesas agora vive nessa condição. A pobreza relativa atingiu duramente as casas de pais solteiros, como a mãe de Sara. Esses pais não têm dinheiro para fornecer refeições fartas a seus filhos ou mandá-los para atividades após as aulas, como aulas de música ou esportes. Os pais têm pouco tempo para ajudar os filhos com os deveres de casa e nenhum dinheiro extra para contratar um tutor como fazem as famílias mais ricas.

Os membros da igreja adventista notaram que a pobreza relativa na comunidade e começaram a prover almoços gratuitos aos sábados e aulas particulares nos outros dias. Quando o governo da cidade de Kashiwa, cidade com aproximadamente 410 mil pessoas na grande área de Tóquio, decidiu prestar assistência financeira para as organizações que ofereciam alimento às crianças pobres, a igreja se inscreveu e recebeu um subsídio contínuo. Dez a trinta crianças começaram a aparecer regularmente na igreja todos os sábados para o almoço servido pelos membros da igreja e outros voluntários.

Ao chegar à igreja pela primeira vez, Sara ficou tímida para almoçar e brincar com outras crianças. Mas, ela acabou gostando muito da refeição e das atividades bíblicas. Também apreciou a atenção que os membros da igreja lhe deram, e voltou todos os sábados. Enquanto crescia, ela passou a ajudar na condução do programa da tarde para as crianças mais novas. Então, foi convidada para participar do acampamento de verão, onde decidiu entregar o coração a Jesus.

Ao retornar para casa, contou a novidade para a mãe, que não ficou feliz. “Você deveria esperar até ter idade suficiente para tomar essa decisão!”, a mãe disse. Ou seja, Sara precisava esperar mais quatro anos para poder se batizar. Na lei japonesa, antes dos 18 anos, uma criança não pode tomar uma decisão como essa sem a permissão dos pais. Sara tem 14 anos. Os membros ficaram tristes quando ela contou a reação da mãe, mas não ficaram surpresos. Foi uma reação típica de uma mãe japonesa que não é cristã.

Por favor, orem por Sara, por sua fé e pela mãe dela. Orem para que outras crianças tenham acesso à alimentação, às brincadeiras e aprendam sobre Jesus todos os sábados na Igreja Adventista do Sétimo Dia em Kashiwa, um centro de influência urbano que procura compartilhar o amor de Jesus na Associação Leste Japonesa. Muito agradecemos pelas ofertas que ajudarão a espalhar o evangelho — com, ou sem sushi e arroz com curry.

 

Informações adicionais

• Sara, um nome japonês comum, é um pseudônimo para proteger sua privacidade.

• Faça o download das fotos no Facebook: bit.ly/fb-mq.

• Para mais notícias sobre o Informativo Mundial e outras informações sobre a Divisão do Pacifico Norte-Asiático, acesse: bit.ly/nsd-2021.

 

 

Esta história ilustra os seguintes componentes do plano estratégico da Igreja Adventista. “I Will Go”: Objetivo de Crescimento Espiritual nº 2 – “fortalecer e diversificar o alcance dos adventistas nas grandes cidades, através da Janela 10/40, entre grupos de pessoas não-alcançadas e para religiões não cristãs”. Conheça mais sobre o plano estratégico em IWillGo2020.org.


Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: Deuteronômio:

Lição 6 – 30 de outubro a 5 de novembro de 2021

Que nação há tão grande?

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Josiéli Nóbrega

No mundo moderno, o poder de uma nação é medido por suas riquezas e pelo seu exército. Os Estados Unidos, por exemplo, não por acaso, são a maior nação do mundo, uma vez que seu poder militar é equivalente ao poder das duas potências militares que o seguem, além de uma economia que serve de base e modelo para a economia ocidental, diretamente, e mundial, indiretamente. No passado, não era muito diferente. Os grandes impérios e as grandes nações foram aquelas que possuíam maiores capacidades bélicas e maiores riquezas materiais, como palácios, ouro, prata, etc. Além disso, seus próprios governantes eram considerados divinos, membros de um panteão, amados dos grandes deuses.

Na lição desta semana, somos convidados a compreender a diferença entre as nações vizinhas e Israel, no que tange à noção e ao conceito de grandiosidade e poder. Certamente, Israel flertou com os conceitos que seus vizinhos mantinham. Não foi sem propósito que eles pediram um rei, “como as outras nações” (Dt 17:14). Eles queriam se sentir poderosos, grandes e ser capazes de apresentar e demonstrar esse poder, de maneira palpável e humana. Seu objetivo, como vemos nos tempos de Ezequias, era poder mostrar a grandiosidade de sua nação e, com isso, conquistar o respeito e a admiração de seus vizinhos.

Deus destruiu essa expectativa de Israel, fazendo-o lembrar-se de onde ele veio e quem realmente o havia trazido até ali. E não apenas isso. O discurso iniciado no capítulo 4 é fundamentado na certeza da pequenez de Israel. A nação não era pequena somente em termos de números, mas de caráter e força moral. Suas últimas ações, como as primeiras, padeciam de grandeza que lhes emprestasse a filiação divina ou o pertencimento ao panteão, tão comum e almejado pelos povos do antigo oriente. Na verdade, todas as suas ações demonstravam exatamente o contrário: faltava-lhes nobreza e grandiosidade.

O episódio da prostituição relacionada a Baal-Peor é retomado como um marco persistente para o qual aquela geração e as futuras gerações deveriam olhar quando fossem tentados a se orgulhar. Ali o povo foi subjugado e derrotado, não pelo poder dos exércitos inimigos, mas por sua própria concupiscência. Não houve batalha aguerrida, com grandes exércitos e poderosos reis lutando entre si. Ao contrário, o elemento de batalha foi a moral e as escolhas que dela decorrem. Os filhos de Israel foram humilhados por sua decadência espiritual, prostituindo-se com um deus que não conheciam e que não os havia tirado do Egito. E ali pereceram milhares de homens em decorrência de uma falha moral e de uma falsa escolha espiritual.

No entanto, conforme Moisés também lembrou em seu discurso, aqueles que escolheram o caminho correto estavam ali, vivos (Dt 4:4). E ele não deixou dúvidas quanto ao caminho que é correto: obedecer aos estatutos do Eterno. Sem tergiversar, modular, nem contemporizar. O povo devia apenas obedecer. E com o objetivo de acentuar que a nação não devia obedecer somente o que entendia, nem buscar entender o que obedecia, Moisés não utilizou os termos normais para Lei (torá) e mandamentos (mitzvot), mas dois termos que denotam ordens para as quais não existe necessariamente um racional associado: chuq (estatuto) e mishpat (juízo). O primeiro termo se refere a algo que foi decretado e o último a uma decisão legal. Em outras palavras, Moisés não estava chamando os Israelitas a fim de que atentassem para as instruções que compõem a Torá, nem aos mandamentos que nela estão escritos, mas se submeter aos decretos divinos e às Suas decisões. Ou seja, além de instruir, Deus decreta, e além de emitir ordens de como fazer algo, instruindo, Ele também decide quem fez o correto e quem não o fez.

Aqueles que escolheram o caminho certo e que ali estavam vivos constituíam um remanescente de Israel. Suas escolhas os trouxeram até aquele momento e àquele lugar. A ideia de remanescente é sempre associada a uma quantidade menor, quando comparada à maioria. Não obstante, os que restaram em Números 25 são em maior número do que os que pereceram. Isso indica que o conceito de remanescente nas Escrituras é muito mais associado à qualidade do que à quantidade. Não importa se os fiéis são a maioria ou a minoria. Eles sempre serão os remanescentes.

E esse remanescente reconhece a origem da grandeza de Israel. Sua existência não é outra coisa senão a demonstração da origem dessa grandeza. O componente numérico, o poder das armas, os valores e o ouro não são nada comparados à escolha correta ao lado de Deus. Porque a força de Israel estava em ser um remanescente no mundo que cada dia mais se afastava de Deus, escorando-se em seu próprio poder e em suas realizações. Ao contrário deles, a grandeza de Israel estava em sua obediência, em seu Deus, que, mesmo através de estatutos “ininteligíveis” aos olhos humanos, dirigia e enobrecia o povo que Ele havia escolhido. A inteligência de Israel não estava na capacidade de explicar os intrincados mandamentos ou as instruções de seu Deus, mas em escutá-los e, escutando, obedecer-lhes! A grandeza de Israel estava, de fato, além do próprio Israel. Estava em Deus.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É bacharel em Teologia, mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos  Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International  Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.

 

Comentário da Lição da Escola Sabatina – 4º Trimestre de 2021

Tema Geral: Deuteronômio

Introdução a Deuteronômio

Autor: Sérgio H. S. Monteiro

Editoração: André Oliveira Santos: andre.oliveira@cpb.com.br

Revisora: Rosemara Santos

Nome do livro

O quinto livro das Escrituras, completando o chamado Pentateuco é “Deuteronômio”. O título do livro significa “Segunda Lei”, em português, e deriva do termo utilizado na Septuaginta (tradução grega da Bíblia hebraica, datada do 3º ou 4º século a.C.). O título original do livro, entretanto, como era comum nas Escrituras Hebraicas, deriva de suas primeiras palavras: “eleh hadevarim”, ou “estas são as palavras”. O título hebraico acentua a característica discursiva do texto, enfatizando o que é dito nele mesmo, segundo o qual, Deuteronômio se constitui em um discurso feito por Moisés, antes de sua morte (Dt 1:3). Já o título grego enfatiza o conteúdo legal do livro, com sua ampla repetição da Lei. Parece indicar, também, que os tradutores da Septuaginta viam o texto como sendo o texto encontrado pelos auxiliares do rei Josias, e que guiou suas reformas religiosas no 7º século a.C., como já sugerido pelos pais da igreja. Sendo isso um fato ou não, o título grego Deuteronômio se harmoniza de maneira perfeita com o conteúdo do livro, assim como o título hebraico se harmoniza com a forma dele (o que, diga-se de passagem, não aconteceu com outros livros cujo título grego causa apenas confusão, como “Números”, cujo título hebraico é Bamidbar: “no deserto”).

Essa dupla nomenclatura deverá ser mantida em nossa jornada nos próximos três meses, enquanto estudamos o guia da Lição da Escola Sabatina sobre Deuteronômio. Ele nos ajudará a compreender vários aspectos do livro, que podem ser perdidos de outra forma. Devemos, portanto, lembrar em cada leitura que estamos lidando com um discurso de Moisés, carregado do impacto de sua sabida despedida. Nesse discurso, ele relembra ao povo as experiências históricas que o levaram até aquele momento, dando-lhe, por seu turno, uma repetição da própria legislação que brotou de cada uma das experiências vividas.

Autoria e data

De longa data Deuteronômio foi reconhecido e recebido como um texto mosaico. Ele provinha da pena de Moisés e do período mosaico. Foi apenas com Baruch Spinoza, judeu espanhol do século 17, que dúvidas foram levantadas quanto à autoria mosaica do Pentateuco. Ele afirmou, por exemplo, que Moisés não poderia haver escrito sobre sua própria morte (Dt 34) e, portanto, o livro de Deuteronômio não era de sua autoria.

A principal teoria quanto à autoria do Pentateuco é que o texto é da época da reforma de Josias, por volta de 621 a.C., tendo sido produzido pelo palácio para dar validade a um projeto de poder que se centralizava em Jerusalém em torno do palácio, da figura real, do sacerdócio e do templo. Não obstante, evidências internas demonstram que o livro de Deuteronômio é anterior aos profetas literários, que são datados do 8º século a.C., é anterior ao período da monarquia dividida do 10º século a.C., e à conquista da terra por Josué, entre os séculos 15 e 14 a.C.

Quanto aos profetas, a expressão “O Eterno Deus dos seus pais”, que aparece em Deuteronômio, não é encontrada em nenhum dos profetas literários, mas está registrada três vezes em Êxodo (3:6; 15:12 e 18:4). Igualmente, a situação descrita em Deuteronômio 16 não condiz com o que conhecemos do tempo de Josias, no sétimo século a.C. A reforma de Josias tinha por objetivo especialmente três problemas: os Kemarim (sacerdotes idólatras), os bamot (lugares altos) e os cavalos de bronze para adoração ao deus sol. Nenhum desses itens é mencionado em Deuteronômio, criando uma tremenda dificuldade para os que enxergam uma data no 7º século a.C.

Evidência de que o texto tenha sido anterior à divisão do reino inclui a ausência de qualquer menção ou sugestão de que houvesse divisão entre Judá e Efraim e a frequência de expressões que entendem Israel como uma nação única (cf. Dt 1:13, 15, etc.). Igualmente, o relato demonstra que o livro foi ambientado em um período no qual Israel ainda não habitava em Canaã. Por exemplo, quando as fronteiras da terra são mencionadas, elas são descritas como “terra dos amorreus” e “Líbano” (1:7), e não como “de Dã até Berseba”, como em livros posteriores. A própria legislação de Deuteronômio pressupõe uma sociedade ainda em preparo para a entrada na terra, não uma que já estivesse ali estabelecida. Dos 346 versos dos capítulos 1–26, mais da metade é religioso e moral, enquanto 93 lidam com mandamentos sobre a iminente entrada na terra.

Em resumo, a melhor data para Deuteronômio é aquela apresentada no próprio texto: a iminente entrada na terra, quando Moisés ainda vivia, no fim dos 40 anos de peregrinação no deserto, por volta de 1405 a.C. No esteio da datação, faz todo sentido a autoria mosaica, estabelecida pelo texto de forma indireta e pelas referências posteriores a Deuteronômio como a Lei de Moisés.

Crítica textual

Como todos os livros da Bíblia, Deuteronômio possui também uma longa história textual. Os livros do Pentateuco, por sua vez, não têm uma história textual com variações muito importantes, uma vez que sempre foram considerados no pensamento judaico como ditados por Deus. Dessa forma, o processo de cópia respeitava – e respeita – estritas regras que visam impedir a corrupção do texto. Mas, com o decurso do tempo e principalmente com o surgimento de divisões internas no judaísmo, ainda que não tenha diminuído a importância e sacralidade da Torá/Pentateuco, surgiram tradições textuais diferentes, vistas no próprio texto, sendo as três principais o Pentateuco Samaritano, a Septuaginta e os Manuscritos do Mar Morto.

O texto padrão é conhecido como texto massorético por haver sido preservado por escribas especializados que preservaram a massorá, cujo significado é tradição, reconhecida como a que remontava até Moisés.

Os principais manuscritos massoréticos são o Códice de Alepo, datado de por volta de 920 a.C. e o Códice de Leningrado, datado em 1008 a.C. Esses dois manuscritos são a base do texto das Bíblias Hebraicas de hoje. Esses dois textos são comparados a outros manuscritos e, através de procedimentos próprios da crítica textual, o texto original é restaurado.

O Pentateuco Samaritano é o texto utilizado pelos samaritanos, escrito em alfabeto samaritano, que em poucas coisas se assemelha ao alfabeto hebraico que possuímos, mas que representa o alfabeto utilizado, provavelmente, por Israel antes do exílio da Babilônia. Ele possui não apenas uma língua diferente, mas também versos com versões alternativas, como a versão samaritana dos dez mandamentos, que conclama o povo a fazer um altar no monte Gerizim para adoração. No texto de Deuteronômio, encontramos duas interessantes mudanças também relacionadas com o lugar de adoração. No capítulo 27:2-8, o texto massorético emprega o futuro para indicar que Deus “escolherá” o lugar de adoração. Já no texto samaritano, o verbo utilizado está no passado, informando que ele já “escolheu” e essa escolha é o monte Gerizim, que, no Pentateuco Samaritano, toma o lugar do monte Ebal (v. 4).

A Septuaginta, ou a versão dos LXX, é a versão grega da Bíblia Hebraica, produzida por volta do 3º século a.C., com permissão do Sinédrio. De acordo com a tradição judaica, ela foi produzida por 72 sábios da Torá que, mesmo isolados, produziram um trabalho coerente. O que conhecemos como LXX, entretanto, tem em si mesmo uma história textual, que nos entregou versões, com a LXX propriamente dita e as versões de Teodócio, Símaco e Áquila. As alterações que a LXX preservou no texto de Deuteronômio são de tal importância que geraram toda uma disciplina de estudos. Os resultados desses estudos mostraram que, em algum momento, houve o surgimento de uma tradição textual que divergia do texto hebraico e tinha sido preservada pela LXX. O caminho dessa tradição textual foi no sentido de aproximar Deus do ser humano, focalizando mais em Sua imanência do que em Sua transcendência. Além disso, é clara a influência helenística na tradução da LXX.

A descoberta dos manuscritos do Mar Morto, em 1947, deu novo impulso à pesquisa do texto original dos livros bíblicos. Em relação a Deuteronômio, foram encontrados manuscritos em quase todas as cavernas, sendo a caverna quatro a principal, com 22 manuscritos encontrados. Alguns desses manuscritos concordam com o texto massorético do 9º século a.C., enquanto outros preservam uma leitura próxima da leitura da LXX.

Em suma, hoje possuímos como nunca, uma variedade de manuscritos de Deuteronômio que nos permite, por meio de análises textuais, nos aproximar muito, ou mesmo tocar, os textos como saíram das mãos de Moisés.

Estrutura

O livro de Deuteronômio consiste basicamente em discursos de despedida de Moisés. Reconhecem-se três discursos principais com apêndices curtos lidando com aspectos da aliança. A estrutura abaixo é um resumo da descrição apresentada por Gleason Archer em Merece Confiança o Antigo Testamento, p. 170, 171:

I. Primeiro Discurso: Revisão Histórica, cap. 11–4:43

II. Segundo Discurso: Leis Pelas Quais Israel Deve Viver, 4:44–26:19

III. Terceiro Discurso: Advertência e Predição, 27:1–30:20

IV. Lei Escrita Entregue aos Líderes, 31:1-30

V. O Cântico de Moisés: A Responsabilidade de Israel Diante da Aliança, 32:1-43

VI. Despedida e Recomendações Finais, 32:44–33:29

VII. A Morte de Moisés, 34:1-12

Tematicamente, é possível perceber uma estrutura circular, tendo o código da aliança, nos capítulos 12–26 como centro e duas molduras: uma interna (capítulos 4–11 e 27–30) e outra externa (capítulos 1–3 e 31–34). Essa estrutura demonstra o papel central da aliança no pensamento apresentado no livro.

Temas

São três os temas centrais do livro de Deuteronômio: Deus, Israel e Aliança.

Deus

Ele é o centro do livro, além de ser o centro das Escrituras. No Pentateuco, e em Deuteronômio em particular, Deus é apresentado por meio das lentes da revelação histórica, mais do que da natureza. Aliás, essa é uma das contribuições e polêmicas da Bíblia Hebraica: Deus é melhor conhecido por meio da Sua ação histórica. A história é o palco da revelação divina e a natureza apenas demonstra Seu poder criador, mas não Sua vontade redentora!

Israel

É o povo escolhido de Deus. Na Torá isso se torna explícito e claro. Em Deuteronômio, somos constantemente relembrados disso. Essa escolha, totalmente fundamentada em um ato livre da graça divina, não se baseia em nada que Israel houvesse apresentado para atrair a Divindade. Ao contrário, Israel havia sido infiel e desobediente e seguiria assim. Entretanto, por ser fiel à Sua aliança, o Eterno Se manteria ligado a esse povo.

Aliança

É o centro do relacionamento entre o Eterno e Israel. Embora nosso conceito de aliança precise ser revisto para perceber como a aliança é puramente divina, feita entre os membros da Divindade para benefício da ordem criada em geral e dos seres humanos em particular, não resta dúvida de que a aliança é o que liga o Céu à Terra, funcionando como um reino no qual os seres criados, perdidos e redimidos são convidados a entrar e viver. O coração de Deuteronômio pulsa com a aliança. No seu próprio centro, nos capítulos 12–26, encontramos o código de conduta dessa aliança, repetida por Moisés, que conclamou os israelitas a entrar nesse compromisso com o Senhor.

Lendo Deuteronômio

Moisés, em seus discursos carregados de emoção, inicia com a lembrança resumida de que eles ali chegaram porque, um dia, Deus prometeu aos seus pais a terra como herança, e isso não foi em decorrência de qualquer ação dos pais, mas pela livre graça amorosa de Deus. Essa é a lembrança fundamental que irá permear a caminhada de Israel, ou que deveria fazê-lo: o único antídoto para a apostasia e fundamento da esperança é a compreensão de que a origem de Israel é o chamado histórico de Deus. Embora Moisés não se preocupe em traçar as origens do povo até a criação, não resta dúvida de que na figura dos “pais” a história primordial está incluída, porque na visão bíblica, os patriarcas, como todos os seres humanos, são resultado dos primeiros 11 capítulos de Gênesis.

Por isso, um método sadio de interpretar e entender Deuteronômio deve levar em consideração alguns aspectos essenciais:

1. O texto é narrativo e apresenta um discurso de despedida de Moisés;

2. Grande parte do discurso apresenta palavras de Moisés e não de Deus.

3. O texto de Deuteronômio serve com um fechamento apropriado para a história iniciada em Gênesis, permitindo perceber várias nuances do amor de Deus individualizado.

O primeiro item deve nos levar a compreender o peso de cada palavra do texto. Os cinco discursos de Moisés que compõem o livro, mais a narrativa de sua morte, quando lidos a partir da perspectiva de um discurso de despedida, trazem uma visão diferente de cada tema apresentado. Não estão ali apenas palavras éticas de um grande professor, ou a narrativa histórica distante de um historiador, nem mesmo as palavras bem equilibradas de um poeta, mas a viva expressão da certeza de sua partida, temperada com a vívida fé histórica, moldada não pelas experiências de outrem, mas dele mesmo, como testemunho para aquela geração que descendia da geração que tinha morrido no deserto, mas também para futuras eras. A emoção é sensível nas palavras de repetição da legislação para aqueles jovens.

E por serem carregadas do tempo de vivência e da emoção do fim, as narrativas históricas de Deuteronômio são pintadas com a tinta da reflexão, e as pinceladas legislativas não são apenas repetidas menções de artigos do código levítico, mas vívidas interpretações daquele código. E aqui somos agraciados com uma oportunidade única: podemos ver Moisés, não como o mediador da entrega da Lei, mas como um intérprete. É possível, e isso é único, pensar nas palavras repetidas da Lei como a maneira pela qual o próprio Moisés entendeu a legislação dada a Ele por Deus e, por meio dele, ao povo! E precisamos permitir que essa realidade, a de que estamos escutando e lendo o que Moisés (certamente guiado pelo Espírito Santo) compreendeu da legislação que Deus lhe havia entregue, quando lermos os textos legais, apareça e faça parte do modelo de intepretação e restrinja nossa vontade de ser independentes em demasia.

Por fim, se mantivermos os dois primeiros artigos de nosso método em foco, aliados ao terceiro, quando estudarmos cada lição durante este trimestre, poderemos perceber que Deuteronômio trata precisamente da história como revelação, usando a expressão tão precisa de Wolfhart Pannemberg. Sim, a história sempre foi vista como um dos meios pelos quais Deus Se revela de forma geral, mas o fato, percebido por Pannemberg em Deuteronômio, é que a história é o palco por excelência da revelação especial, ou do plano da salvação. Por isso, podemos, e mais do que isso, devemos ler Deuteronômio como uma franca declaração histórica de um Deus que não legisla no vácuo, mas fundamenta Suas leis na Sua autorrevelação, contínua e constante, que se dá no palco da história. Ele quer ser não apenas o Autor distante da história, mas parte dela, interagindo com o ser humano e se relacionando com o mundo criado. Nessa verdade impressionante e transformadora apresentada na Torá (Pentateuco) e emocionalmente declarada e repetida nas palavras de Moisés, encontramos o foco do próprio Deuteronômio.

Conheça o autor dos comentários para este trimestre: O Pr. Sérgio Monteiro é casado com Olga Bouchard de Monteiro. É pai de Natassjia Bouchard Monteiro e Marcos Bouchard Monteiro. É Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia Bíblica, cursa doutorado em Bíblia Hebraica. É Pastor na Escola do Pensar e no Instituto de Estudos Judaicos Feodor Meyer. É membro da Adventist Theological Society, International Organization for the Study of the Old Testament, Society for Biblical Literature e Associação dos Biblistas Brasileiros.